Resumo: O texto pretendeu situar historicamente e constitucionalmente o estado de sítio, estado de defesa e estado de guerra. Elucidando não só o ritual procedimental, mas esmiuçando as causas autorizativas que são taxativas. Também abordou a atual crise sanitária produzida pela pandemia de Covid-19 que impôs medidas restritivas e, até lockdown e que não se confundem com o estado de sítio nem o estado de defesa.
 
Palavras-Chave: Estado de Exceção. Estado de Sítio. Estado de Defesa. Pandemia de Covid-19. Medidas restritivas. Medidas Sanitárias.
 
Introdução
 
 Os estados de exceção e concentração de poderes eram conhecidos dos hebreus, cartagineses, gauleses e gregos. Havendo o precedente do Direito Romano com a ditadura consular e o iustititum (suspensão do Direito) proclamado quando o Senado editava um senatus consultum ultimum, em situação de emergência, em Roma, provocada por guerra externa, insurreição ou guerra civil ou tumultus.
Em 1714, no Reino Unido, o Riot Act[1] incriminava a participação em tumultos com desobediência às ordens de dissolução por parte de autoridades e eram isentas de responsabilidade as autoridades encarregadas de restabelecer a ordem.
Já em 1791, em França, decreto de Assembleia Constituinte previu a possibilidade de suspensão temporária e localizada de determinados direitos em circunstâncias de crise grave. Porém, a previsão em sede constitucional ocorreu com a Constituição Francesa de 1799, que estabelecia a possibilidade de suspensão da Constituição, por meio de lei, em caso de revolta armada ou de agitações que ameaçasse a segurança do Estado e Com a Carta de 1814, onde aliás, apareceu pela primeira vez a expressão "estado de sítio".
Já  em nosso país, excetuando todas as vezes em que se anulou o próprio Estado de Direito, houver várias decretações formais de estado de exceção, tais como a de 25.9.1893 (quando foi decretado estado de sítio em quatro Estados e no Distrito Federal), em 1914 (Hermes da Fonseca, que solicitou o estado de sítio para o Rio de Janeiro), em 1967, mas nenhuma desde 1988.
Progressivamente, a causa do estado de sítio (dos estados de exceção em geral) ultrapassou e descolou-se das situações de guerra e conflitos armados, para abranger inclusive as crises econômicas.
O estado de sítio, o estado de emergência e o estado de calamidade pública[2] são espécies do gênero estado de exceção que de acordo com doutrina é conceituado como medida extraordinária e excepcional à legalidade, sendo autorizado pelo ordenamento constitucional mediante as situações emergenciais.
Todavia, sua utilização, segundo as Constituições modernas, pelo poder constituído tem demonstrado funcionar propriamente mais como regra do que exceção.
O estado de sítio é instrumento que pode ser utilizado pelo Presidente da República em casos de: comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia da medida tomada durante o estado de defesa; declaração de estado de guerra, ou ainda, resposta à agressão armada estrangeira.
A decretação do estado de sítio é solicitada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, ouvidos o Conselho da República[3] e o Conselho de Defesa Nacional[4]. Vide artigos 137 a 139 da Constituição Federal de 1988.
Com a pandemia de COVID-19 ou coronavírus deu-se a decretação do estado de calamidade pública por parte do Governo Federal. Desde de 18 de março de 2020, foi aprovada a lei pela Câmara dos Deputados. Não é inédito o estado de calamidade pública.
Anteriormente, em 2016, em junho no Rio de Janeiro foi feito o decreto pelas dificuldades de realizar os Jogos Olímpicos.  O mesmo já ocorreu no Rio Grande do Sul que em novembro daquele mesmo ano tomou a medida para conter o déficit nas contas públicas estaduais. Tais decretos permitem que secretários e dirigentes da Administração Pública estadual adotem medidas excepcionais necessárias à racionalização de todos os serviços públicos.
O estado de calamidade pública[5] é uma situação anormal, em que a capacidade de ação do Poder Público municipal ou estadual fica seriamente comprometida. Essa situação é fruto de um desastre e não importa se causado pela natureza ou por outros motivos econômicos, sociais e, etc. E, nessas situações, o Governo Federal deve intervir para auxiliar o ente a superar a referida situação.
O estado de calamidade pública é decretado por governantes em situações reconhecidamente anormais, decorrentes de desastres (naturais ou provocados) e que causam danos graves à comunidade, inclusive ameaçando a vida dessa população. É preciso haver pelo menos dois entre três tipos de danos para se caracterizar a calamidade: danos humanos, materiais ou ambientais.
Agora, quem exatamente pode decretar esse estado? No Brasil, essa é uma prerrogativa reservada para as esferas estadual e municipal. Ou seja, governadores e prefeitos podem decretar uma calamidade pública.
Mas e o presidente, por que não tem esse instrumento à disposição? É porque na esfera federal, podem ser decretados apenas os chamados estados de exceção. São dois tipos: o estado de defesa e o estado de sítio – que é o mais grave.
Além do estado de calamidade pública, é comum ouvirmos que algum município brasileiro decretou estado de emergência. De fato, esse é outro estado de exceção que pode ser decretado por governadores e prefeitos – e o nome usado na lei é situação de emergência.
Mas, qual seria a diferença entre emergência e calamidade? Segundo a lei, trata-se de uma questão de intensidade, pois a calamidade pública é decretada apenas nos casos mais graves, quando a capacidade do poder público agir resta seriamente comprometida.
Ou seja, o estado ou município não conseguem resolver o problema por conta própria e precisam da ajuda do governo federal. É o estado que requer mais atenção e cuidado.
Já, a situação de emergência refere-se a danos menores, que comprometem parcialmente a capacidade de resposta do poder público, ou seja, menos graves que aqueles de uma calamidade pública. Nessa situação, eles também dependem de ajuda do Governo Federal, mas em um grau menor. Evidentemente, não é fácil definir essa diferença de intensidade, e isso acaba dependendo da visão do governante a respeito de cada caso.
A Câmara Legislativa (CLDF) aprovou, em sessão extraordinária remota nesta terça (15.12.2020), a prorrogação do estado de calamidade pública no Distrito Federal até 30 de junho de 2021. O pedido foi feito pelo governador Ibaneis Rocha ao poder legislativo em decorrência da pandemia do novo coronavírus no DF.
O texto prolonga os efeitos do Decreto Legislativo nº 2.284, de 2020, que reconhecia o estado de calamidade pública[6] até o próximo dia 31. Com isso, o Executivo fica desobrigado de cumprir metas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), podendo orientar recursos e investimentos para o combate à pandemia, além de poder solicitar recursos a nível federal, como o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil.
Em níveis orçamentários, a pasta cita que o poder público já totaliza “uma perda de R$ 784 milhões nos impostos que decorrem da atividade econômica”. Entram na contabilidade do Executivo o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Além dos dois entram na lista de motivos para as perdas as influências externas como “o aumento significativo dos índices de INPC e IPCA”, e o “decréscimo de 4,4% na projeção do Produto Interno Bruto nacional 2020”, que farão com que o DF sinta “o efeito da queda nos recursos referentes a repasses constitucionais obrigatórios”.
Estado de sítio é o instrumento utilizado pelo Chefe de Estado em que se suspende temporariamente os direitos e as garantias dos cidadãos e os Poderes Legislativo e Judiciário ficam submetidos ao Executivo, tendo em vista a defesa da ordem pública.
No Brasil, para decretar o Estado de Sítio, o chefe de Estado, após o respaldo do Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional que oferecerão parecer não vinculativo - solicita uma autorização do Congresso Nacional para efetivar o decreto.
A práxis cotidiana do estado de exceção, em face de fatos históricos serve para assinalar o como se deu o estado de exceção no país desde a Primeira República até os presentes dias.
Logo após a Proclamação da República, o enfermo Marechal Deodoro da Fonseca, em 1889, vivíamos sob o prenúncio da instauração de novo regime político, pois deixaríamos de ser autocrático para se tornar democrático. Porém, o regime era orquestrado por uma elite econômica rural e, com o apoio de grande parte da oficialidade do Exército e, sem a participação do povo.
E, assim, se institui o governo provisório com os objetivos de consolidar o novo regime e institucionalizá-lo com a aprovação de uma Constituição e criar as formas administrativas do Estado que se faziam necessárias.
Em 1891 quando, finalmente, a Constituição republicana fora promulgada, trazendo já os modernos direitos fundamentais e, logo em seguida, os institutos jurídicos de exceção. Já se observava que a tendência de estado de sítio era introduzida nos ordenamentos jurídicos espanhol e francês.
O texto constitucional já conferia à competência ao Congresso Nacional para sua declaração, exceto na hipótese de as câmaras não estarem reunidas e na iminência de perigo à pátria (quando poderia ser exercido pelo Executivo federal).
O estado de sítio prevê sua aplicação somente em casos de agressão estrangeira ou ameaça interna ou insurreição por tempo determinado.
As medidas de exceção[7] consentidas impunham restrições às liberdades e garantais individuais tal como na tradição europeia. O estado de sítio, portanto, não previa a restrição à liberdade de imprensa ou à inviolabilidade de domicílio, como na França, mas sim, apenas a aplicação pelo Executivo de medidas repressivas de detenção e desterros de pessoas.
Tais medidas extraordinárias de restrição à liberdade não poderiam ser confundidas com penas, pois a sua legitimidade cessava naturalmente com a restauração das garantias. Porém, como regra, os governos da Primeira República brasileira enfrentaram as contestações sociais por meio exatamente do estado de sítio, o que denotou abuso no manejo do instituto.
A pesquisa no Senado brasileiro aponta que na República Velha (1889-1930) governou-se por 2.365 dias em estado de sítio.
Cômputo total de dias de estado de sítio, na república brasileira, a saber:  no governo de Floriano Peixoto houve o estado de sítio que vigorou por 295 dias, no de Prudente de Morais, por 104 dias; no de Rodrigues Alves por 121 dias; no Hermes da Fonseca por 268 dias, no de Wenceslau Braz por 71 dias, no de Epitácio Pessoa por 132 dias, no de Washington Luís por 87 dias e no de Arthur Bernardes por 1.287 dias e, governou em estado de normalidade por apenas menos de dois meses, dentro de duração de governo de quatro anos.
O estado de sítio num panorama histórico-jurídico se apresenta como forma de regulamentação constitucional de estado de exceção. Para alguns doutrinadores, o estado de exceção vem se transformando em paradigma permanente no governo do Estado moderno.
E, reconstruindo a origem dos institutos normativos que regulamentam a exceção constitucionalmente, para inserir o debate no contexto de cada tradição constitucional vigente.
A Constituição brasileira de 1891 representa o momento inaugural do estado de sítio, decretando o começo da regulação do estado de exceção em nosso país.
A Constituição Imperial, por sua vez, apesar de abrir provisões emergenciais, não delimitou de forma precisa os procedimentos[8], conforme o fez a primeira Constituição republicana com o estado de sítio, de forma que esta pode ser considerada do ponto de partida da regulamentação constitucional da exceção.
Observando a jurisprudência do STF e a prática normativa do estado de sítio no período entre 1891 a 1930, delimitando-se pela promulgação da primeira Constituição republicana e o fim pela ascensão do governo provisório de Getúlio Vargas, com a Revolução de 1930, que revogou a Constituição de 1891 por meio da criação da Constituição de 1934, que inaugurou nova etapa histórica, com reverberação jurídica-constitucional.
Como é sabido, repriso, o estado de sítio corresponde a uma das espécies de regulamentação de estado de exceção, igualmente considerado como forma de ditadura constitucional.
Enfim, a função do estado de exceção é permitir meios excepcionais para se afastarem determinados perigos sérios à ordem pública, segurança ou existência do Estado que não possam ser afastados pelos trâmites normais previstos pela Constituição.
Portanto, o estado de sítio é uma forma pela qual uma Constituição regulamenta o exercício de poderes excepcionais em meio a uma emergência para proteger o Estado, a ordem ou a segurança pública.
A forma do estado de sítio difere de outras formas de exceção, posto que possa ser declarada explicitação pelo Legislativo, ou outro dos poderes do governo e, principalmente pretende a suspensão temporária de certas garantias ou direitos fundamentais especificamente estabelecidos.
A expressão "estado de sítio" advém da literal tradução do instituto francês etat de siége[9], criado por decreto na Assembleia Nacional em 1791, para situações de ameaça militar, mas que logo se expandiu ao longo do tempo para fora do contexto bélico, para ser usado como medida extraordinária  de polícia diante as desordens internas, transformando-se, de efetivo ou militar em fictício ou político.
Surgiu no Brasil, pela primeira vez, através da Constituição da República de 1891 e, onde se estabeleceu claro regramento de competência. Incialmente, era privativo do Congresso Nacional. Porém, previa-se a excepcional hipótese de ser decretado o estado de sítio pelo Poder Executivo, apenas quando na ausência do Congresso Nacional, relatar e motivas as medidas de exceção tomadas pelo Executivo. As autoridades que ordenavam tais medidas podiam ser devidamente responsabilizadas por abusos cometidos nessas medidas.
A situação que ensejava o sítio era a emergente agressão por forças estrangeiras ou de comoção interna, assim ficava a cargo do órgão declarante, ou seja, o Congresso Nacional ou, subsidiariamente o Executivo.
No entanto, a interpretação da expressão "comoção interna" é vaga. E, tal brecha semântica está alinhada com o fito de regulamentar a exceção. Sendo muito difícil prever com exatidão, qual tipo de emergência seria capaz de desafiar os meios constitucionalmente previstos para a defesa da própria Constituição.
Deste modo, a agressão estrangeira e comoção interna se configuram com situações fáticas capazes de ensejar o efeito da declaração do estado de sítio, com seus respectivos efeitos jurídicos.
São os efeitos da declaração de estado de sítio segundo a Constituição brasileira de 1891, a saber: Competência do Congresso Nacional para determinar a suspensão de quaisquer garantias por tempo determinado, a competência excepcional do Executivo para impor detenção em lugar não destinado aos réus de crimes comuns e, para impor desterro a outros sítios do território nacional.
A Emenda Constituição nº3 de 1926 adicionou mais um efeito, pela inclusão de um parágrafo ao artigo 60 da Constituição brasileira de 1891, qual seja, a proibição colocada ao Judiciário de conhecer de ações motivadas pelos atos praticados pelo Legislativo e Executivo em face do estado de sítio.
As demais constituições brasileiras mantiveram alguma regulamentação sob a forma e o nomen de estado de sítio, exceto a Constituição brasileira de 1937, que previa os institutos do estado de emergência e do estado de guerra, diferenciados do de sítio ,sobretudo, pela competência exclusiva do Presidente da República, independente de autorização do Legislativo e, não podendo o Congresso suspender o estado de emergência.
Nas Constituições de 1934 e a de 1946, a previsão de regulamentação do estado de sítio manteve-se muito parecida com àquela da primeira Constituição republicana.
Convém adendar que o STF jamais chegou a decidir a respeito do estado de emergência sob a égide da Constituição brasileira de 1937. E, este texto constitucional previa a impossibilidade aos juízes e tribunais de conhecerem de atos praticados em virtude do estado de emergência enquanto este estivesse em vigor (artigo 170, Constituição de 1937).
Provavelmente, houve apenas um ano entre o fim da emergência e a nova Constituição, nenhuma demanda envolvendo o dispositivo da emergência chegou ao STF.
Deste viés, ao longo das Constituições que disciplinavam o estado de sítio, coube ao Supremo Tribunal dirimir questões jurídicas que envolviam o estado de sítio.
Nota-se que a primeira Constituição republicana brasileira teve efeitos significativos na tradição constitucional, dentro da temática do estado de sítio, o que afetou sensivelmente as Constituições seguintes.
Em 1892, a regulamentação do estado de sítio fora colocada em debate pela primeira vez. Na época, o Executivo estava sob o comando do então vice-presidente Marechal Floriano Peixoto, o famoso Marechal de Ferro, que havia declarado o Distrito Federal em estado de sítio, através do Decreto 791, de 10 de abril de 1892, como uma resposta à Revolta Armada[10], rebelião causada por motins militares da Marinha que tomaram os navios de guerra e, ainda, exigiam a saída de Floriano Peixoto da presidência, com a consequente convocação de novas eleições (vez que Hermes da Fonseca havia renunciado ao cargo de Presidente, e então, Floriano assumiu como vice, sem convocar novas eleições).
A controvérsia havia sido agravada pelo Manifesto dos Treze Generais[11], documento assinado por oficiais militares de diversas partes do país, que contestavam a continuidade de Floriano na Presidência, entendo que cabiam novas eleições, haja visto o art.  42 da Constituição de 1891, o qual estabelece: “Se no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição”.
Restou configurada a situação de comoção interna já prevista no bojo do texto constitucional vigente da época. E, assim, o Marechal Floriano editou o decreto, in litteris:
Declara em estado de sitio o Distrito Federal e suspende as garantias por 72 horas.
O Vice-Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, considerando: que foi commettido o crime de sedição, sahindo cidadãos a depor o Chefe do Governo  Federal; que intentou-se revoltar contra as instituições nacionaes a força armada mantida para a defesa e garantia dessas mesmas instituições; que entre os autores e promotores da sedição se acham membros do Congresso Nacional,  que gosam de immunidades por lei prescriptas; que o crime commettido produziu grave commoção intestina (art. 48 n. 15 e art. 80 § 1º da Constituição Federal); que é principal dever do Poder Executivo assegurar a ordem e a manutenção das  instituições nacionaes; Resolve, usando das attribuições conferidas pelos citados artigos,
Decretar:
    Artigo unico. É declarado em estado do [sic] sitio o Districto Federal e suspensas as garantias constitucionaes, por 72 horas. O Ministro de Estado dos Negocios do Interior o faça executar.
Assim, com tal declaração de sítio, Floriano Peixoto determinou a detenção e desterro de várias pessoas, tidas como envolvidas na Revolta e mantendo os detidos presos em fortalezas.
Na ocasião, o advogado Ruy Barbosa[12] assumiu a defesa de vários entre os afetados pelas medidas, ingressando com várias petições de Habeas Corpus perante o STF, tendo os detidos como pacientes.
Convém destacar os HC números 300, 406, 410 e 415 quando Ruy Barbosa questionou juridicamente as medidas tomadas pelo Executivo, provocando o Judiciário a decidir a respeito da interpretação das normas constitucionais vigentes que disciplinavam o estado de sítio.
Sobre a mesma matéria, a Suprema Corte se manifestou no HC 1073, colocado por outros impetrantes, mas também em defesa de pacientes que estavam envolvidos no HC 1063.
Com o trâmite dos processos, Ruy Barbosa veio a patrocinar ações civis em favor dos reformados e demitidos pelo governo e contra o Decreto de 12 de abril de 1892, editado em meio ao estado de sítio e reconhecido como retaliação governamental contra quem julgava serem os envolvidos na Revolta[13].
O primeiro Habeas Corpus, de nº 300, foi julgado em 30 de abril de 1892. No acórdão, o relator toma posição sobre uma série de questões que se colocavam à interpretação pelo tribunal. De início, deve notar-se que, nesse acórdão, o Supremo Tribunal Federal decidiu qual era a natureza das medidas que podiam ser tomadas pelo Presidente durante o estado de sítio (detenção em local distinto dos réus de crimes comuns e desterro):
   “Considerando que durante o estado de sítio é autorizado o Presidente da República a impor, como medida de repressão, a detenção em lugar não destinado aos réus de crimes comuns e o desterro para outros sítios do território nacional;
     Considerando que estas medidas não revestem o caráter de pena, que o Presidente da República em caso  algum poderá impor, visto não lhe ter sido conferida a atribuição de julgar, mas são medidas de segurança, de  natureza transitória, enquanto os acusados não são submetidos aos seus juízes naturais nos termos do art. 72, § 15º  da Constituição”.
Desta forma, enquadrou-se a detenção prevista no estado de sítio como medida de segurança, uma vez que a imposição de pena requeria formalidades e garantias legais que não eram concedidas na situação de estado de sítio.
O que deu azo a maior polêmica na jurisprudência do STF seria a chamada Doutrina da Questão Política. Pois, interpretava as faculdades conferidas ao Presidente da República durante do estado de sítio, e o relator do acórdão considerou-as como sendo discricionárias do Presidente da República que se torna responsável nesta declaração e também pelos eventuais abusos cometidos durante o estado de sítio.
Quanto à discricionariedade, é fato que jamais se questionou constitucionalmente o instituto e, foi necessário, certo grau de discricionariedade à atribuição de qualquer funcionário público, em face do que este atue sempre dentro do quadro normativo, criando e aplicando normas.
No entanto, o STF decidiu que essa discricionariedade implicava que as questões surgidas do uso das faculdades do Executivo no estado de sítio não podiam ser resolvidas pelo Judiciário, posto que dependiam sempre de um juízo político prévio.
Desta forma, o HC 300 considerava a avaliação das medidas de sítio do Executivo pelo Congresso Nacional, como juízo político que impedia um juízo jurídico[14].
Tendo em mira que o exercício de tal extraordinária faculdade, a Constituição confiou ao critério e prudente discrição do Presidente da República, sendo responsável por ela, pelas medidas de exceção que tomar, e, principalmente, pelos abusos que foram cometidos.
Em tempo, previa o artigo 80, parágrafo terceiro combinado com o artigo 43, parágrafo 21º da Constituição da época, ao Congresso compete privativamente aprovar ou reprovar o estado de sítio declarado pelo Presidente da República, bem como realizar o exame das medidas excepcionais, que ele houver tomado, as quais  para esse fim lhe serão relatadas com especificação dos motivos em que se fundam;
Considerando, portanto, que, antes do juízo político do Congresso, não pode o Poder Judicial apreciar o uso que fez o Presidente da República daquela atribuição constitucional, e que, também, não é da índole do Supremo Tribunal Federal envolver-se nas funções políticas do Poder Executivo ou Legislativo;
Considerando que, ainda quando na situação criada pelo estado de sítio, estejam ou possam estar  envolvidos alguns direitos individuais, esta circunstância não habilita o Poder Judicial a intervir para nulificar as  medidas de segurança decretadas pelo Presidente da República, visto ser impossível isolar esses direitos da  questão política, que os envolve e compreende, salvo se unicamente tratar-se de punir os abusos dos agentes  subalternos na execução das mesmas medidas, porque a esses agentes não se estende a necessidade do voto  político do Congresso.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal buscava excluir as decisões jurídicas sobre o estado de sítio de sua competência, por tratar-se de uma suposta questão política. Tal jurisprudência encontraria um forte contraponto na arguição que Ruy Barbosa faria nas ações civis dos reformados e demitidos pelos decretos de 7 e 12 de abril de 1892.
Sobre o ponto, Ruy Barbosa deixa claro que a previsão de um juízo político não impede que ocorra também um juízo jurídico-constitucional. Explicando a questão política, o autor apresenta duas acepções para a expressão “questão política”: uma acepção ampla, que acabaria abrangendo toda a soberania constitucional, e uma acepção restrita, em que a questão política o é “pela natureza do assunto, pela forma que a controvérsia assumir, pelos  termos em que a resolverem”.
Muito brevemente, questões políticas no sentido estrito, esclarece Barbosa, é a que versa sobre a conveniência ou oportunidade de exercitar os poderes que a constituição confere a um determinado cargo.
Entretanto, quando a questão é se o ato praticado pelo detentor de um cargo público estava dentro das competências e faculdades que a lei prescreve ao cargo, a questão será jurídica, pois não diz respeito a conveniência ou oportunidade (onde a autoridade tem seu poder  discricionário), mas diz respeito justamente à ausência de um tal poder discricionário à autoridade.
Percebe-se que surge a fundamentação do Habeas Corpus 300 pela “Doutrina da Questão Política”, na medida em que exige o juízo político do Congresso como condição para realizar juízos jurídicos sobre a competência e alcance constitucional de medidas do Executivo, apresenta grave falha. Confunde os dois tipos de juízo, pois o Congresso não pode aprovar o uso feito pelo Presidente de uma determinada competência, se o Presidente não a tem.
Não se trata de uma mesma avaliação, que caiba ao Judiciário ou ao Legislativo, mas de duas avaliações distintas. O juízo político coloca a pergunta: O Presidente usou de maneira oportuna e conveniente os poderes de sítio a ele conferidos? O juízo jurídico (constitucional, no caso) coloca a pergunta: “As medidas que o Presidente ordenou estão incluídas nos poderes de sítio a ele conferidos”?
O juízo jurídico, portanto, é técnico, dependendo da interpretação adequada do texto constitucional. Essa interpretação jurídica demanda um saber técnico, que só é adquirido às custas do estudo dedicado do Direito.
Deste modo, diferem fundamentalmente os juízos político e jurídico. O juízo político pode ser exercido por qualquer representante, independente do conhecimento deste acerca do Direito, porque é um juízo de conveniência. O juízo jurídico, diferentemente, só pode ser exercido por um juiz competente, que tenha o conhecimento do Direito para poder delimitar, por meio da interpretação constitucional, o quadro normativo das medidas permitidas, de maneira clara e fundamentada.
Assim, inaugurou-se nesse acórdão do HC 300 uma restrição indevida do acesso ao tribunal, por meio da afirmação dessa doutrina  da questão política, que acabou por impedir o pleno exercício da jurisdição constitucional sobre os abusos  cometidos no estado de sítio, ao submeter o exercício desta a uma decisão do Congresso que não era jurídica, mas  sim política. Na prática, a jurisprudência do STF deixava o direito individual dos cidadãos na dependência de uma decisão de conveniência do Congresso, que nada tinha de técnico-jurídica.
Desta forma, inaugurou-se nesse acórdão do HC 300 uma restrição indevida do acesso ao tribunal, por meio da afirmação dessa doutrina  da questão política, que acabou por impedir o pleno exercício da jurisdição constitucional sobre os abusos  cometidos no estado de sítio, ao submeter o exercício desta a uma decisão do Congresso que não era jurídica, mas  sim política.
Na prática, a jurisprudência do STF deixava o direito individual dos cidadãos na dependência de uma decisão de conveniência do Congresso, que nada tinha de técnico-jurídica.
A outra questão que se distingue no acórdão do HC300 é acerca da duração das medidas tomadas durante o estado de sítio. O tribunal decidiu que as medidas tomadas na duração do estado de sítio não devem cessar automaticamente com o fim do estado de sítio, mas que se prolongam além desta cessação, pelo menos até o acusado ser submetido ao tribunal competente.
A questão voltaria a ser confrontada na jurisprudência futura do tribunal, visto que tal interpretação tem dificuldades muito mais profundas de fundamentação.
Em primeiro lugar, há um problema de coerência entre dois pontos da decisão: por um lado, o STF reconhece que a detenção determinada pelo Presidente da República  não tem o caráter de uma pena criminal, enquanto por outro lado, implica que essa medida, sem caráter penal, se  torne uma prisão preventiva, como se o detido necessariamente devesse tornar-se réu de ação penal (o que o  tribunal dá a entender ao usar o termo “acusado” para referir-se ao paciente).
Se soma a isso a doutrina da questão política, impedindo o Habeas Corpus ao STF, o que resulta na interpretação da medida de detenção no sítio em  um sentido tal que cria um instituto jurídico em que o detido tem sua liberdade de locomoção restrita, mas sem que isto implique o caráter de pena, aguardando um julgamento, sendo que foi detido não por um crime  propriamente dito, mas por decisão discricionária do Presidente da República, e que depende de uma decisão  política do Congresso para poder ser julgado e ter acesso a garantia fundamental do Habeas Corpus.
 
Desenvolvimento
 
E, essa situação já com a ordem constitucional restaurada à normalidade, vez que cessada a situação que levou a repressão. Tal interpretação deixou o direito individual fundamental do detido no sítio totalmente dependente de juízos políticos.
Ou seja, se o Presidente da República julgasse conveniente, mandava deter (o que implica, por conseguinte, em uma acusação criminal, a julgar pela terminologia adotada pelo STF) e, se o Congresso não se  manifestasse, continuaria detido indefinidamente, ainda que sem pena alguma, até o Congresso decidir a  conveniência dos atos do Presidente durante o sítio.
Ponto de fundamentação mais breve, mas que veio a causar grande efeito nas discussões seguintes do STF sobre estado de sítio, dizia respeito à duração das medidas tomadas dentro do estado de sítio.
No acórdão do HC 300, o voto vencedor afirmava que as medidas tomadas no estado de sítio não se encerravam automaticamente com a cessação do estado de sítio. Tal decisão carrega em si uma fundamentação simples, mas que acabou se tornando a solução para uma controvérsia complexa. A duração das medidas tomadas no estado de exceção não era explicitamente colocada na Constituição de 1891.
Deste modo, confrontados com detenções, determinadas no decreto que declarava o sítio, que ainda perduravam após o fim da situação de sítio, os ministros do STF tiveram que dar resposta a seguinte  pergunta: a detenção deve cessar imediatamente com o fim do estado de sítio ou a detenção pode se prolongar,  mesmo depois de restaurada a normalidade constitucional?
A resposta de tal pergunta, obviamente, é central à decisão do caso, uma vez que, no caso de a detenção cessar junto com o estado de sítio, a detenção perderia seus fundamentos e deveriam ser soltos os detidos.
Entretanto, o STF decidiu que as medidas tomadas no estado de sítio se prolongam além da cessação do estado de sítio, até os detidos serem submetidos aos tribunais competentes. Aqui, novamente, a detenção aparece como preventiva, sem revestir o caráter de penalidade, mas atrelada a um possível processo criminal.
Ao que tudo indica, portanto, o sentido da detenção no estado de sítio  que está presente nesse acórdão é a ideia de que a detenção configura uma medida política e discricionária do Presidente da República, decretada em um estado de sítio, pelo qual o detido é privado da liberdade de locomoção  sem as garantias do devido processo legal, para ser futuramente submetido a um processo criminal e decidida,  apenas ao fim deste, a transformação da detenção em pena ou o livramento do detido.
Para chegar ao livramento,  portanto, é necessário que ocorram todos os seguintes fatos: (1) o fim da comoção intestina e a cessação do  estado de sítio, (2) o juízo político do Congresso, antes do qual o Judiciário não poderia decidir e (3) a  apresentação do detido a um tribunal competente.
Os tribunais competentes para a decisão sobre a detenção não são explicitados na Constituição, nem tampouco nesse acórdão. Entretanto, o Habeas Corpus 415, ao decidir questões de competência e de indivisibilidade de juízo, deixa entrever que as regras de competência seriam as da legislação penal vigente, sendo a detenção tratada como uma medida temporária anterior à uma decisão de caráter verdadeiramente penal. O único voto divergente na decisão do HC 300 foi o voto do ministro Piza e Almeida.
Ele interpretou o regimento interno do STF, no seu art. 65, § 3º: “O tribunal se declarará incompetente para conceder a ordem [...]  se a coação proceder de autoridade militar, no exercício privativo de suas atribuições contra outro militar ou  cidadão sujeito no regímen militar (Dec. n. 848 de 11 de outubro de 1890, art. 47), ou se tratar-se de medida de  repressão autorizada pelo art. 80 da Constituição de 1891, enquanto perdurar o estado de sítio”.
E, Piza e Almeida interpreta, a contrario sensu, que se o regimento determina que o tribunal é incompetente enquanto perdurar o estado de sítio, isso implica que, uma vez cessado o sítio, ele seria competente para conceder a ordem.
Além desse fundamento, baseado em uma interpretação textual, divergiu no sentido de conceder a ordem baseando em um fundamento histórico. Uma vez que não havia lei regulamentando o art. 80 da Constituição brasileira de 1891, voltou-se à tradição sob a Constituição anterior para buscar antecedentes que guiassem a interpretação. O ministro Piza e Almeida referiu ao art. 179, XXXV da Constituição Imperial de 1824, que previa:
Nos casos de rebelião, ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdade (sic) individual, poder-se-á fazer por acto especial do Poder Legislativo.
Não se achando, porém, a esse tempo reunida a Assembleia, e correndo a Pátria  perigo iminente, poderá o Governo exercer esta mesma providencia, como medida provisória indispensável,  suspendendo-a imediatamente que cesse a necessidade urgente, que a motivou; devendo num, e outro caso  remeter à Assembleia, logo que reunida for, uma relação motivada das prisões, e d'outras medidas de prevenção  tomadas; e quaisquer Autoridades, que tiverem mandado proceder a elas, serão responsáveis pelos abusos, que  tiverem praticado a esse respeito.
Colocando esse dispositivo como antecessor, na tradição constitucional brasileira, do art. 80 da Constituição da República de 1891, Piza e Almeida fundamentou seu voto em uma ampla base de legislação  imperial que aplicava o dispositivo do art. 179, XXXV, para demonstrar que, sob a Constituição Imperial, a  detenção sem processo só era mantida durante a situação de rebelião ou invasão. Nas palavras do próprio, sobre as Leis e decretos imperiais:
As leis e decretos citados, dando ao preceito constitucional sua verdadeira inteligência, terminantemente declaram que a faculdade, que tem o Governo, para mandar prender e conservar em prisão um cidadão sem ser  sujeito a processo, é somente durante o tempo da suspensão de garantias, que deve necessariamente ser fixo e  determinado.
Entendendo que “não se pode admitir que a Constituição Republicana seja interpretada e  executada de modo menos liberal, e menos garantidor dos direitos e liberdades individuais, do que o foi a do império pelas leis e decretos citados” interpretou o art. 80 da Constituição de 1891  como impedindo a manutenção da detenção no estado de sítio. A conclusão desse voto divergente, portanto, foi a seguinte:
Durante o estado de sítio tem o Governo a faculdade de efetuar as prisões que a segurança do Estado exigir. Mas se levantado o estado de sítio, os cidadãos continuam presos ou desterrados, sem serem sujeitos a processo, havendo assim para eles uma suspensão de garantias por tempo indeterminado, contra a expressa disposição do art. 80 da Constituição, a lei os provê de remédio para resguardarem-se de semelhante violência, e  esse remédio é o habeas corpus.
Em 1893, o STF voltou a julgar Habeas Corpus de detidos em estado de sítio, mas desta vez com uma discussão razoavelmente diferente ao fundo. Uma vez colocado o entendimento do HC 300 de que as medidas não revestem caráter penal, mas que a detenção se estende após cessado o sítio até submeter o detido ao foro  criminal competente, o tribunal foi chamado a decidir sobre detidos que alegavam não se enquadrarem na  competência criminal da justiça militar.
Foram três Habeas Corpus, impetrados por Ruy Barbosa em favor de diferentes pacientes, todos capturados a bordo do navio “Júpiter”, embarcação de guerra rebelada contra o governo no episódio da Revolta da Armada.
O primeiro destes a ser julgado foi o HC 406. Apresentados os pacientes ao STF, que eram em número de 48 no caso, concederam por maioria a soltura com um único argumento como fundamentação. O argumento dizia respeito à incompetência do Foro Militar para julgá-los diante dos fatos que eram imputados:
Vistos, expostos e discutidos os presentes autos de habeas corpus, em que são pacientes David Ben Obill[15] e outros, resolve o Supremo Tribunal Federal conceder a referida ordem de soltura em favor dos detidos, visto ser  ilegal a conservação da prisão em que se acham, desde que se verifica pelos autos e pelas informações prestadas,  que os fatos que lhes são imputados, não constituem crimes que os sujeitem ao foro militar.
Os votos divergentes também são igualmente sucintos e pouco argumentados. O ministro Bento Lisboa, cujo voto divergente se resume a uma frase, decidiu pela manutenção dos pacientes na prisão, visto que estes  teriam cometido crimes inafiançáveis e sido detidos em flagrante delito, mas que deveriam ser conduzidos a um  juízo competente, não militar, para serem processados por tais delitos.
A outra divergência, do ministro Sobral,  indica uma pequena ampliação nos fundamentos dessa postura, referindo ao fato do STF não reconhecer como  vigorantes certos Códigos Penais da Marinha, promulgados em 1890 e 1891, e referindo a legalidade da prisão  dos pacientes como sendo fundada no art. 1º, §§ 2º e 5º da Lei 631 de 1851 e art. 60, letra I, da Constituição de  1891.
Diante da ausência de estruturas argumentativas mais elaboradas, essas referências à legislação, pelo ministro Sobral, são a única coisa que permite entrever o debate enfrentado pelo STF quando dessa decisão. O art.  60, letra I, da Constituição de 1891 fazia referência à competência dos Tribunais Federais para julgar crimes políticos.
Com isso, entrevê-se que o que pretendia Sobral era a readequação da competência em relação aos pacientes, devendo-se retirá-la da Justiça Militar e passando à Justiça Federal, por se tratarem de crimes políticos[16].
No entanto, as normas da Lei 631/1851 diziam respeito aos crimes de deserção, espionagem, sedução de militares para desertarem ou se levantarem contra o governo e atacar sentinelas.
Mais especificamente, previam ritos distintos de processamento: quando estes crimes eram cometidos por militares, seriam processados nos termos daquela lei e de acordo com o Direito Penal Militar, ao passo que quando cometidos por paisanos, seriam processados nos termos da lei civil.
O que se conclui da leitura sistemática da legislação citada e da breve argumentação é que o voto do Ministro Sobral considerava a Lei 631/1850 como norma válida para o processamento dos  militares envolvidos, mas, que o cometimento dos mesmos crimes por civis configurava crime político, sendo  julgado pela Justiça Federal, a partir da Constituição Republicana.
Assim, reproduz-se nessa decisão a lógica do HC 300 de que a detenção no estado de sítio é pré-penal, quer dizer, é prévia a um processo penal, mas sem o caráter de pena. Mais ainda, a decisão da maioria é de que, no caso de não serem levados os detidos ao foro competente, a detenção torna-se ilegal e cessa após o Estado de Sítio cessar.
De outro lado, também se observa o reconhecimento do aspecto de crime político aos fatos delituosos cometidos por civis e que resultem na detenção excepcional.
No Habeas Corpus 410, julgado pelo STF na semana seguinte ao julgamento do HC 406, tratou-se de  um imediato do navio Júpiter, que fora detido e mantido incomunicável, e que por isso foi defendido em Habeas  Corpus em separado, após o julgamento dos demais, mas que estava inserido, no tocante aos fatos e a  características subjetivas, no mesmo grupo do Habeas anterior.
Mesmo assim, a corte não se limitou a estender ao imediato a decisão do HC 300, mas o fez com uma fundamentação aumentada, mas ainda consideravelmente breve, para conceder a soltura. Sobre essa fundamentação, é importante destacar o seguinte trecho:
Que incumbe aos Tribunais de Justiça verificar a validade das normas que têm de aplicar aos casos ocorrentes e negar efeitos jurídicos àquelas que forem incompatíveis com a Constituição, por ser esta a lei suprema e fundamental do país;
Que este dever não só decorre da índole e natureza do Poder Judiciário, cuja missão cifra-se em declarar  o direito vigente, aplicável aos casos ocorrentes regularmente sujeitos à sua decisão, se não também é reconhecido  no art. 60, letra “a”, da Constituição que inclui na competência da Justiça Federal o processo e julgamento das  causas em que alguma das partes fundar a ação ou a defesa em disposição Constitucional (BRASIL, STF, HC 410,  p.2);
Nesse trecho, o STF reconhece a existência do controle difuso de constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro. Tal questão, referente ao controle de constitucionalidade no Brasil, sob a Constituição de 1891, voltaria a ser detalhadamente discutida em outro momento, nas ações dos reformados pelos atos do Marechal Floriano Peixoto no contexto da Revolta da Armada, que foi proposta por Ruy Barbosa[17].
Mas já nesse Habeas Corpus, o STF reconhecia tal mecanismo e colocava-o nas bases de sua decisão. É uma das primeiras menções ao controle de constitucionalidade na jurisprudência nacional. Que tenha ocorrido em uma decisão sobre o Estado de Sítio pode representar um indicativo da importância de um controle de constitucionalidade adequado nas situações limite da Constituição, especialmente em relação ao estado de exceção.
Portanto, é, justamente, no ponto em que o quadro da Constituição está em risco de romper-se que o controle de constitucionalidade demonstra sua essencialidade.
Além disso, na decisão no caso, a Corte resolveu um ponto essencial ao controle de constitucionalidade,  que é a distinção entre a não aplicação e a revogação, explicando que a consequência da inconstitucionalidade é a  não aplicação, e que esta não se confunde com a revogação da norma (a qual compete apenas ao legislador, no  sistema de controle de constitucionalidade difuso do Brasil à época).
Outro ponto refere-se às competências na exceção. Logo após a proclamação da República, dentro do contexto do governo ditatorial e provisório, foi concedida ao Ministério da Marinha (órgão do Executivo, portanto) a competência de reformar o Código da Armada. No entanto, o Ministério da Marinha apenas fez uso dessa competência após a Constituição de 1891 entrar em vigor, ou seja, já fora do período de exceção do governo provisório.
O STF entendeu, então, que este uso da competência era inconstitucional, porque a Constituição marcava um retorno à normalidade e que com isso caducava a competência excepcional, pois a Constituição reservara ao Legislativo o poder de legislar.
Constata-se, ora a inconstitucionalidade de uma medida de exceção tomada fora do prazo dado sendo declarada pelo STF, a partir da qual observamos um controle judicial sobre o quadro normativo de exceção, a partir do retorno à normalidade constitucional.
A consequência disso, no caso, foi que a competência para processar o detido seria determinada a partir do Código Penal e da legislação militar do período do Império.
Com isso, a Lei 631/1851, citada pelo Ministro Bento Lisboa no HC 406, foi invocada no HC 410, justamente para comprovar que o crime de sedução à deserção ou ao levante contra o governo era de competência da Justiça comum, quando cometido por civis.
Com isso, ausente a jurisdição militar, a decisão entendia que a prisão militar sendo incompetente o foro militar configurava constrangimento ilegal, suficiente para deferir o Habeas Corpus.
O único voto divergente nesta decisão, do Ministro Ferreira de Resende, negava a soltura alegando que não haviam sido apresentados o paciente nem as informações necessárias, motivo pelo qual se considerava inabilitado para julgar a causa, sem desenvolver quanto ao mérito[18].
O Estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal[19] representam medidas extraordinárias previstas pela Constituição Federal vigente, que objetiva a restabelecer ou garantir a continuidade da normalidade constitucional ameaçada.
Trata-se de instrumentos que são estados de exceção e somente devem ocorrer quando estritamente necessários e por prazo determinado, sob risco de dar vez e voz aos impulsos autoritários e regimes totalitários.
O estado de defesa e de sítio tipificam regimes jurídicos para crise grave, seja decorrente de guerra, golpe de Estado, calamidades que afetam o Estado e as instituições democráticas.
Ao prever uma disciplina jurídica para tais momentos excepcionais, a Constituição institui mecanismos de autopreservação, a fim de evitar, seja a falta de regulação jurídica (que abriria espaço para arbitrária utilização do poder jurídico ou mesmo da força bruta, sem limites jurídicos predefinidos), seja o afastamento ou suspensão indiscriminado e episódico da Constituição ou de importantes normas suas, seja a quebra ou ruptura definitiva da Constituição.
Por prover tratamento diferenciado previsto no bojo da própria Constituição para situações excepcionais, pois assim o texto constitucional consegue atravessar as crises graves sem ser abandonada ou esquecida e, prevê medidas extremas de salvação pública, que é a prova de sua estabilidade. Regula não apenas a normalidade, mas também as exceções.
As expressões utilizadas para a disciplina normativa de situações de crise grave revelam muito de seu sentido estado ou direito de necessidade constitucional, sistema constitucional de crises, direito de crise, legalidade constitucional extraordinária ou excepcional, estado de exceção, estado de salvaguarda, Estado de Direito Democrático excepcional, sistemas de emergência, Constituição de emergência, direito de síncope.
O poder de decretar o estado de exceção é dos mais fortes, a ponto de se ter afirmado que soberano é “aquele que decide sobre o estado de exceção” (Carl Schmitt)[20].
A preocupação autocentrada da Constituição com sua estabilidade tem base na experiência: crises graves serviram e servem de pretexto para o rompimento da ordem constitucional, o abandono da Constituição, a instalação da ditadura e do arbítrio.
É preciso, contudo, saber reconhecer quando uma ordem constitucional legítima está em perigo e requer a decretação de medidas drásticas de salvação, diferentemente de quando uma ordem constitucional não é – ou não é mais – legítima e requer-se a manifestação autêntica do poder constituinte para o estabelecimento de uma nova Constituição.
Nesta hipótese, que também é de quebra (abandono) definitiva da ordem constitucional vigente, a utilização espúria de medidas como o estado de defesa ou de sítio representa um obstáculo reacionário indevido à manifestação legítima do poder constituinte.
Em menor escala, o recurso a estados de exceção não deve servir de pretexto para ameaçar ou tolher o direito de crítica e de oposição, imprescindível a uma democracia, em que as divergências devem ser livres e protegidas. Feita a advertência, supõe-se que a disciplina constitucional das situações de crise grave garanta a vigência de uma ordem constitucional legítima.
Se os estados de defesa e de sítio estão vocacionados a proteger a Constituição de modo geral, têm eles o objetivo de defender diretamente o Estado e as instituições democráticas.
Daí aludir-se ao Estado como titular de um direito de existência, de autopreservação, de soberania.
Contudo, não se  deve confundir a defesa do Estado (preocupação permanente objetivada pela disciplina  das situações constitucionais de crise) com a defesa de determinado Governo  (preocupação política conjuntural, a ser adequadamente resolvida com o  funcionamento normal das instituições), embora seja essa uma distinção muito relativa;  não se sustenta constitucionalmente o emprego do estado de defesa ou de sítio com  base numa espúria “doutrina de segurança nacional”, cara a regimes de força (especialmente de matriz militar). Contudo, todas as pessoas são titulares do direito de preservação da Constituição, do Estado e das instituições democráticas.
Somente a agressão (potencial ou efetiva) à ordem constitucional, e de modo grave, ou seja, com fortíssima intensidade, é que autoriza a decretação dos estados de defesa ou de sítio. Violações pontuais e de gravidade relativa devem encontrar resposta adequada nos mecanismos ordinários de proteção da Constituição, do Estado e das instituições democráticas (controle de constitucionalidade, intervenção, emprego das forças armadas ou dos órgãos de segurança pública etc.).
Há uma nota de subsidiariedade: os estados de exceção somente podem ser sacados quando os meios coercitivos normais não derem conta da situação.
O avanço do Direito Internacional faz com que a regulação jurídica das situações de crise grave ultrapasse as fronteiras dos Estados e de suas Constituições, e tenha em perspectiva a salvaguarda da ordem jurídica internacional.
Nesse sentido, o Pacto  Internacional de Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966), que permite aos Estados partes adotar medidas que suspendam as obrigações decorrentes do Pacto, se  oficialmente proclamadas e na estrita medida em que o exigir uma situação excepcional  que ameace a existência da nação, desde que tais medidas não sejam incompatíveis  com as demais obrigações que sejam impostas aos Estados pelo Direito Internacional e  não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua,  religião ou origem social” (art. 4º, 1).
Observemos  a definição normativa dada pelo texto da Constituição brasileira de 1988 ao estado de defesa, in litteris: “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza” (art. 136, caput)[21].
O estado de sítio cabe, nos termos do art. 137, I e II da Constituição vigente, nos casos de “comoção grave  de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida  tomada durante o estado de defesa” (estado de sítio simples), bem como nos de  “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira” (estado de  sítio qualificado).
As hipóteses previstas no art. 137, I, são de “sítio fictício” ou “sítio atenuado”, pois não há, de fato, “sítio” (no sentido de efeito de cerco, de assédio), mas sim, situação de crise grave equiparada.
Realmente, nenhuma diferença essencial existe entre os estados de defesa e de sítio, tendo em vista que se trata de espécies de mesmo gênero, que diferem, basicamente, quanto à intensidade da crise, pelo que as medidas adotadas no estado de sítio podem ser mais amplas e severas, em verdade, afirma-se que o estado de defesa seriam um "estado de sítio mitigado".
Não existe, necessariamente, subsidiariedade do estado de sítio em relação ao de defesa, ou seja, cada qual atende a seus próprios pressupostos e podem, inclusive, ser decretados simultaneamente, hipótese pouco provável, por exemplo, uma calamidade enorme provocada por chuvas torrenciais, que enseja a decretação de esteado de defesa ao mesmo tempo de uma agressão armada estrangeira, que enseja a decretação de estado de sítio, embora o estado de sítio tenda a absorver o estado de defesa.
A independência entre estes é excetuada em relação ao estado de sítio decretado justamente com base na ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa.  Que pressupõe a decretação anterior de estado de defesa e, pelo menos quanto à causa específica substitui-o caso a situação que gerou o estado d defesa não debelado persista.
É possível, portanto, decretar estado de sítio diretamente, sem prévia decretação de estado de defesa, pois há hipóteses que são exclusivas do estado de sítio (como a guerra). Também é possível convolar o estado de sítio em estado de defesa, quando se verificar que a situação específica é de menor gravidade e extensão.
Mesmo a localização da causa (interior ou exterior) talvez já não seja critério  seguro para distinguir o estado de defesa do de sítio: dizia-se que o estado de defesa  destinava-se a proteger o Estado de crise interna, enquanto o estado de sítio destinava se tanto a proteger o Estado de crise interna não debelada pelo estado de defesa, quanto de crise externa.
Todavia, se é certo que o estado de sítio esteja previsto para os  conflitos bélicos internacionais, também pode ser utilizado para debelar desordens  internas, como visto, e o estado de defesa pode prevenir ou combater instabilidades  institucionais decorrentes de fatores internos ou externos (por exemplo, vicissitudes do  mercado internacional), bem como calamidades naturais ocorridas no Brasil ou no  exterior.
Quanto ao momento, os estados de defesa e de sítio podem ser classificados em preventivos (quando pretendem evitar a crise) ou repressivos (quando pretendem debelar a crise já deflagrada), sempre tendo em conta a restauração da normalidade abalada.
Embora o estado de sítio, mais grave, seja mais provável na modalidade  repressiva, tendo em mira uma crise atual (tanto que a Constituição alude a “preservar ou prontamente restabelecer... a ordem pública ou a paz social ameaçadas” apenas  quando trata do estado de defesa – no art. 136, caput, limitando-se a dizer “nos casos  de.”, quando trata do estado de sítio – art. 137, caput), não está excluída a  possibilidade de decretação preventiva, inclusive porque pode ter a mesma causa do estado de defesa (art. 137, I); em outra hipótese, para ilustrar, a declaração de estado de guerra pode ainda não estar acompanhada de atos efetivos (art. 137, II).
 
Conclusão
 
Cumpre alertar para a taxatividade das causas autorizadoras de decretação de estado de defesa e de sítio, ou pressupostos materiais que devem estar previstas com clareza no texto constitucional e, não podem ser outras, senão apenas aquelas taxativamente enumeradas.
Cumpre que são expressos os termos, apesar de não ser possível uma definição minuciosa de hipóteses cuja configuração fática não é rigorosamente determinável. Uma vez acertado que a causa aconteceu, para o que pesa a interpretação feita pelas autoridades a quem a Constituição atribuiu participação, a saber: o Presidente da República, os Conselhos da República e de Defesa Nacional e o Congresso Nacional, a decretação é cabível.
Se, porém, a causa não se verifica, não apenas os pressupostos materiais, mas igualmente os pressupostos formais (forma de instauração por decreto; procedimento: necessidade oitiva dos Conselhos da República e de Defesa Nacional, aprovação ou autorização do Congresso Nacional, fundamentação do decreto, conteúdo básico do decreto e, etc.
A propósito, tais exigências formais refletem a tendência existente à procedimentalização na formação de principais atos de poder público.
E, a aludida taxatividade não caracteriza somente os pressupostos materiais e formais, informando-se também quanto as restrições aos direitos, sendo cabíveis somente aquelas expressamente previstas no texto constitucional vigente.
Cumpre, por derradeiro, que tanto os estados de defesa e de sítio, que são por sua essência, limitados no tempo, porque carregam em seu bojo o sentido avesso ou contrário à normalidade constitucional (esta sim, vocacionada à longevidade).
A propósito, o prazo máximo de duração do estado de defesa é de trinta dias, sendo possível apenas uma única prorrogação, por igual período, o que totaliza sessenta dias. A fixação da duração é elemento imprescindível do decreto, sem o qual, este se revela inválido. A duração não fica, ao inteiro alvedrio do Presidente da República, pois precisa fundamentar-se na exata duração das razões que tanto justificaram a decretação.
No caso do prazo previsto se escoar sem que o motivo desapareça, é necessária a prorrogação, se findo o prazo desta, persistir o mesmo motivo, não se poderá decretar novamente, nem prorrogar, o estado de defesa, ainda que o prazo total das medidas anteriores não tenha ultrapassado os sessenta dias.
Tecnicamente, a rigor, não se trata de prorrogação propriamente dita e, sim, de nova decretação o que requer a edição de novo decreto, que deverá atender às exigências do primeiro, inclusive com prévia oitiva dos Conselhos da República e da Defesa Nacional.
A cessação do estado de defesa pode ocorrer pelo término do prazo estipulado, pelo desaparecimento do motivo ensejador e ainda pela rejeição do Congresso Nacional. Se o Congresso Nacional houver rejeitado o decreto, não será possível prorrogar o estado de defesa que não mais subsiste, por ter cessado imediatamente (ex nunc) com a rejeição do Congresso.
Há também a pouco provável hipótese de que o Presidente decretar estado de defesa com a duração inferior a dez dias ou quinze, se o Congresso estiver em recesso. E, enquanto o Congresso delibera, o Presidente, cessado aquele prazo, prorrogar a decretação, o que seria sem aprovação, mas também sem rejeição do decreto original, prorrogação que deverá ser apreciada juntamente com este pelo Congresso Nacional.
Já o estado de sítio terá um máximo de trinta dias, no caso de comoção grave de repercussão nacional, ou então, a ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa, hipótese em que, diferentemente do estado de defesa, admitem-se sucessivas prorrogações sem a limitação de número, mas, à semelhança do estado de defesa, admitem-se sucessivas prorrogações sem a limitação de número, mas à semelhança do estado de defesa, nunca por mais de trinta dias, de cada vez, isto é, a prorrogação é limitada no prazo, porém, não em número de vezes e, também à semelhança do estado de defesa, as prorrogações devem ser sempre pautadas pela duração da causa que justificou a decretação.
Já o estado de sítio no caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, não tem duração máxima predefinida no texto constitucional, mas também, nesse caso, o decreto deverá fixar uma duração, pois não se admite a decretação de estado de crise grave por tempo indeterminado.
Portanto, poderá ser prorrogado por tantas vezes que se fizer necessárias. Cada prorrogação corresponde a nova decretação sucessiva e, deverá ciosamente atender às exigências constitucionais.
O penúltimo estado de sítio no Brasil foi feito em 24 de dezembro de 1935, quando foi prorrogado por noventa dias, tendo obtido autorização do Congresso Nacional para equipará-lo, no que fosse necessário e conforme previa a Emenda nº1, ao estado de guerra. A justificativa de Getúlio era de que “não obstante as medidas preventivas e coercitivas empregadas pelas autoridades civis e militares, permitidas pelo estado de sítio, força é confessar ainda não desistiram os extremistas de seu propósito”.
No dia 23 de novembro de 1955, a instauração do estado de sítio foi aprovada pela Câmara dos Deputados por 178 votos contra 91, e no dia seguinte, pelo Senado Federal foi aprovado por 35 votos contra  16. No dia de 25 de novembro de 1955, o Decreto 2.654 instaurou o estado de sítio no Brasil por trinta dias, determinando que fosse ainda nomeado executor para zelar por sua vigência e expedida uma regulamentação a respeito.
No dia 28 de novembro de 1955, General Henrique Teixeira Lott[22] dirigiu nota circular aos comandantes das zonas e regiões militares, informando que as forças armadas estavam “unidas e coesas, isentas de partidarismos e atentas em seus deveres, impedindo que a nação caminhe para a anarquia ou para a ditadura”.
Nessa ocasião, foi nomeado executor do estado de sítio, sem prejuízo de suas funções de comandante da 1ª Região Militar, o general-de-divisão Antônio José de Lima Câmara. Outro estado de sítio que foi prorrogado sucessivamente pelo Decreto nº 38.402, de 23 de dezembro de 1955, pela Lei nº 2.706, de 10 de janeiro de 1956, e pela Lei nº 2.713, de 21 de janeiro de 1956. Em 9 de fevereiro de 1956, já com Juscelino na presidência da república, o estado de sítio foi suspenso, entrando em vigor a medida de suspensão no dia 15 daquele mês.
O estado de guerra foi, finalmente, instaurado pelo Decreto nº 702, de 21 de março de 1936, quando expirava a vigência do estado de sítio. Este conferia ao chefe de Estado poderes extraordinários, só concedidos em tempo de guerra, e que normalmente seriam prerrogativas do Legislativo.
Apesar de haver restrição aos direitos de ir e vir, de reunião, o bloqueio total de atividades, também chamado de lockdown poderá ser implementado sem que se decrete o estado de defesa ou necessidade. E, a crise aguda causada pelo Covid-19, o Estado possui mecanismos e instrumentos adequados para enfrentar a pandemia sem ter que aderir aos regimes de exceção.
E, regra, o lockdown[23] as pessoas só podem ir até à rua para realizar compras em supermercados e farmácias ou trabalhar em atividades essenciais.
Torna-se legítima a evidente limitação de alguns direitos fundamentais. Particularmente, os direitos de ir e vir e de reunião, apesar de existir alguns a questionar a constitucionalidade.
A Constituição brasileira prevista e em vigência permite a restrição desses direitos fundamentais dos Estados de defesa ou de sítio, aliás, o Brasil não decretou nenhum destes, e sim, o estado de calamidade pública. Apesar de que o estado de defesa pode ser instituído com o fito de preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
Destaca-se o momento de legalidade extraordinária em face da pandemia, o que caracteriza um estado de exceção. A legalidade extraordinária é forma admitida mesmo no Estado Democrático de Direito reage diante de situação emergencial[24]. Não ocorre a anomia, que é a ausência ou suspensão de leis e direitos, como no estado de exceção.
Na legalidade extraordinária, o Estado prossegue submisso à legislação e dever criar o mínimo possível de novas leis. Pois, o objetivo é solucionar os problemas com base no ordenamento jurídico vigente.
A imposição de lockdown sem a decretação de estado de defesa ou estado de sítio não é inconstitucional porque estabelece medidas menos agressivas aos direitos fundamentais do que as que ocorreriam nestes regimes. À medida que forem menos gravosas, tais medidas são preferíveis do ponto de vista da proporcionalidade, por serem menos limitadores de direitos fundamentais.
 
 
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PEIXOTO, Rodrigo Luz. O Supremo Tribunal Federal e o Estado de Sítio da República Velha: A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o Estado de Sítio, do início da República até a Revolução de 30 (1893-1930) Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/22705 . Acesso em 12.3.2021.
RODAS, Sérgio. Restrições do lockdown não dependem de estados de defesa ou sítio. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-09/restricoes-lockdown-nao-dependem-estado-sitio  Acesso em 12.3.2021.
SCHMITT, Carl. “Teologia Política: quatro capítulos sobre a doutrina da soberania.” In: A crise da democracia parlamentar, Carl Schmitt. São Paulo: Scritta, 1996.
 
[1] Foi um ato do Parlamento do Reino Unido que autorizou as autoridades locais a declarar que qualquer grupo de doze ou mais pessoas se reunisse ilegalmente e se dispersasse ou enfrentasse ação punitiva. Dotado de longo título do ato era "um ato para prevenir tumultos e assembleias tumultuadas e para punir os desordeiros de maneira mais rápida e eficaz e entrou em vigor em 1 de agosto de 1715.
Foi revogado na Inglaterra e no País de Gales pela Seção 10 e Parte III do Anexo 3 da Lei de Direito Penal de 1967. Atos semelhantes ao Riot Act passaram para as leis das colônias britânicas na Austrália, Canadá e América, alguma das quais permanecem até hoje. A frase "leia o Riot Act" passou a ser usada como severa reprimenda ou advertência das consequências.
 
[2] O estado de calamidade pública é um termo definido por um decreto de 2010, editado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o texto, é caracterizado por "uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido". Ele pode ser decretado por prefeituras, Estados e União. Em geral, a calamidade é decretada quando, em razão da magnitude dos danos, o estado requer auxílio direto e imediato para arcar com os custos do atendimento. É o nível mais grave de atenção possível. In: NOVO, Benigno Núnez. Estado de calamidade pública. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3072/estado-de-calamidade-pblica Acesso em 13.3.2021.
 
[3] Dirigido pelo presidente da República, esse Conselho é composto pelo vice-presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes da maioria e da minoria na Câmara e no Senado, o ministro da Justiça e seis cidadãos brasileiros maiores de 35 anos de idade. Foi criado pela Lei 8.041/90.
Dos atuais membros, dois são ligados ao Poder Executivo Federal: o presidente da República Jair Bolsonaro e o Ministro da Justiça André Mendonça. Ligados ao Poder Legislativo Federal há outros seis membros: os deputados Arthur Lira, Presidente da Câmara, líder da maioria na Câmara Aguinaldo Ribeiro e líder na minoria na Câmara José Guimarães, respectivamente; além dos senadores, Presidente do Senado Federal do Brasil. Rodrigo Pacheco, o líder da maioria no Senado Renan Calheiros e líder na minoria no Senado Jean-Paul Prates, respectivamente. A primeira convocação efetiva do Conselho foi em fevereiro de 2018 -- em sessão conjunta com o Conselho de Defesa Nacional -- para uma consulta a posteriori sobre a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro.
 
[4] Atualmente a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional são regulados pela Lei n° 8.183, de 11 de abril de 1991, alterada pela Medida Provisória nº 2216-37, de 2001. Estrutura do Conselho de Defesa Nacional (Atual): Presidente Jair Messias Bolsonaro (Presidente do Brasil); Secretário Executivo: General Augusto Heleno (Ministro de Segurança Institucional); Estatutários: Hamilton Mourão (Vice-presidente do Brasil); Arthur Lira (Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil); Rodrigo Pacheco (Presidente do Senado do Brasil); Fernando Azevedo e Silva (Ministro da Defesa); André Luiz de Almeida Mendonça (Ministro da Justiça e Segurança Pública ); Ernesto Araújo (Ministro das Relações Exteriores); Paulo Guedes (Ministro da Economia); Assessores Militares; Ten.-Brig.-do-Ar Raul Botelho (Comandante do Estado Maior das Forças Armadas); Alte.Esq. Ilques Barbosa Junior (Comandante da Marinha); Gen.Ex. Edson Leal Pujol (Comandante do Exército); Ten.-Brig.-do-Ar Antônio Carlos Moretti Bermudez (Comandante da Força Aérea); Participantes adicionais        O Presidente da República pode nomear novos participantes, quando apropriado.
 
[5] A Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente de surto pandêmico iniciado no ano de 2019. Posteriormente, a pandemia provocou, através do Decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020, o reconhecimento oficial do estado de calamidade pública no brasil. Além de flexibilizar os limites orçamentários e permitir a destinação excepcional de mais recursos à saúde sem cometimento de crime de responsabilidade fiscal, a medida também legitima a instauração de regimes jurídicos urgentes e provisórios, com a finalidade de conter os impactos da situação calamitosa.
A Resolução 313 do CNJ determinou, ainda, a suspensão dos prazos processuais até 30 de abril de 2020 (art. 5º), não obstando a prática de ato processual necessário à preservação de direitos e de natureza urgente (parágrafo único).
Os tribunais podem, evidentemente, estender o período de suspensão, a depender das condições locais ou regionais da propagação do vírus.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou hoje (24), em discussão única, a prorrogação do estado de calamidade pública para prevenção e enfrentamento à pandemia do novo coronavírus no estado e em dez municípios fluminenses.
No caso da calamidade estadual, a prorrogação se estenderá até o dia 1º de julho. Já com relação aos municípios, os prazos iniciais e finais estabelecidos em cada norma municipal devem respeitar como limite final a data de 31 de dezembro de 2021. Em 30.12.2021, Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou estado de calamidade pública por causa da pandemia de coronavírus.
 
[6] A Câmara Legislativa (CLDF) aprovou, em sessão extraordinária remota nesta terça (15.12.2021), a prorrogação do estado de calamidade pública no Distrito Federal até 30 de junho de 2021. O pedido foi feito pelo governador Ibaneis Rocha ao poder legislativo em decorrência da pandemia do novo coronavírus no DF. O texto prolonga os efeitos do Decreto Legislativo nº 2.284, de 2020, que reconhecia o estado de calamidade pública até o próximo dia 31. Com isso, o Executivo fica desobrigado de cumprir metas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), podendo orientar recursos e investimentos para o combate à pandemia, além de poder solicitar recursos a nível federal, como o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil.
 
[7] São possíveis durante o Estado de Sítio: A obrigação de permanência em localidade determinada; A detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; Restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; A suspensão da liberdade de reunião; A busca e apreensão em domicílio; A intervenção nas empresas de serviços públicos; A requisição de bens.
 
[8] Atualmente, uma vez emitido o Decreto Presidencial, o Presidente deve enviar o ato, juntamente com suas justificativas, ao Congresso Nacional, no prazo de 24 horas. Caso o Congresso esteja em recesso, será convocado em um prazo de 05 dias, tendo um prazo de 10 dias para analisar a decisão presidencial. Dessa forma, restam duas possibilidades: se o Congresso rejeitar a decisão, o Estado de Defesa será imediatamente interrompido; caso aprove, por maioria absoluta, deverá permanecer em funcionamento até que se encerre o Estado de Exceção.
 
[9] Na França, o estado de sítio é um mecanismo legislativo e constitucional que permite a transferência de poderes de polícia da autoridade civil para a autoridade militar, a criação de tribunais militares e a extensão dos poderes de polícia. Este tipo de padrão legal é até certo ponto comparável à lei marcial. A Constituição Francesa de 1958 enquadrou esta disposição em seu artigo 36. Só pode ser implementado em parte do território, após deliberação em Conselho de Ministros e com assinatura presidencial, quando houver perigo iminente de insurreição armada ou de guerra. Durante o estado de sítio, há transferência de poderes das autoridades civis para as autoridades militares. A prorrogação do estado de sítio para além de 12 dias está sujeita à autorização do Parlamento.
 
[10] A Revolta Armada (1891-1894), ocorrida no Rio de Janeiro, foi uma rebelião realizada pela Marinha, que na época era denominada “Armada” e daí o nome deste movimento. A rebelião tem início com o fechamento do Congresso pelo presidente Deodoro da Fonseca, em 3 de novembro de 1891, e termina no governo de Floriano Peixoto, em abril de 1894. Por isso, o conflito é dividido em dois: Primeira Revolta da Armada, no governo de Deodoro da Fonseca, e Segunda Revolta da Armada, sob a presidência de Floriano Peixoto.
A Marinha estava insatisfeita com os rumos que a república estava tomando. Afinal, os dois primeiros governos foram exercidos por dois representantes do Exército: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Não por acaso este período é conhecido como “República da Espada” (1889-1894).
Tradicionalmente, a Marinha era uma arma ligada à monarquia e não havia participado nem apoiado o golpe da República em 15 de novembro de 1889. Por isso, ansiavam pela saída de Floriano e a entrada do Almirante Custódio de Melo (1840-1902), que pretendia se candidatar a presidente.
 
[11] O Manifesto dos Treze Generais foi um documento assinado por treze autoridades militares do Brasil, datado de 31 de março de 1892 e publicado em 6 de abril, logo no início do governo de Floriano Peixoto, que assumiu após a renúncia de Deodoro da Fonseca. O manifesto contestava a legitimidade do governo e condenava as atitudes de Floriano Peixoto contra rebeliões nos estados e solicitava convocação de nova eleição para a presidência da república. Eram os signatários: Marechal José de Almeida Barreto,  Vice-almirante Eduardo Wandenkolk,  General de divisão José C. de Queirós, General de divisão Antônio Maria Coelho, Barão de Amambaí, General de divisão Cândido José da Costa, Contra-almirante José Marques Guimarães, comandante da 1a divisão de cruzadores, General de brigada João Nepomuceno de Medeiros Mallet, Contra-almirante Dionísio Manhães Barreto, membro efetivo do conselho naval.
General de brigada João Severiano da Fonseca, 2º vice-presidente do IHGB, Contra-almirante Manuel Ricardo de Cunha Couto, inspetor do arsenal da Marinha da capital federal, General de brigada João José de Bruce, General de brigada José Cerqueira de Aguiar Lima, General de brigada João Luís de Andrade Vasconcelos.
 
[12] BARBOSA, Ruy, Discurso e Escriptos. O Estado de Sítio. Sua natureza. Seus efeitos, seus limites. Capital Federal: Companhia Impressora, 1892. Conteúdo : Petição de habeas-corpus requerido ao Supremo Tribunal Federal a favor das vítimas dos decretos de 10 e 12 de abril -- Oração de Ruy Barbosa em defesa do habeas-corpus ante o Supremo Tribunal Federal na sessão de 23 de abril de 1892 -- O acordão de 27 de abril : escriptos publicados na imprensa contra a denegação do habeas-corpus -- Appendice I: d'o paiz. -- Appendice II: acordão do Supremo Tribunal Federal, em 27 de abril de 1892 na petição de habeas-corpus n. 300 -- Appendice III: opiniões na imprensa.
Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/227378  Acesso em 12.3.2021.
 
[13] Enquanto ocorria a Revolta da Armada no Rio de Janeiro, o sul do país passava pela Revolução Federalista (1893-1895). Também chamada de Revolta Federalista foi uma guerra civil que ocorreu no estado do Rio Grande do Sul e se espalhou por Santa Catarina e Paraná. Este movimento foi caracterizado pela disputa entre os federalistas (maragatos) e o exército republicano (pica-paus). Na verdade, era um conflito entre dois modelos de república: descentralizado (federalista) e centralizado (positivista). Em 1894, o Almirante Custódio de Melo conduz o navio "Aquidabã" em direção ao sul para apoiar os federalistas contra Floriano Peixoto. No entanto, a embarcação é a torpedeada na ilha de Desterro (SC), marcando o fim do conflito.
 
[14] Quando se passa a cogitar a coerência do Direito como uma grande mecânica que reúne regras e princípios, a razoabilidade do Direito deixa de depender simplesmente da lógica intrassistêmica das regras entre si (o que foi decretado pelo legislador) e passar a depender da lógica intersistêmica (o que as instituições reconhecem como práticas legítimas socialmente) em face da recorribilidade à história e à práxis em torno da justiça.
 
[15] Presos por crime militar inafiançável, juntamente com todos os ocupantes do navio, ficam retidos ilegalmente, conforme alegação do advogado, nas Fortalezas de Santa Cruz e Lage, no Rio de Janeiro, sem nota de culpa e à disposição da Justiça Militar, incompetente para julgá-los. Relator:           Ministro Barros Pimentel. Data do Julgamento:          2.8.1893 e 9.8.1893. Decisão:                Concedida a ordem de soltura em favor dos detidos, por maioria. Publicação do acórdão.            BARBOSA, Rui, Obras Completas de Rui Barbosa, RJ, v. XX, 1893, t. V, MEC, 1958, p. 291.    Revista O Direito, v. 62/86-88.
 
[16] A CF/1946 não definiu o que seriam os crimes políticos, ou mesmo distinguiu esta categoria em face dos crimes contra a segurança externa do País. No que diz com estes últimos, a questão assumia contornos de singeleza, pois a primeira parte do Livro II do Código Penal Militar vigente à época (Decreto Lei 6.227/44) previa, no rol do Título I, os crimes contra a segurança externa do País (arts. 118 a 129).
A questão nodal, portanto, residia em definir o que seriam os crimes políticos, o que não ocorreu expressamente em sede constitucional ou mesmo infraconstitucional. Neste quadrante, a doutrina passou a subdividir os crimes políticos em puros e relativos.
O crime político puro é aquele que “ofende ou expõe a perigo de ofensa, exclusivamente, a ordem política em sentido amplo ou a ordem político social (compreensiva não apenas das condições existenciais e o regime governamental do Estado e dos direitos políticos dos cidadãos, senão também, nas suas bases fundamentais, a organização social, sobre a qual se ergue a ordem política em sentido estrito), e cujo autor, além disso, tem por escopo esse mesmo resultado específico ou assume o risco de seu advento. Crime político relativo é o crime comum, isto é, lesivo de interesses de direito comum, mas praticado por motivo político, ou como meio de crime político, formando com este unidade jurídica (crime complexo), ou no curso ou por ocasião de crime político, apresentando-se um e outro intimamente conexos (crime político por conexidade).”.
Para que possa caracterizar-se o crime político é indispensável que a ofensa aos interesses da segurança do Estado se faça com um especial fim de agir. É indispensável que o agente dirija a sua ação com o propósito de atingir a segurança do Estado. (…) Pode-se dizer que o fim de agir é aqui um elemento essencial ao desvalor da ação neste tipo de ilícito, sem o qual verdadeiramente não se pode atingir os interesses da segurança do Estado. A exigência do fim de agir é uma indefectível marca de uma legislação liberal nessa matéria. Mas pode-se também dizer que essa exigência do fim de agir está na natureza das coisas. Não há ofensa aos interesses políticos do Estado de direito democrático se o agente não dirige sua ação deliberadamente contra a segurança do Estado.” Independente da se aceitar ou não o especial fim de agir como elemento subjetivo específico nestes delitos, certo é que a partir da conceituação doutrinária, consolidou-se entendimento de que os crimes políticos em sentido puro estavam positivados na Lei 1.802/53 (Lei de Segurança Nacional) – que tipificava os delitos contra a segurança interna do País –, bem como em dispositivos esparsos do Código Penal Militar (Dec. Lei 6.227/53), do Código Eleitoral (Lei 1.164/50) e da Lei de Imprensa (Lei 2.083/53) (HUNGRIA, 1960, p. 7-8).
Na vigência da CR/1969, discutiu-se novamente a respeito dos crimes políticos, pois de um lado, o art. 125, IV, determinava a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de crimes políticos, ao mesmo tempo em que o art. 129, § 1º, dispunha que a competência para o processo e julgamento de crimes contra a segurança nacional seria da Justiça Militar.
 
[17] O advogado Rui Barbosa impetra habeas corpus em favor do Senador Almirante Eduardo Wandenkolk e outros cidadãos, indiciados por crimes de sedição e conspiração, presos ou desterrados em virtude de decretos expedidos pelo Vice-Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, na função de Presidente. Tais atos determinam a suspensão das garantias constitucionais, decretando-se o estado de sítio no Distrito Federal. Fundamenta-se o pedido na inconstitucionalidade do estado de sítio e na ilegalidade das prisões ocorridas, umas antes de decretado o estado de sítio, outras, depois de terminada a sua vigência, quando devem imediatamente ser restabelecidas as garantias constitucionais. Relator: Ministro Costa Barradas. Data do Julgamento: 27.4.1892. Decisão:            Negada a ordem, por maioria (10x1). Publicação do acórdão:  Revista O Direito, v. 58/302-307 COSTA, Edgard. Os Grandes Julgamentos. RJ. v. 1, Ed. Civilização Brasileira, 1964, p. 26-33. BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa, RJ, v. XIX, 1892, t. III, MEC, 1956, p. 355-361.
 
[18] Julgamentos do STF: Caso do navio "Júpiter" – HC.   Impetrado habeas corpus por Rui Barbosa, em favor de David Ben Obill e outros, brasileiros e estrangeiros civis, num total de 48, presos por militares cumprindo ordem do Vice-Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, a bordo do navio mercante "Júpiter", capturado no litoral de Santa Catarina.
Presos por crime militar inafiançável, juntamente com todos os ocupantes do navio, ficam retidos ilegalmente, conforme alegação do advogado, nas Fortalezas de Santa Cruz e Lage, no Rio de Janeiro, sem nota de culpa e à disposição da Justiça Militar, incompetente para julgá-lo. Relator: Ministro Barros Pimentel. Data do julgamento: 2.8.1893 e 9.8.1893. Decisão: Concedida a ordem de soltura em favor dos detidos, por maioria. Publicação do acórdão: BARBOSA, Rui, Obras Completas de Rui Barbosa, RJ, v. XX, 1893, t. V, MEC, 1958, p. 291. Revista O Direito, v. 62/86-88.
 
[19] Cumpre expor as principais diferenças existentes entre o estado de defesa e o estado de sítio que são previstos nos artigos 136 e 141 da Constituição brasileira de 1988 e representam situações de restrições aos direitos fundamentais em nome da preservação do próprio Estado.
Logo, a primeira diferença diz respeito à forma de decretação, pois o estado de defesa exige decreto do Presidente da República, que a seguir, é sujeito ao exame do Congresso nacional. Já no estado de sítio, o Presidente da República precisa ser o primeiro a solicitar ao Congresso Nacional a autorização para sua decretação, diante de sua maior gravidade. A segunda diferença é referente ao tempo de duração de cada regime.
O estado de defesa possui a duração máxima de trinta dias, sendo prorrogável, uma vez por igual período. No caso de estado de sítio envolvendo comoção grave de repercussão nacional ou em caso de ineficácia do estado de defesa, o regime excepcional dura no máximo trinta dias, prorrogável, de cada vez, por igual período.
Existe, ainda, outra modalidade de estado de sítio disciplinada pelo artigo 137, II CF/1988, quando haverá duração indeterminada, já que se trata de causa decorrente de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. A derradeira diferença refere-se às medidas a serem tomadas durante o estado de defesa e no estado de sítio.
Enquanto no primeiro podem ser tomadas as medidas previstas no art. 136, §1º da CF vigente; no caso de estado de sítio, podem ser adotadas as medidas contempladas no artigo 139 da mesma Constituição brasileira;  já no caso do Estado de Sítio decretado com fundamento no artigo 137, II, não há previsão expressa das medidas que podem ser tomadas, o que evidencia a gravidade da situação.
Cumpre sublinhar que durante a vigência do estado de defesa, de sítio ou de intervenção federal a Constituição Federal não poderá ser emendada, em face de haver situações de limites circunstanciais ao exercício do Poder Reformador.
 
[20] Agamben recorre à reflexão de Carl Schmitt sobre o estado de exceção. Depois de uma longa citação de Teologia Política: quatro capítulos sobre a doutrina da soberania (1922), na qual a exceção é definida com o um caso exterior ao ordenamento jurídico que revela um elemento formal jurídico específico, que é a decisão, ele enfatiza o seu efeito, a instauração do estado de exceção, ao invés detratar da própria decisão, em cujo monopólio reside a essência da soberania para Schmitt.
O interesse de Agamben, como fica claro no decorrer de sua análise, é destacar o caso excepcional, que ele considera o meio pelo qual o soberano cria e garante a situação da qual o direito tem necessidade para sua própria vigência.
Como na teoria jurídica de Schmitt é o soberano quem decide sobre o estado de exceção, garantindo dessa maneira sua ancoragem na ordem legal, Agamben infere que o soberano é logicamente definido pela exceção, colocando-se na mesma situação paradoxal do estado de exceção, ou seja, numa condição que não está nem fora nem dentro do ordenamento jurídico: “o lugar e o paradoxo do conceito schmittiano de soberania derivam do estado de exceção”.

 
[21] Havendo ainda duas restrições explícitas, previstas pelo art. 136: que o Estado de Defesa ocorra em “locais restritos e determinados” e que, antes de sua decretação, sejam ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional (vale ressaltar que esses órgãos são meramente consultivos, não estando o Presidente obrigado a adotar seus pareceres).
Em que contextos específicos, então, seria possível determinar Estado de Defesa? Exemplificativamente, o instrumento poderia ser acionado em caso de rebeliões populares ou em que um desastre natural seja de tamanhas proporções que chegue a ameaçar a ordem pública ou a paz social. No caso do desastre da mineradora Samarco em Mariana, por exemplo, caso a Presidência considerasse haver tal ameaça, poderia fazer uso desse mecanismo (o que não ocorreu).
 
[22] Henrique Batista Duffles Teixeira Lott (1894-1984) foi militar e político brasileiro que galgou o posto de marechal e, foi Ministro da Guerra e concorreu à Presidência da República nas eleições de 1960. Porém, foi derrotado por Jânio Quadros.
Após isso tentou ainda permanecer na vida pública. Em 1961 declarou-se contrário à tentativa de golpe planejada pelos ministros militares para impedir a posse de João Goulart após a renúncia de Jânio e foi de extrema importância para a Campanha da Legalidade de Brizola ao aconselhar a buscar apoio em chefes militares nacionalistas locais.
No caso, os generais de Exército Oromar Osório, comandante em Santiago, e Peri Constant Bevilacqua, comandante em Santa Maria. Para assegurar a legalidade, em 26 de agosto de 1961 (dia seguinte à renúncia do presidente Jânio Quadros), fez um importante manifesto às Forças Armadas,
No início de 1956, Lott continuou como ministro da Guerra no governo de JK, pois garantira a posse do presidente, mobilizando as tropas nas ruas.
Foi quando recebeu uma espada de ouro da comunidade defensora da legalidade constitucional (segundo familiares e amigos próximos, Lott teria recusado a espada de ouro, ao brandir sua tradicional espada de general). Este acontecimento ficou conhecido com Movimento de 11 de novembro.
 
[23] Termo em inglês vem sendo usado para descrever medida de fechamento de regiões na pandemia de Covid-19 para obrigar ao isolamento social. “Lockdown" é uma expressão em inglês que, na tradução literal, significa confinamento ou fechamento total. Ela vem sendo usada frequentemente desde o agravamento da pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2).
Embora não tenha uma definição única, o "lockdown" é, na prática, a medida mais radical imposta por governos para que haja distanciamento social – uma espécie de bloqueio total em que as pessoas devem, de modo geral, ficar em casa. Veja as diferenças dos termos relacionados à reação à pandemia de Covid-19: Isolamento social – é, em princípio, uma sugestão preventiva para todos para que as pessoas fiquem em casa; 
Quarentena – é uma determinação oficial de isolamento decretada por um governo.
Lockdown – é uma medida de bloqueio total que, em geral, inclui também o fechamento de vias e proíbe deslocamentos e viagens não essenciais;  Se um governante impõe um "lockdown", a circulação fica proibida, a não ser que ela se dê, por exemplo, para compra de alimentos, transporte de doentes ou realização de serviços de segurança. In: Portal G1. Entenda o que é "lockdown". Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/06/entenda-o-que-e-lockdown.ghtml  Acesso em 12.3.2021.
 
[24] A definição do termo quarentena está na Portaria nº 356/2020 do Ministério da Saúde. A medida tem como objetivo garantir a manutenção dos serviços de saúde em local certo e determinado. Para adoção da quarentena é necessária a publicação de ato administrativo formal (lei, decreto, portaria) e ampla divulgação pelos meios de comunicação. Pode ser ordenada em âmbito nacional, estadual ou municipal, pelo prazo máximo até 40 dias, mas pode ser estendida “pelo tempo necessário para reduzir a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território”.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 05/06/2021
Código do texto: T7271934
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