A busca de seguros parâmetros estáveis e duradouros pela filosofia do Direito sempre encontra dramáticos óbices que são aparentemente indisponíveis dentro do ordenamento jurídico.
 
O processo normativo apresentar uma fragilidade peculiar os tempos de transição da modernidade para a contemporaneidade. Progressivamente as respostas dadas aos paradoxos perfazem uma nova dinâmica que trouxe a proeminência dos princípios sobre o direito positivo.
 
Afirmou em certa ocasião Leon Trotsky que “todo Estado mantém-se pela violência” é certo que o revolucionário russo de 1917 percebeu que ao longo da história da humanidade, institucionalizamos a violência e buscamos fundamentos filosóficos apenas para justificá-la.
 
Infelizmente somos obrigados a concluir que os pressupostos fundamentais do Direito não seja a conciliação e a harmonia de interesses, mas sim, a força e a sujeição que são legitimadas pelas convenções e regras jurídicas que autorizam a coerção[1].
 
A luta do Direito timbrada pelo humanismo procura valorar a sobrevivência dos princípios em relação às normas. O Direito está além da prescrição e nem se resume na norma em sua dimensão coercitiva.
 
Não basta apenas cumpri-la para garantir seu cumprimento e a convivência pacífica, há um suntuoso aparato de instrumentos dotados de força suficiente e com poderes capazes de viabilizar o pacto social.
 
Kelsen ressaltou em sua Teoria Pura do Direito que a concepção do Direito como ordem coativa da conduta humana se subsume num entendimento de ordem racionalista.
 
O Direito contém normas que se encontram graduadas em escalões dentro de uma pirâmide hierárquica. Desta forma, uma norma depende da outra e, assim, a norma fundante é a que dá origem e fundada e, esta, por sua vez, passa a ser fundante relativamente à norma inferior e, assim, sucessivamente.
 
A questão da liberdade do indivíduo é tão cara ao Estado Liberal nos remete logo ao problema a sujeição. Ser livre, segundo Hobbes[2], é ser sujeito à lei, não ao outro indivíduo.
 
Afinal, vaticinou Ihering que (...) “ninguém existe para si só, nem tampouco por si só: cada um existe para os outros e pelos outros, intencionalmente ou não por assim o corpo reflete o calor que recebeu de fora, assim também, o homem espalha em torno de si o fluído intelectual, ou moral que aspirou na atmosfera da civilização da sociedade”.
 
Na ambiência social construída pelo homem onde produzirá os efeitos e, desta recebendo, simultaneamente, os estímulos, há, portanto, uma progressiva construção e, para se concretizar as realizações para serem livremente executadas, exigirão de seu autor, sempre um certo grau de sujeição.
 
A relação humana não se deixa contingenciar pela irrevogabilidade do elemento definitivo. Existem elementos duradouros, mas nunca eternos. É sob o pálio da temporariedade que o homem constrói o próprio conceito de perenidade dos valores que o servem e que transcendem o espaço imediato da norma positiva, sem se esquecer de respeitar o. neminem laedere[3].
 
A filosofia do Direito para compreender o fenômeno jurídico enfocou diversos pontos, a saber: a justiça, a relação jurídica, a lide e, por fim, a dignidade da pessoa. Tudo no intuito de dominar a violência estatal, mantendo-a sob vigilância, dentro do rígido círculo da legalidade.
 
A ciência jurídica vivencia uma crise paradigmática por conta da não recepção pelo Direito do paradigma pós-moderno do Estado Democrático de Direito.
 
E, nesse sentido, a crise do Direito Processual (abarcando tanto o processo penal como o processo civil) que continuam atrelados ao paradigma inquisitorial e racionalista.

De modo quando no neoconstitucionalismo que esquadrinha um Estado que prima pela garantia de direitos fundamentais-sociais, os legados da modernidade não se harmonizam com este novo modelo estatal, de Direito e de processo.
 
O Direito precisa atender com eficiência às necessidades da sociedade complexa e de risco, a qual pertence. O Direito precisa disciplinar a presente modernidade líquida conforme a dicção de Zygmunt Bauman[4].
 
Lembremos que o Direito Processual desde da época medieval fora marcado pela inquisitoriedade, uma herança indelével da Santa Inquisição, de onde se tinha a persecução penal, caracteriza-se pela busca verdade, de maneira que esta é imposta antecipadamente. O que infelizmente delegou alguns aspectos presentes no processo penal moderno.

A inquisitoriedade como paradigma moderno racionalista reverencia a verdade como imutável e eterna, não afetada pelo transcurso do tempo e nem mesmo pelas mudanças sociais e históricas.
 
É indubitável o poder operativo do Direito e, temos que reconhecer que sem coerção não há como valer a norma. Ontologicamente, a supressão da vontade humana, uma vez declarada, revela-se com as mesmas características da violência que desconhece a alteridade do ser-em-si.
 
Segundo Hegel, a superação desse impasse tende para o plano de ser-para-o-outro. Remonta ao pensamento de Locke ao seu conceito de Direito Natural o reconhecimento do crucial dilema existente entre os direitos e deveres confrontados na dinâmica da vida normatizada.
 
Afinal, a vida revela tanto na necessidade de governo, mediante a proteção de direitos naturais do homem, quanto pela sua justificação, através da transferência contratual à autoridade civil do direito natural de punir.
 
De fato, o equilíbrio entre os dois extremos, de um lado o conceito do alterum non laedere e, de outro lado, a ideia do jus puniendi concentrado no monopólio estatal responde por toda a unidade do ordenamento jurídico cultivado no Ocidente.
 
No ordenamento jurídico brasileiro essa questão vem disciplinada pelo artigo 5º, inciso V da CF/1988 no texto constitucional in verbis: “É assegurado o direito de resposta[5], proporcional ao agravo por dano material, moral ou à imagem”.
 
O dano em sua acepção ontológica não ocupa o mesmo espaço na ordem jurídica. Dentro do pragmatismo positivista, enxergava-se o bem imediato, bem como o seu valor conversível a cotação subjetiva do sujeito.
 
Enfim, se é árdua a tarefa de mensurar adequadamente o dano moral e seus efeitos danosos sobre a reserva de direitos conferidos ao cidadão, calcula-se o quão difícil é dimensionar o dano moral ou extrapatrimonial que se agrega ao patrimônio jurídico.
 
O maior erro cometido pelo juspositivismo ortodoxo é justamente voltar as costas para a aura incandescente de princípios e valores que voltam a reaquecer o interesse científico de filósofos e juristas.
 
Enfim, todas as controvérsias subsumem-se, portanto, à valorização dos termos “Política e Direito”. Depende todo o processo da relação de equilíbrio ente a capacidade interativa da sociedade e o poder que esta própria outorga ao Estado para disciplinar toda a complexa trama de ações e reações movidas pelo pensamento e, principalmente pela dinâmica social.
 
Foram os gregos, os primeiros pensadores que se devotaram à ideação desses valores, formulando sistemas filosóficos que remontam a Heródoto, Tucídides[6], Platão e Aristóteles.
 
Enquanto que os romanos, fundamentalistas do Direito criaram as legalidades privativas da ordem jurídica mais ampla que se conheceu no Ocidente.
 
Os romanos, no fundo, não se preocupavam com o revestimento teórico ou doutrinário que tais institutos poderiam oferecer. Os romanos eram especialmente atentos ao pragmatismo da relação jurídica, por si e para consigo e nos legaram importantes postulados de extraordinária serventia e que se reflete hoje em todo o patrimônio civilista do qual somos humildes legatários.
 
Os romanos ergueram todo esse arcabouço de forma concreta que municiou todo o positivismo[7] jurídico ocidental, do ponto de credenciar a proteção legal através do Estado, através de operacionalização de instituições.
 
Mas, as noções e valores não se esgotam na esterilidade da norma positiva. De sorte que metaforicamente a lei assume o papel da esfinge, em sua proposição cruel: - Decifra-me, ou te devoro!
 
Cumpre observar que a norma jurídica em sua habitual selvageria e apetite insaciável costuma devorar apenas os excluídos, os sem-teto e os sem-direito.
 
Francesco Carnelutti em sua obra intitulada “A Arte do Direito” nos trouxe o conceito mais aprofundado do próprio Direito que nutre íntima relação com o Estado, o que corrobora plenamente a enunciação de Trotsky: “O Direito é a armação do Estado”.
 
Carnelutti ainda acrescentou que os filólogos ainda não descobriram propriamente sobre o vínculo existente entre ius e iungere[8], no entanto, o doutrinador italiano acreditava que tais palavras possuíam a mesma raiz etimológica. O ius une os homens como o iugum une os bois tal como a armação que une os tijolos.
 
O instrumento material que une as criaturas civilizadas é justamente a comunicação sendo inadmissível que todas as concepções restassem presas aos conceitos e princípios exarados por nossos antepassados.
 
O Direito e o Estado interagem-se e se sujeitam às mesmas normas que são simbióticas. Frise-se, porém, que só se realizam devido ao processo interativo que emana da emissão de vontades, de ideias, da livre manifestação do produto da inteligência humana[9].
 
O homem não é propriamente um conjunto previsível e ajustado para atuar na cena história e social conforme os limites de um software de potencial definido e de funções programadas.
 
O zoom politilkón[10] de Aristóteles opera na cadeia de realização cultural sob o signo da improvisação e da criatividade. Mas reconhecemos que a dinâmica do Direito seguirá seu curso independentemente de outras questões de ordem axiológica ou social.
 
Jean-Louis Bergel apontou para a noção de Direito sugerida por François Gény[11]: de um lado, o elemento dado oriundo das realidades de fato ou dos princípios essenciais à ordem geral do mundo que comporta certa permanência e contingentes, que tiram seu valor e eficácia da vontade humana e constituem os meios necessários para dar efeito às direções gerais fornecidas pelos fundamentos da sociedade.
 
São fatores de natureza social, econômica, étnico e cultural que atuam e modelam a configuração dessas condições, criando em seu conteúdo interior o confronto de interesses concorrentes ou antagônicos.
 
Não se pode confiar e concentrar o processo de formação do ordenamento jurídico exclusivamente nas mãos do legislador como se fosse o único artífice do fenômeno jurídico e, não o intérprete, ou se quiserem, o porta-voz do grupo social para o qual está legislando em dado momento.
 
Compete, por sua vez, ao Estado velar pela integridade desse ordenamento, com a sustentação das estruturas fundamentais da sociedade e, naturalmente as instituições de modo bem particular. Nesse ponto, se concentra a principal questão do processo jurídico dentro de uma visão monista do Direito.
 
No fundo, a referida unidade só se perfaz por força dos princípios que em sua função reveladora e ordenadora que se manifesta mais visível em momentos revolucionários quando se vislumbra uma nova noção de Direito e, não nos poucos e precários preceitos escritos nos quais se assenta a vida jurídico-política do país.

O Estado moderno acolheu a subjetivação do Direito devida a Hugo Grócio[12] que sedimentou a ideia da liberdade do agente perante uma ordem jurídica configurada nos limites do Direito natural[13].
 
Foi em Paideia onde os gregos situavam o problema da individualidade no alto de seu desenvolvimento filosófico onde se iniciou a história da personalidade europeia.
 
Evidentemente, com fundamento do processo de conhecimento da Antiguidade Clássica conforme notou Werner Jaeger nas primeiras páginas de sua Paideia, há a situação do problema da individualidade no auge, mas, não se dá o arquétipo individualista e competitivo.
A natureza ética tem ganhado progressiva relevância, aliás, Ítalo Sciuto realizou o estudo especializado para a Universidade de Verona, onde sintetizou a feição ético-política numa longa citação do próprio Étienne Gilson[14], que vale reproduzir in litteris:
 
          “Em seu famoso estudo Dante e a Filosofia, Étienne Gilson encara o tema como sendo de absoluto relevo no pensamento dantesco, sobretudo, pela sua inquestionável originalidade no contrato de filosofia medieval, a ponto de manter o permanente interesse da crítica, de modo a assumir o caráter de tema central (...)”.
“Dante desenvolve uma longa analogia entre os céus e as ciências, a ciência moral, mostra-se superior a metafísica, logo abaixo da ciência teológica. E constitui que a ciência moral detém um primado arquitetônico idêntico ao que Aristóteles atribui nos fundamentos da Ética à Nicômaco[15]”.
 
Foram os romanos que enxergaram a dinâmica dos fatos e a fonte produtora do Direito e, sintetizaram no brocardo: Ex facto oritur jus. Afinal, nas sociedades primitivas a ideia de um Direito ideal superior, confundia-se com os desígnios dos deuses.
 
Enfim, milênios depois, a humanidade voltou a reconhecer que a natureza tinha razão e a ordem jurídica baseada nos princípios há de resgatar o humanismo perdido neste derradeiro século do mundo ocidental.
 
A dimensão das críticas ao Direito que promovem a contestação de noções rígidas e irrefletidas do juspositivismo[16], tais como: a autossuficiência do direito positivo, a identificação sem mais de jus e lex, a subsunção silogístico-axiomática do fato à norma por um formalismo lógico-mecânico, o caráter apolítico e neutro da lei e da hermenêutica, a separação absoluta entre o Direito e a Moral[17], a pureza científica dogmatista, a negação da lógica dos juízos de valor no raciocínio jurídico, a completude hermética e objetiva do ordenamento legislado.
 
Conclui-se que a crise do Direito é dupla pois vem sendo desconstituindo e ainda não se instituiu outro em substituição. Tem-se que transcender o rompimento do juspositivismo e, enfim, alcançar a sua superação.  As teorias críticas do Direito devem apresentar novas premissas para um novo Direito.
 
Da mesma maneira que na Literatura, nas Artes, na Filosofia e, também no Direito, e na reflexão em seu torno, a contemporaneidade se caracteriza por singular pulverização em diferentes correntes, escolas e estilos, o que torna difícil e árdua a tarefa de captar o sentido ou tonus geral.
 
É verdade que alguns sistemas não constituem substancialmente nada de novo de per si, porque os sistemas convivem, em recíproca causação ou até natural vizinhança, o que denota sempre uma realidade inconfundível. 
 
Se o século XIX granjeou-se em torno do triunfo da codificação, ocorrendo a apoteoso do positivismo legalista, é certo que, a partir dos meados do século XX, principalmente após o fim da Segunda Grande Guerra mundial, deu-se o escândalo prático resultante do esquecimento da dimensão não puramente voluntarista e decisionista do Direito.
 
Depois da crise mental vivenciada a partir dos anos sessenta do século XX, cujas ideias ou protagonistas os anos setenta e seguintes, direta ou indiretamente, elevariam a uma grande proximidade do poder, e com as desilusões ideológicas[18] que os anos oitenta anunciaram e os anos noventa viriam a consumar, procurou-se por várias formas reconstituir de algum modo de uma fé nova. E, tais esforços trariam consequências ou ramificações também no plano jurídico.
 
Aos operadores do Direito não cabem somente invocar a lei, mas também debater a doutrina, refletir sobre a jurisprudência e, invocar o princípio fundamental da equidade que é a matriz de todos os demais.
 
Quando o Direito deixar de ser mero sistema imperativo-atributivo custodiado pela sanção, para se transformar em consciência coletiva, materializando a espontaneidade do dever de todos, teremos, enfim, assumido a posição de herdeiros legítimos do verdadeiro legado da Justiça.
 
Referências:
CRISPIN, Luiz Augusto. O direito contemporâneo e a era dos princípios. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/137168954/4406-7643-1-PB  Acesso em 20.6.2018.
DEL VECCHIO, Giorgio. Filosofia del Derecho. 19.ed. Buenos Aires: Bosch, 1980.
PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
QUEIRÓZ, Daniela Costa. A crise do Juspositivismo.  Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/lumiar/article/view/2437/2845 Acesso em 27.6.2018.
HART, Herbert Lionel Adolphus., O conceito de direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1961.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional 2ª. Edição. Coimbra: Coimbra, 1987.
GUERREIRO FILHO, Evaldo José. Ensaio sobre as correntes doutrinárias da Constituição: Da concepção jusnaturalista à concepção pós-positivista. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8182  Acesso em 26.6.2018.
FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Entendendo a Filosofia do Direito As Correntes da Filosofia do Direito: O positivismo jurídico. Disponível: http://genjuridico.com.br/2017/10/16/entendendo-filosofia-do-direito-as-correntes-da-filosofia-do-direito-14-o-positivismo-juridico/ Acesso em 28.6.2018.
________________. Limites do direito diante da autonomia moral do indivíduo. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/07/10/limites-do-direito/
Acesso em 28.6.2018.
 
[1] A concepção pós-positivista é proveniente de intensa atividade doutrinária da Constituição no século XX, notadamente em sua segunda metade, após as duas grandes guerras mundiais que assolaram a humanidade. Tal concepção superestima a relevância das Constituições, criando um contraponto à lógica formalista e avalorativa do positivismo jurídico.
E, o constitucionalismo contemporâneo apresenta a Constituição como um sistema aberto de normas jurídicas, constituídas por regras e princípios, come eficácia plena e com a capacidade de contribuir para transformação da realidade, buscando condições de vida digna para todas as pessoas, respeitando não apenas o regramento foral por ela própria instituído, em relação à sua própria mudança e à produção normativa do Direito, mas também, resguardando um conteúdo proveniente dos principais valores sociais aceitos em determinado momento histórico, delineando no mínimo, a forma de Estado, o sistema de governo, a organização do poder e os direitos fundamentais.
[2] Diante da necessidade de a sociedade estabelecer contratos e de obedecê-los, eis que o contrato é uma transferência mútua de direitos. O contrato social tem dois desdobramentos: um pacto de associação, pelo qual vários indivíduos reúnem-se para viver em sociedade; e um pacto de submissão, que instaura o poder político e ao qual o indivíduo promete obedecer.
[3] Diversos doutrinadores apontam, ainda hoje, ao neminem laedere como fundamento da responsabilidade denominada de extrajudicial ou delitual.
A vedação aos delitos advém do princípio geral de "a ninguém lesar", ou como princípio geral da incolumidade das esferas jurídicas. Cogitam os doutrinadores, enfim que a responsabilidade extracontratual é decorrente da violação direta da lei e alguns chegam a apontar até inadimplemento normativo.
Relevante lição de Pontes de Miranda sobre a ideia de "a ninguém lesar", o neminem laedere é princípio formal e depende de determinação concreta do que é meu e do que é teu. Em outras palavras, o que faz a distribuição do que é de cada um (suum cuique tribuere) concretamente, são precisamente os fatos jurídicos. A partir dessa concreção efetuada pelos fatos jurídicos, não há mais porque aludir à norma ou à lei, pois alude-se àquilo que é, concretamente, de cada um.
[4] Bauman recentemente falecido é considerado um dos grandes pensadores do século XXI. Seu conceito de que vivemos uma era líquida, sem solidez e constantemente em mutação influencia o Direito, que, a princípio, se baseia em normas e precedentes rígidos.
E lidar com isso é um dos desafios da Justiça, segundo o historiador Leandro Karnal: "O mundo líquido é onde eu diluo a autoridade, onde as realidades são rápidas. Vivemos mudanças permanentes e as mudanças não dependem da minha consciência, da minha vontade ou não vontade e só tenho duas opções; ou me transformo rapidamente junto ou eu paro e a transformação passa por mim".
[5] A partir do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, o STF determinou que a totalidade da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) manifestava-se ser incompatível com a ordem normativa a partir da Constituição Federal brasileira de 1988.
Por não haver disciplina legislativa a respeito, tem-se recebido ações pleiteando tutela jurisdicional de resposta sob o argumento de que o texto jornalístico fora ofensivo, determinando-se, a partir disso, a publicação de um texto de resposta.
A pergunta é: qual seria a resposta para uma ofensa? A produção, em resposta, de outra ofensa!? Daí porque pensamos que, para essas causas de pedir, a tutela jurisdicional buscada é a indenização, limitando-se o direito de resposta a corrigir, objetivamente, fatos publicados de forma errônea ou imprecisos. Portanto, juízo de valor, opinião, não são, em nosso ver, causas de pedir aptas a sustentar ação de direito de resposta.
[6] Heródoto e Tucídides apesar de muitos diferentes, muito se interessaram pela História. E, tinham um aspecto em comum, que é a atitude crítica com relação ao registro de acontecimentos, ou seja, o desenvolvimento de métodos críticos que nos permitem distinguir entre fatos e fantasias.
Heródoto faz uso da crítica a partir da análise dos fatos, os compara, buscando uma verdade histórica. Para ele era preciso buscar a verdade, mas também era fundamental preservar a tradição. No entanto, houve historiadores que o criticaram, inclusive Tucídides e muitos de seus sucessores.
Eles criticaram a leviandade de Heródoto e denunciaram suas mentiras. Tucídides foi o principal culpado dessa rejeição do método teórico herodoteano pelo fato de trazer uma forma inovada para os estudos históricos. De modo geral, Tucídides permanecia como modelo de historiador verídico. Tucídides salvou a História de tornar-se prisioneira dos cada vez mais influentes retóricos que se preocupavam mais com as palavras do que com a verdade.”
[7] Criticando os princípios de neutralidade e imparcialidade do juiz, o Ministro Luís Roberto Barroso explana: "(...) não será possível libertá-lo do próprio inconsciente, de seus registros mais primitivos. Não há como idealizar um intérprete sem memória e sem desejos.
Em sentido pleno, não há neutralidade possível (...) é claro que há uma infindável quantidade de casos decididos pelo Judiciário que não mobilizam o juiz em nenhum sentido que não o de burocraticamente cumprir seu dever. Outros tantos casos, porém, envolvem a escolha de valores e alternativas possíveis.
E aí mesmo quando não atue em nome de interesses de classes ou estamentais, ainda quando não milite em favor do próprio interesse, o intérprete estará promovendo suas próprias crenças, a sua visão de mundo, o seu senso de justiça. (In: QUEIRÓZ, Daniela Costa. A crise do Juspositivismo.  Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/lumiar/article/view/2437/2845 Acesso em 27.6.2018).
[8] Em favor da tese alega-se a etimologia da palavra ius, derivada do mesmo radical que iugum e iungere, termos que exprimem um vínculo estabelecido pela vontade humana e estranho à dos deuses.
Pela outra tese, entende-se que, de começo, havia apenas regras religiosas proibidoras, cujo conjunto formava o que os deuses proibiam aos homens de praticar e que se chamava de nefas. Em contraposição ao proibido, o quanto os deuses permitissem aos homens praticar chamava-se de fas.
[9] O positivismo alberga a preocupação com a democracia, de que o juiz se atenha à lei, para não extrapolar suas funções e invadir a esfera do legislador.
O jusnaturalismo teme a justo título que esse juiz positivista pratique injustiças no caso concreto, sob pretexto de aplicar a lei. Defende o juiz que, confrontado com “leis nazistas”, preferiria obedecer a uma moral humana. Mas Hoerster adverte contra o juiz que, confrontado com leis democráticas, como aquelas da República de Weimar, prefira obedecer a uma moral nazista. FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Entendendo a Filosofia do Direito As Correntes da Filosofia do Direito: O positivismo jurídico. Disponível: http://genjuridico.com.br/2017/10/16/entendendo-filosofia-do-direito-as-correntes-da-filosofia-do-direito-14-o-positivismo-juridico/ Acesso em 28.6.2018.
[10] Para Aristóteles afirmava que o homem normal é um zoon politilkón, ou seja, um animal político, um ser que vive para a cidade, para a sociedade Quem vivia isolado, ou era uma besta (totalmente animal) ou um deus (totalmente racional).
Aristóteles estava preocupado com a natureza do ser humano e suas relações sociopolíticas, acreditava que o indivíduo só pode ser plenamente realizado na sociedade, que tem a necessidade de viver com outras pessoas (civilidade).  Ele também expressou que aqueles que são incapazes de viver em sociedade ou que não precisam disso por sua própria natureza, são porque são bestas ou deuses.
[11] François Gény (1861-1959) foi jurista francês, célebre por sua crítica ao método de interpretação baseado na exegese de textos legais e regulamentares e, que mostrou a força criativa do costume e propôs a fazer um grande movimento à livre pesquisa científica de métodos de interpretação. Em Ciência e Técnica em Direito Privado Positivo, publicado entre 1914 e 1924, Gény procura descobrir a exata fonte de onde brotam os princípios e as regras, ou seja, o direito em si, e a atingir pelas vozes combinadas do conhecimento e da ação. Segundo ele, a ciência se serve de todos os procedimentos do conhecimento e se aplica ao dado. Sociologia, economia, linguística, filosofia e teologia figuraram entre as fontes da livre investigação científica.
[12] Hugo Grócio, Hugo Grotius, Huig Groot ou Hugo Groot (1583-1645) foi jurista a serviço da República dos Países Baixos. Considerado o fundador juntamente com o Francisco de Vitória e Alberico Gentili, do Direito Internacional, baseando-se no Direito natural. Foi igualmente filósofo, dramaturgo, poeta e, um grande nome da apologética cristã.
Para Grócio as leis morais deviam se aplicar tanto ao indivíduo quanto ao Estado.
Embora fosse conservador em suas opiniões, suas ideias sobre guerra, conquista e a lei da natureza continuaram a ser bem consideradas e expandidas por filósofos mais liberais como John Locke em seus Two Treatises on Civil Government (1689). Locke concorda com Grócio ao usar o artifício analítico de um estado da natureza existente antes do governo civil e ao declarar que o poder e a força não criam direito e ainda que guerras justas têm por finalidade preservar direitos.
[13] Em resumo, os jurisconsultos modernos tomaram aos estoicos a ideia que faziam do direito natural. Para estes, o direito natural é um direito comum a todos os homens e pode ser conhecido pelas luzes da reta razão, pois está inscrito no princípio da sociabilidade. 
Segundo Grotius: “o direito natural nos é ditado pela razão que nos leva a conhecer que uma ação, dependendo se é ou não conforme à natureza racional, é afetada por deformidade moral ou por necessidade moral e que, em decorrência, Deus, o autor da natureza, a proíbe ou a ordena”.5 As máximas do direito natural são desse modo as obrigações, os preceitos e as regras de moral que a reta razão deduz da “natureza racional e sociável” do homem.
[14] Étienne Gilson (1884-1978) foi filósofo, historiador da filosofia e um dos mais proeminentes autores da filosofia neoescolástica, também foi especialista no estudo da obra de Santo Tomás de Aquino.
Pesquisador de filosofia medieval, ele primeiro se especializou no pensamento de Descartes, também elaborava alguns pensamentos na linha da tradição de Santo Tomás de Aquino, no entanto, ele não se considerava um filosofo neoescolástico ou neotomista. Em 1946, foi considerado um imortal da Académie Française. Foi nomeado para o prêmio Nobel de Literatura.
[15] A Ética a Nicômaco ou Ética a Nicómaco é a principal obra de Aristóteles sobre Ética. E, nesta se expõe sua concepção teleológica e eudaimonista de racionalidade prática, sua concepção de virtude como mediania e suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência. Em Aristóteles, toda racionalidade prática é teleológica, quer dizer, orientada para um fim (ou um bem, como está no texto).
À Ética cabe determinar a finalidade suprema (o summum bonum), que preside e justifica todas as demais, e qual a maneira de alcançá-la. Essa finalidade suprema é a felicidade (eudaimonia), que não consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas honras, mas numa vida virtuosa.
A virtude, por sua vez, se encontra no justo meio entre os extremos, e será encontrada por aquele dotado de prudência (phronesis) e educado pelo hábito no seu exercício.
Vale destacar aqui que a ideia de virtude, na Grécia Antiga, não é idêntica ao conceito atual, muito influenciado pelo cristianismo. Virtude tinha o sentido da excelência de cada ação, ou seja, de fazer bem feito, na justa medida, cada pequeno ato (além disso os valores da altura e local em que ele escreveu tal obra eram bem diferentes dos leitores atuais; a palavra bem ou mal por exemplo apresenta significados totalmente opostos).
[16] O ciclo pretendido pelo positivismo é composto de três elementos, os quais sejam a onipotência do legislador segurança jurídica, a imparcialidade do juiz e a pureza hermenêutica, sendo que estes, conjuntamente, devem apresentar-se de modo a fechar o ciclo, proporcionando ao juiz, no momento da aplicação da lei ao caso concreta, a clara vontade legislativa.
[17] No âmbito jusfilosófico, verificamos que o jusnaturalismo ou as teorias moralistas do direito, assim chamadas por alguns doutrinadores justamente porque defendem a conexão conceitual entre direito e moral. Para essas correntes, o direito teria seu fundamento na moral, em especial no conceito de justiça, auferindo dela a sua validade e advindo daí também a obrigatoriedade da sua observância. 
Alexy assevera que tanto as normas jurídicas individuais quanto os sistemas jurídicos como um todo formulam necessariamente uma pretensão à correção; nessa correção, que é propriamente moral, é que se perceberia a convergência e conexão dos dois campos.
É preciso frisar que os jusnaturalistas não negam a existência do direito positivo e nem a obrigatoriedade de sua observância, mas acreditam que este se fundamenta num direito superior, divino, natural ou racional, de acordo com diversas correntes doutrinárias.
O busilis aparece quando se considera existir um conflito na solução do litígio, entre o direito positivo e o direito natural. Pois, atualmente a maioria dos doutrinadores, aponta a perspectiva de Radbruch, segundo a qual a lei positiva somente perde a validade quando ultrapassar certo limiar de injustiça, ou seja, quando se mostra extremamente injusta, perdendo então, a natureza de regra jurídica, ou, conforme afirma Alexy, se abdica da pretensão à correção.
 
[18] O positivismo puro e rígido do legalismo napoleônico e mesmo depois o germânico desenvolveu-se sob o império da lei e sob a suficiência da prática negadora de filosofias do direito natural, e o que restou deste em pruridos teóricos acabou por se converter às mil e uma correntes sociologistas e afins.
Apesar de se cogitar em superação do positivismo, o problema foi realmente colocado num outro plano, que se pressupõe superior ou mesmo mais avançado.  Na verdade, os grandes problemas filosóficos e, este é um problema filosófico-jurídico de primeira importância, são de todos os tempos, e constituem, frequentemente, autênticas aporias.
A aporia é o caminho inexpugnável, sem saída, dificuldade, pode ser definida como um impasse, paradoxo, dúvida, incerteza ou momento de contradição que impedem que o sentido de um texto ou de uma proposição seja determinado.
O estudo das aporias chama-se aporética. Segundo a mitologia grega, a Aporia, também é conhecida por Amecania era a daemon que personificava a impotência, a dificuldade, o desamparo e a falta de meios, sendo, portanto, odiada e marginalizada por todos os homens.
Era companheira de Penia (pobreza) e Ptoqueia (medicidade), suas daemones opostas eram: Oporia (a fartura), Tique (fortuna) e Eutenia (prosperidade). Aristóteles definiu a aporia como uma igualdade de conclusões contraditórias. Segundo a filosofia de Zenão de Eleia, por exemplo, podemos falar de aporias nos juízos sobre a impossibilidade do movimento. mais tarde, designaram-se alguns diálogos platônicos, como aporéticos, isto é, inconclusivos.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 03/06/2019
Reeditado em 03/06/2019
Código do texto: T6664249
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.