A denominação "mestres da suspeita fora cunhada pelo filósofo francês Paul Ricoeur[1] e se refere aos pensadores como Nietzsche, Marx e Freud pela importância que tiveram em questionar a cultura ocidental, elaborando considerações sobre o pensamento humano bem como sobre suas relações com o mundo.
 
Acrescente-se ainda que nos anos sessenta os comentários por Michel Foucault e Paul Ricoeur sobre os mestres da suspeita principalmente sobre a hermenêutica moderna.
 
Em 1969, Ricoeur publicou uma obra sobre Freud intitulada "Da interpretação, ensaio sobre Freud"; nessa época, Ricoeur era considerado como um grande representante da hermenêutica moderna francesa.
 
O questionamento da razão ocidental acarretou a percepção de que as práticas violentas subjazem à todas as relações humanas. Aliás, a descoberta do inconsciente por Freud, a ruptura da universalidade do pensamento ocidental engendrada por Nietzsche e, ainda, a essência universal de homem preconizada por Marx. O que conduziu muitas gerações posteriores a suspeitar dos sagrados valores apregoados pelo Ocidente.
 
E para tanto, se descortinou considerações apuradas sobre a moral ocidental, a relação existente entre razão e instinto, sobre a vontade de poder, sobre a violência socioeconômica e da ideologia[2] como falsa consciência.
 
Segundo Paul Ricoeur[3], a partir de Nietzsche[4], Marx e Freud a consciência passa a ser considerada como consciência falsa, estabeleceu-se clara crítica a ideia cartesiana de que o sentido e a consciência do sentido coincidem. Plantaram a dúvida sobre os poderes da consciência em apreender o sentido do mundo e de si mesmo de forma evidente, clara e distinta.
 
O cogito cartesiano bem expresso em na expressão "penso, logo existo", a auto-apreensão imediata e direta do sujeito foi posta em questão pela descoberta do inconsciente[5] em Freud, do ser social em Marx e da vontade de poder em Nietzsche.
 
Aliás, a certeza da consciência imediata de si, torna-se problemática, tornando esta própria, o enigma a ser decifrado. Esse enigma assume formas variadas e correspondentes ao processo de formação dessa consciência falsa: a ideologia em Marx, ilusão em Freud, vontade de verdade em Nietzsche.
 
Cumpre assinalar que os mestres da suspeita não são os mestres do ceticismo. Então, busca-se outro caminho de acesso à consciência, um trabalho de interpretação mediado pelos signos e pelos símbolos a partir dos quais a própria consciência se manifesta.
 
O método de decifração tomou a forma quando Marx elaborou a teoria das ideologias[6], pela teoria dos ideais e ilusões em Freud e por uma genealogia da moral em Nietzsche.
 
Concluiu Ricoeur que a partir desses pensadores, a compreensão se tornou uma hermenêutica, e doravante, procurar o sentido não significa mais apenas soletrar a consciência do sentido.

Mas, decifrar suas expressões, ou ainda como quis Foucault, os referidos pensadores nos colocam diante nova possibilidade de interpretações, que eles fundaram novamente a possibilidade de uma hermenêutica.

 
A partir deles a hermenêutica deixa de ser apenas uma técnica de interpretação nos termos de exegese da bíblia ou jurídica, ou mesmo uma metodologia das ciências humanas, conforme alegou Dilthey[7], passa a ser muito mais que técnicas pois nós mesmos, como intérpretes, somos levados a nos interpretar por essas técnicas.
 
O cogito está ferido de morte, e a hermenêutica assumiu caráter constitutivo desse homem que existe como compreensão, como interpretação de mundo que é, ao mesmo tempo, a intepretação de si.
 
Foucault[8] com razão, aduziu que a interpretação se torna um inescapável jogo de espelhos, assumindo caráter existencial e ontológico para o homem.
 
Não há, portanto, uma hermenêutica geral, um único cânon universal para exegese, mas sim, teorias opostas e específicas que abordam as dimensões existenciais precisas.
 
As obras de Nietzsche como “Além do bem e do mal” e “Genealogia da moral”[9] integram um projeto de transvaloração de todos os valores. Especificamente, quando criticou e revisou os valores basilares da sociedade ocidental, tal como a moral, a democracia e o cristianismo[10].
 
Aliás, o filósofo alemão conduziu a metafísica ocidental aos extremos de sua capacidade, e expôs a fragilidade de todas as instâncias que derivavam dela, a exemplo das religiões cristãs. Afinal, identificou que tudo pairava à sombra da metafísica, assim como a política, a cultura, a ciência, as artes, a religião e, principalmente, a filosofia.
 
Para se entender a origem dos valores, é preciso procurar saber como os conceitos foram formados, o modo como as ideias ganharam o status de verdade, e tal procedimento é chamado de crítica genealógica.
 
Desta forma, as verdades expostas pela filosofia  e a percepção transcendental de Kant moderna mostravam sua fraqueza desde o ego cogito de Descartes, as certezas empiristas das percepções simples, o modo de Locke, e a unidade metafísica da vontade em Schopenhauer.
 
Com o rompimento do campo hermenêutico moderno, a decifração põe em questão o próprio estatuto da linguagem e dos signos linguísticos, que perdem seu valor de simples meio a relação do homem com as coisas e consigo mesmo, seu sentido referencial imediato, passando esta própria, o enigma fundamental a ser decifrado por uma hermenêutica da suspeita.
 
Aliás, desconfia-se até mesmo da própria compreensão. Percebe-se que Marx, Nietzsche e Freud não conferiram um sentido novo as coisas que não tinham sentido, no fundo, eles mudaram a natureza do signo e modificaram o modo pelo qual o signo em geral podia ser interpretado.
 
Assim. os signos deixam de ser significantes que se referem a um significado, como uma visibilidade da superfície que indica as coisas mesmas, a realidade das coisas, mas uma obra constitutiva das próprias coisas.
 
Desta forma, é que o desejo em Freud só pode ser entendido como um processo de interpretação. Assim não é sonho que pode ser interpretado, mas o texto do relato do sonho, não é o desejo sentido enquanto tal que está no centro da análise, mas sua linguagem.
 
Devemos ainda entender Nietzsche quando alude ao caráter tropológico de toda linguagem, bem como a crítica feita por Marx ao fetiche da moeda e da mercadoria presente na sociedade capitalista.
 
Afinal, para Nietzsche tais pensadores modernos apenas fizeram trilhar a continuação da tradição filosófica superficial que lhes fora legada pela Idade Média[11] e, por conseguinte, pela Antiguidade Clássica.
 
Precisamos essencialmente do omnibus dubitandum. E questionar se existem os contrários, as avaliações e as oposições criadas pelo povo para apreciar os valores, aos quais a seguir os metafísicos, colocaram sua marca, não são talvez avaliações superficiais.
 
Se os filósofos precedentes não suscitaram dúvidas desde o início, Nietzsche o fez efetivamente. Aliás, de fato, foi uma filosofia a marteladas[12].  Investigou os motivos que levam a metafísica ocidental a se estribar na oposição dos valores.
 
Então mergulhou na Antiguidade Clássica e descobriu no platonismo e, o socratismo, a causa da inversão de valores.
 
O socratismo triunfou em Atenas num tempo em que a cidade vivenciava uma decadência, e depois, adveio o fim trágico[13]; os valores aristocráticos estavam em plena crise, havia entre os gregos uma anarquia de instintos e Atenas sofria com sucessivos golpes tirânicos.
 
E, nesse contexto, a razão socrática se apresentava como um lenitivo, pois era enfim necessário dominar os impulsos, sacrificar a subjetividade e buscar o bem em si, pensar em valores universais.
 
Por outro viés, a racionalidade socrática[i][14] inverteu as noções de bem e mal, afastando-se de seu sentido original, isto é, eminentemente aristocrático.
 
O socratismo encerrou o instinto sob a grave acusação de ser nocivo, porém, conferiu à razão um papel repressor, estava formada a base sob a qual se assentaria toda a metafísica ocidental. Enfim, para justificar a existência do mundo das ideias, Platão elaborou o conceito de alma e recorreu à ideia de deus.
 
O ateniense da época afirmava que todo conhecimento verdadeiro, seria, pois, uma espécie de recordação do que outrora, antes do cativeiro de nossa alma pelo corpo e no mundo terrestre contempláramos do verdadeiro e do divino mundo de ideias.
 
Tal referência metafísica prosseguiu e sobreviveu ao final da Idade Antiga e serviu de bússola para os pensadores da Idade Média, a força motriz da moral cristã e, durante a Modernidade, manteve-se incólume desde Descartes, passando por Kant e chegando até Schopenhauer.
 
Pesou a crítica de Nietzsche sobre o mundo inteligível, e a base de sustentação do platonismo e, destruiu qualquer possibilidade de as ideias terem existência foram de si. Noutros termos, o filósofo alemão mostrou que todo conhecimento decorre do interesse e da perspicácia humana, ao revés do que preconizava a vigente filosofia de sua época.
 
Com isso, a crença em valores absolutos é abalada e com esta, o pensamento de que as coisas possuem natureza imutável e essencial.
 
Abriu novo horizonte para o pensamento filosófico. E, a partir dessa nova perspectiva, foi possível questionar o valor dos valores, e a verdade passa ser questionada quanto sua origem, depurando as marcas de subjetividade e superficialidade, isto é, o filósofo mostrou ao Ocidente que todo conhecimento é construto humano, não nada neste de universal ou absoluto.
 
Fomos nós unicamente que inventamos as causas, a sucessão, a finalidade, a realidade, a obrigação, o número, a lei, a modalidade, o fim e quando introduzimos esse sistema de sinais como em si nas coisas, quando nos misturamos às coisas, fazemos uma vez mais o que sempre fizemos, isto é, mitologia. A vontade não livre do determinismo é mitologia.
 
Investigou a genealogia dos valores bem e mal e explicou o processo o que os levou ao status alcançado na Modernidade[15]. E, em suas conclusões apontam que o poder de exercer a violência foi a força motriz para a formação dos primeiros valores, os conceitos se formaram a partir da capacidade que uma pessoa tinha de sair, de vingar-se, de violentar.
 
Os valores surgiram no mundo a partir de uma distância fundamental, pois os nobres julgaram a si e a seu agir como bom, ao contrário de tudo aquilo que fosse baixo, isto é, mal.
 
Através de pesquisa filológica, Nietzsche constatou que, em todas as línguas, os nomes dos valores foram determinados por uma consciência de distância e superioridade; derivam da mesma transformação conceitual sofrida pelos termos nobre e aristocrático, no sentido de ordem social.
 
Contudo, quando afirma que os conceitos de bom e mal tem sua origem na alma das raças e das castas dominantes, isso não significa uma dicotomia entre classe dominante/classe dominada no sentido marxista (até porque era avesso às dicotomias).
 
Do mesmo modo, quando aludiu aos nobres e aristocratas, não se refere à determinada classe social ou aos detentores de poder econômico. E, segundo o pensador, a racionalidade também é uma forma de vontade de poder, e não resta isenta de crueldade.
 
Os preceitos morais são espécie de tirania contra a natureza e uma coação prolongada conforme o filósofo. E, fez-se necessário que os mais terríveis atos de violência fossem praticados para que o ser humano internalizasse os valores morais[16] não violentos.
 
Basta recordar os antigos castigos na Alemanha, entre outros a lapidação, o suplício do empalamento, o suplício de despedaçar, o supliciado por meio de cavalos (o esquartejamento), o emprego do vinho ou do azeite para ferver o condenado (nos séculos XIV e XV).
 
A moralidade não apresenta nenhum aspecto inteligível e, muito menos, divino. Os seres humanos se desenvolveram a partir de questões empíricas e a ensinaram de forma violenta. A violência jamais desapareceu do horizonte evolutivo do humano, as se apresentava de forma mais sutil, se revestiu das cores da imaginação, se espiritualizou e se encobre com nomes hipócritas.
 
Assinalou também a forma de moral escrava que consiste na homogeneização da massa humana, na castração de instintos e na proteção de seres inferiores em troca de sua obediência cega aos ditames sociais.
 
Os indivíduos foram paulatinamente, mediante aos fortes golpes de violência, passaram a internalizar os valores que negavam sua agressividade[17] e dominavam seus impulsos primitivos. E, como a agressividade é também integrante da biologia humana[18], e necessita ser direcionada para algum lugar, na interdição de sua exteriorização, os homens passaram a direcionara contra sua psiquê.
 
Assim, os instintos passaram a agir contra os próprios instintos e, assim, e o privar-se de satisfazer a vontade de potência foi o meio que o humano encontrou para liberar seus impulsos. Eis que estava criada a consciência e todas as instâncias capazes de vigiá-la, como remorso, culpa, pecada, falta ou má consciência.
 
Como Marx viveu no período de conflito do proletariado com a elite econômica de seu tempo. E, quando esteve na Inglaterra, conheceu de perto a situação deplorável do operariado que era submetido a extensas jornadas de trabalho[19] em oficinas insalubres e indignas e ainda com baixa remuneração.
 
Marx elaborou então sua teoria materialista, segundo a qual as ideias devem ser compreendidas a partir do contexto histórico da comunidade em que se vive, porque estas derivam das condições materiais, no caso, das forças produtivas da sociedade. Igualmente percebeu as contradições que surgem entre essas forças produtivas e as relações de produção.
 
E, nesse cenário, as ideias vigentes, que aparecem como universais e absolutas, são de fato parciais e relativas, porque representam as ideias da classe dominante.
 
Os conceitos filosóficos, jurídicos, éticos, políticos, estéticos e religiosos da burguesia são estendidas para o proletariado, perpetuando os valores a estas subjacentes como verdades universais.
 
Enfim, esse conhecimento que aprece de forma distorcida corresponde à ideologia, ou seja, um conhecimento ilusório que tem por finalidade mascarar os conflitos sociais e garantir a dominação de uma classe, impedindo que a classe submetida desenvolva uma visão do mundo mais universal e lute pela autonomia de todos.
 
Nietzsche procedeu um deslocamento do problema do conhecimento, alterando o papel da filosofia. Para o filósofo alemão, o conhecimento não passa de interpretação, e atribuição de sentidos, sem jamais ser uma explicação da realidade. Pois conferir os sentidos significa conferir valores, ou seja, os sentidos são atribuídos a partir de determinada escala de valores que se quer promover ou ocultar.
 
Para Nietzsche, o conhecimento resulta de uma luta, do compromisso entre instintos. Ao compreender a avaliação que fosse feita desses instintos, descobre que o único critério que se impõe é a vida.
 
E, o critério da verdade, portanto, deixa de ser um valor racional para então adquirir um valor de existência. Ao se questionar o que seja o critério da vida?

Respondeu que os sentidos atribuídos às coisas fortalecem nosso querer viver e quais os sentidos que o degeneram, questiona-se, em verdade, os valores para se distinguir quais os valores que nos fortalecem vitalmente e quais os valores nos enfraquecem fatalmente.

 
Sigmund Freud, o fundador da psicanálise[20] desmente as crenças racionalistas de que a consciência humana é o centro das decisões e do controle de desejos, ao levantar a hipótese do inconsciente. Diante de forças conflitantes, o indivíduo reage, mas desconhece os determinantes de sua ação.
 
Assim no processo psicanalítico pode auxiliar na busca do que foi silenciado pela repressão dos desejos. A hipótese do inconsciente tornou-se fecunda ao permitir a compreensão de uma série de acontecimentos da vida psíquica. Para a psicanálise, todos os nossos atos trazem significados ocultos que podem ser interpretados.
 
Pode-se afirmar metaforicamente, que a vida consciente é somente a ponta de um iceberg, cuja montanha submersa simboliza o inconsciente.
 
Os sintomas que advém do inconsciente devem ser decifrados na sua linguagem simbólica, já que o simbolismo encerra um modo de representação indireta e figurada de uma ideia, conflito ou desejo inconsciente.
 
Há, portanto, vários tipos de sondagem do inconsciente, mas para Freud, os sonhos constituem o caminho privilegiado, que o filósofo procura desvendar pelo método da associação livre[21].
 
(continua...)
Referências:

 
DOS SANTOS, Nadson Vinícius. A violência segundo os Mestres da Suspeita. Revista Litterata, Ilhéus. volume 6/2 Jul.dez, 2016. ISSN 2237-0781.
Von Zuben. Marcos de Camargo. Ricoeur, Foucault e os mestres da suspeita: em torno da hermenêutica e do sujeito. Revista Trilhas Filosóficas v.1.n.1. 2008. ISSN 1984-5561.
Foucault, Michel (2000). Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. (Ditos e Escritos II). Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Ricoeur, Paul (1960). Finitude et culpabilité. Paris: Aubier. Editions Montaigne.
_____________. (1977). Da Interpretação: ensaio sobre Freud. Rio de Janeiro :Imago Editora.
______________. (1979). Existência e hermenêutica, in O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro : Imago Editora.
VOLPI, Franco. Niilismo. Tradução de Aldo Vannucchi. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução, Desidério Murcho... et Al. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
LEFRANC, Jean. Compreender Nietzsche. Tradução Lúcia M. Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
WILSON, Emily. A morte de Sócrates. São Paulo: Record, 2013.
GIACÓIA JÚNIOR, Osvaldo. Além do princípio de prazer: um dualismo incontornável.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
 _______________________. Nietzsche. São Paulo: Publifolha, 2000.
 _______________________. Nietsche & Para além de bem e mal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
 

[1] Paul Ricoer (1913-2005) foi um dos grandes filósofos franceses do pós-segunda guerra mundial. O sentido de todo trabalho filosófico deve ser visto em uma teoria da pessoa humana, traçando o conceito, o de pessoa, reconquistado após uma peregrinação fatigante na floresta das produções simbólicas do homem, depois das devastações produzidas na ideia de consciência pelos mestres da escola da suspeita.

O pensamento desenvolvido por Ricoeur revela as influências da fenomenologia de Husserl, do pensamento de Gabriel Marcel e da corrente personalista francesa, dirigida por Emmanuel Mounier.

A sua vasta e complexa obra reflete uma tentativa de conciliar, criativamente, algumas das correntes mais significativas da filosofia contemporânea: a fenomenologia, a hermenêutica, o existencialismo e a psicanálise. Renovou a hermenêutica, associando-a à fenomenologia. Segundo o filósofo, esta não corresponde somente a um trabalho de captação do sentido dos textos e dos símbolos, mas também a um esforço efetivo de compreensão de nós próprios e do mundo.
 
[2] A noção de ideologia como falsa consciência, trazida por Marx, desestabilizou a metafísica ocidental; assim, os valores sociais perdiam seu valor de verdade, passando a existir apenas enquanto ideologia, isto é, uma consciência formada.
Posteriormente, Nietzsche acirra o debate ao apresentar a ideia de vontade de potência, vinculando a racionalidade a impulsos instintivos, isto é, a razão servindo aos instintos. Os valores e as práticas sociais ancoram-se na vontade de um grupo social, não em noções objetivas, e a violência configura- se como meio necessário para transformar um valor individual em coletivo.
 
[3] Na análise que realiza ao conceito de justiça, considera que, sendo as instituições políticas "frágeis" e o ser humano limitado, o poder político deve ser vigiado por aqueles que representam o produto puro dessa mesma política, ou seja, os cidadãos. É essencialmente nas obras Soi-même comme un autre, publicada em 1990, e “O Justo ou a Essência da Justiça” que Ricoeur desenvolve o essencial da sua perspectiva ética e política.
 
[4] A partir da leitura do "Crepúsculo dos ídolos", pode-se perceber como Nietzsche evidencia esse processo de dissolução dos valores fundamentais da cultura ocidental já com sua formatação filosófica e, em certo sentido, já com suas raízes na antiguidade grega, uma vez que Sócrates e Platão, no texto, prefiguram a raiz da tendência moralizante e da visão dualista  do mundo, que reconhece numa realidade além do mundo, ou seja, numa realidade transmundana, as verdadeiras realidades e as verdades que passam a sustentar a cultura.

Para Nietzsche, as consequências disso para a história ocidental se revelam imensas e inegáveis, pois o ser humano passa a orientar as verdades de sua vida a partir de princípios que estão além de si mesmo, que o levam a negar a si mesmo como possibilidade da própria verdade.

E trouxe também uma nova proposta de “reorientação” da vida do ser humano parece ser, segundo ele, radicalizada pela tradição judaico-cristã o que, a princípio, levaria este estudo a supor que a crítica nietzscheana ao  niilismo partiria de um ponto de vista necessariamente religioso, visão muito difundida ainda hoje e que parece revelar-se  como fonte de muitas incompreensões e interpretações errôneas do pensamento filosófico de Nietzsche.
 
[5] A teoria do inconsciente que Sigmund Freud formulou representou um marco na história da psicologia. Esse submundo estranho e fascinante gerador de fantasias, lapsos e impulsos não controláveis nos permitiu, por fim, ver grande parte dos transtornos mentais não como doenças somáticas, não como doenças do cérebro, mas como alterações pontuais na nossa mente.
 
[6] As teorias de Marx se baseiam na ideia de que a base material caracteriza a vida em sociedade: “A existência determina a consciência”. A forma como vivemos e trabalhamos influencia em como nos sentimos e pensamos. Além disso, Marx acreditava que a história está sujeita a leis semelhantes às da natureza.
Portanto, ele chegou à conclusão de que, tão certo como uma pedra cai no chão, a sociedade capitalista burguesa iria cair em suas contradições internas. A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento material.
O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica, etc., de um povo. São os homens que produzem as suas representações, as suas ideias, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar.
A consciência nunca pode ser mais do que  o ser consciente e o ser dos homens é o seu processo da vida real.
E se em toda a ideologia os homens e as suas relações nos surgem  invertidos, tal como acontece numa câmera obscura, isto é apenas o resultado do seu processo de vida histórico, do mesmo modo que a imagem invertida dos objetos que se forma na retina é uma consequência do seu processo de vida diretamente físico.
 
[7] Wilhelm Christian Ludwig Dilthey (1833-1911) foi filósofo hermenêutico, psicólogo, historiador, sociólogo e pedagogo alemão. Lecionou filosofia na Universidade de Berlim e era considerado um empirista o que contrastava com o idealismo dominante na Alemanha de sua época, mas sua concepção de empirismo e de experiência difere da concepção britânica de empirismo. Seus principais conceitos procuraram fundamentar as ciências do espírito, ou seja, as ciências humanas, como forma de conhecimento em oposição às ciências da natureza.

Dialogou profundamente com os pensamentos de Kant, Locke, Comte, Mill, Berkeley, Rudolf Herman Lotze, entre outros. As ciências do espírito teriam como objeto o homem e o comportamento humano; para Dilthey é possível, diante do mundo humano, adotar uma atitude de "compreensão pelo interior", ao passo que, diante do mundo da natureza, essa via de compreensão estaria completamente fechada.

Os meios necessários à compreensão do mundo histórico-social podem ser, dessa maneira, tirados da própria experiência psicológica, e a psicologia, deste ponto de vista, é a primeira e mais elementar das ciências do espírito. A experiência imediata e vivida na qualidade de realidade unitária (Erlebnis -Vivência; Experiência) seria o meio a permitir a apreensão da realidade histórica e humana sob suas formas concreta e viva.
 
[8] Michel Foucault foi filósofo, historiador das ideias, teórico social, filólogo, crítico literário e professor da cátedra História dos Sistemas do pensamento, no célebre Collège de France, de 1970 a 1984. Suas teorias abordam a relação entre poder e conhecimento e como eles são usados ​​como uma forma de controle social por meio de instituições sociais.  

Embora muitas vezes seja citado como um pós-estruturalista e pós-modernista, Foucault acabou rejeitando esses rótulos, preferindo classificar seu pensamento como uma história crítica da modernidade. Seu pensamento foi muito influente tanto para grupos acadêmicos, quanto para ativistas.
 
[9] A obra “Genealogia da Moral” representa uma crítica feita a toda a tradição filosófica, à metafísica e ao cristianismo.  Estes teriam forjado um conceito de moral que atendesse aos interesses e desejos das maiorias. E em segundo lugar, que a moral, para Nietzsche, não advém de leis ou instituições.

Mas de um questionar o conceito de moral que fora recebido até então pela tradição filosófica, pala metafísica e pelo cristianismo, fazer uma releitura no que fora passado de geração para geração como indubitável, isso engendraria uma moral que proporcionará ao ser humano viver de forma mais autêntica, intensa, espontânea.
 
[10] A crueldade é revelada, pela primeira vez, como um dos mais antigos e mais indispensáveis elementos na fundação da cultura. Entende-se que, por exemplo, a “moral de rebanho” da cultura judaico-cristã, que determinam valores como compaixão e submissão aos fortes como forma de dominá-los. Não se trata de uma análise histórica, o método nietzschiano procura mostrar, através da análise crítica, conjunturas e elementos periféricos da tradição e seu encadeamento de formação.
 
[11] A filosofia medieval foi desenvolvida na Europa durante o período da Idade Média (séculos V-XV). Trata-se de um período de expansão e consolidação do Cristianismo na Europa Ocidental.

A filosofia medieval tentou conciliar a religião com a filosofia, ou seja, a consciência cristã com a razão filosófica e científica. As principais características da filosofia medieval são: Inspiração na filosofia clássica (Greco-romana); União da fé cristã e da razão; Utilização dos conceitos da filosofia grega ao cristianismo; busca da verdade divina.
 
[12] Embora Nietzsche seja um crítico feroz de Sócrates, seu aforismo "sê tu mesmo" é praticamente a maiêutica socrática, ou seja, é o parto de ideias próprias, o parto de si mesmo, o parto de um novo ser que surge a partir das cinzas e detritos ocasionados pela violência do martelo.

Para o filósofo o homem deve tornar-se senhor de si mesmo e não marionete de outro mais esperto, para isso é preciso destruir antigas convicções e desejar sempre saber ao invés de acomodar-se nas águas tranquilas do crer. Crepúsculo dos Ídolos, ou Como Filosofar com o Martelo (no original em alemão: Götzen-Dämmerung oder Wie man mit dem Hammer philosophirt) foi a penúltima obra do filósofo alemão Nietzsche, escrita e impressa em 1888, pouco antes de o filósofo perder a razão. 

O próprio Nietzsche a caracterizou - numa das cartas acrescentadas em apêndice a esta edição - como um aperitivo, destinado a "abrir o apetite" dos leitores para a sua filosofia. Trata-se de uma síntese e introdução a toda a sua obra, e ao mesmo tempo uma "declaração de guerra". É com espírito guerreiro que ele se lança contra os "ídolos", as ilusões antigas e novas do Ocidente:  a moral cristã, os grandes equívocos da filosofia, as ideias e tendências modernas e seus representantes.
 
[13] Emily Wilson em sua obra "A morte de Sócrates": “O julgamento de Sócrates e o seu resultado assinalam um problema com o qual as democracias até hoje têm que lidar, ou seja: o que fazer com os dissidentes.”

Logo na introdução, a autora deixa claro que, em toda a sua obra, quer trabalhar com a concepção de um Sócrates multifacetado de um modo sem paralelo com qualquer outra personagem, isto porque ela não quer cair na tentação de taxar o filósofo como um precursor de uma série de grandes heróis que se rebelaram contra a opressão e restrição governamental, pois assim esqueceríamos que é possível não admirar Sócrates.
 
[14] Sócrates traz no bojo de sua dialética a prerrogativa de inteligibilidade racional para tudo! A força do pensamento socrático está na razão que procura estender seus tentáculos para todos os lados. Tudo pode e deve ser conhecido, apartado das paixões e analisado friamente.

O sábio seria aquele então que se afasta do pensamento por instinto e, atestando sua ignorância, procura o conhecimento racional. Acusando o instinto grego, Sócrates procura por medidas que, ao cabo, limitam, fecham e obstruem a vida.
 
[15] A modernidade é um período de tempo que se caracteriza pela realidade social, cultural e econômica vigente no mundo.  Ao tratarmos da era moderna, pré-moderna ou ainda a pós-moderna, fazemos referência à ordem política, à organização de nações, à forma econômica que essas adotaram e inúmeras outras características. Entretanto, nessa trajetória que traçaremos aqui, o que nos importa é a trajetória do pensamento humano e o seu processo de construção.

Para tanto, partiremos das reflexões de Zygmunt Bauman e de Max Weber para traçar uma linha que nos guie pelas mudanças do pensamento humano e sua conexão com a realidade histórica das pessoas que fizeram parte desse processo. A modernidade construiu-se em meio aos conflitos ideológicos da razão objetiva instrumental, utilizada como ferramenta de abordagem de questões do pensamento humano e de sua realidade.

Assim, o pensamento tradicional, ligado ao pensamento teológico e religioso, foi progressivamente abandonado. Max Weber referiu-se a esse fenômeno como o processo de “desencantamento do mundo”, no qual o sujeito moderno passou a despir-se de costumes e crenças baseados em tradições aprendidas que se apoiavam nos pilares fixos das religiões.

Explicações e questionamentos baseados na utilização da razão instrumental quebraram noções preconcebidas e ancoradas no núcleo religioso. (In: Referência: BAUMAN, Zygmunt; Modernidade e ambivalência / tradução Marcus Penchel. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999).
 
[16] Os valores de morais, segundo Nietzsche, são criados, em um primeiro momento, pelos nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento em oposto a tudo que se tem como baixo, vulgar plebeu, e sempre tendo como base seus próprios interesses.

Devido aos nobres se considerarem os superiores e por causa da distância de posição e pensamento, “tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a utilidade.”
 
[17] A agressividade é um tipo de comportamento normal que se manifesta nos primeiros anos de vida. Na infância, a agressividade é uma forma encontrada pelas crianças para chamar a atenção para si. É uma espécie de reação que adquire quando está à frente de algum acontecimento que faz com que se sintam frágeis e inseguras.

Na fase adulta, a agressividade se manifesta ainda como reação a fatos que aparentemente induzem o indivíduo à disputa e ainda a sentimentos.

A agressividade é uma qualidade natural, humana ou animal, que tem a função de defesa diante dos perigos enfrentados e dos ataques recebidos.

Agressividade e medo são emoções fundamentais na sustentação de
processos decisórios. A agressividade é uma forma de nos protegermos, de dar limites, em família ou no trabalho. A ação está na agressividade, e a reação na violência.
 
[18] A classificação da agressividade humana. A saber, primeira: agressão hostil(hostilidade) que é emocional e geralmente impulsiva. 2ª: Agressividade instrumental é a que planejada e visa a um objeto que tem por fim conseguir algo independentemente do dano que possa causar.

É geralmente não impulsiva. 3ª:agressão direta é aquela que se dirige à pessoa ou objeto que justifica a agressão. Na agressão sexual o objeto almejado confunde-se com o motivo da agressão.  4ª:agressão deslocada ocorre quando o sujeito dirige a agressão a um alvo que não é responsável pela causa que lhe deu origem.

Em animais igualmente se observa tal mecanismo de controle de impulsos agressivos. 5ª: autoagressão que é exemplificada em suicídio e automutilação; 6ª: agressão aberta; 7ª:agressão dissimulada; 8ª agressão inibida.
 
[19] “A Situação da Classe Trabalhadora" na Inglaterra é um dos livros mais conhecidos de Friedrich Engels. Originalmente escrito em alemão (Die Lage der Arbeitenden Klasse in England), é um estudo das condições de vida dos trabalhadores na Inglaterra vitoriana. 

O livro é considerado como um relato clássico da condição dos trabalhadores na indústria. Originalmente destinado ao público alemão, foi publicado pela primeira vez em 1845. A obra foi traduzida para o inglês, em 1885, pela reformista americana Florence Kelley (ou Florence Kelley Wischnewetzky).  Com a autorização de Engels, foi publicada em Nova York (1887) e em Londres (1891).

A edição inglesa ganhou um novo prefácio do autor, em 1892. O resultado foi um impressionante documento sobre a condição de penúria em que viviam os trabalhadores, nas áreas industriais da Inglaterra.  Engels registra, por exemplo, que a mortalidade por doenças, bem como a mortalidade entre os trabalhadores, era mais alta nas cidades industriais do que no campo.

Em cidades como Manchester e Liverpool, a mortalidade por varíola, sarampo, escarlatina e coqueluche era quatro vezes maior do que nas áreas rurais vizinhas, e a mortalidade

Além de por convulsões era dez vezes maior do que no campo.  disso, a taxa de mortalidade geral em Manchester e Liverpool era significativamente mais elevada do que a média nacional. Um exemplo interessante refere-se à evolução das taxas de mortalidade geral na cidade industrial de Carlisle. 

Antes da introdução dos moinhos (1779-1787), 4.408 em 10.000 crianças morriam nos primeiros cinco anos de vida.  Após a introdução dos moinhos, o número aumentou para 4.738. Da mesma forma, antes da introdução dos moinhos, 1.006 em cada 10.000 adultos morriam antes de completar 39 anos. Depois da introdução dos moinhos, a mortalidade passou para 1.261 em cada 10.000.
 
[20] Psicanálise é um campo clínico e de investigação teórica da psique humana independente da Psicologia que tem origem na Medicina, desenvolvido por Sigmund Freud, médico que se formou em 1881, trabalhou no Hospital Geral de Viena e teve contato com o neurologista francês Jean Martin Charcot, que lhe mostrou o uso da hipnose. Sigmund Freud, o pai da psicanálise.

Freud, médico neurologista austríaco, propôs este método para a compreensão e análise do homem, compreendido enquanto sujeito do inconsciente, abrangendo três áreas: um método de investigação do psiquismo e seu funcionamento; um sistema teórico sobre a vivência e o comportamento humano; um método de tratamento caracterizado pela aplicação da técnica da Associação Livre.

De acordo com Sigmund Freud, psicanálise é o nome de (1) um procedimento para a investigação de processos mentais que são  quase inacessíveis por qualquer outro modo, (2) um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos, e (3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumulou numa "nova" disciplina  científica. [7] A essa definição elaborada pelo próprio Freud pode ser acrescentada um tratamento possível da psicose e perversão, considerando o desenvolvimento dessa técnica do pseudônimo.
 
[21] A livre associação foi um método utilizado por Freud, em substituição à hipnose, que consistia em deitar o paciente no divã e encorajá-lo a dizer o que viesse à sua mente, sendo também este convidado a relatar seus sonhos. Freud analisava todo o material que aparecesse, e buscava entendê-los e encontrar os desejos, temores, conflitos, pensamentos e lembranças que pudessem se encontrar, que estivessem além do conhecimento consciente do paciente.
A associação livre tem seus fundamentos teóricos, assim como toda uma técnica. Há formas específicas de aplicação e também objetivos.  É a técnica primordial da psicanálise utilizada em diversos contextos. Um deles é a aplicação de testes projetivos, como o teste de Rorschach e o teste de apercepção temática (TAT).
 
 

 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 27/05/2019
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