Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

e cirurgia de obesidade mórbida

- Texto formulado em 2001 -

 

A Medicina evolui a passos largos. Em decorrência disso, no momento, causa euforia a nova técnica que promete emagrecimento rápido e definitivo aos portadores da doença obesidade mórbida. Ocorre que os Planos ou Seguros de Saúde ainda não dispõem de profissionais gabaritados a realizarem as técnicas inovadoras. Assim, vêem-se os portadores de tal enfermidade condicionados a aceitar o reembolso prometido pelos contratos das seguradoras de saúde, irrisório, quando comparado aos preços do mercado; ficarem sujeitos ao pagamento da referida cirurgia a médicos que atendem particularmente, a preços exorbitantes[1]; ou, ainda, permanecer longos anos na fila dos hospitais da rede pública de saúde.

 

Grande parte dos planos de saúde não cobre operações de miopia, varizes e obesidade mórbida, entre outras, sob a alegação de que se tratam de cirurgias estéticas. Na visão do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), essas operações devem ser contempladas pelas empresas sempre que o problema afetar a saúde do consumidor, pois não oferecer cobertura para esses casos é ilegal.

 

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo que o contrato preveja a exclusão desse tipo de cirurgia, ainda assim existe a ilegalidade. Como os planos devem proporcionar a assistência e a manutenção da saúde dos conveniados, as cláusulas são abusivas por contradizer esse princípio. Por isso, ainda que o contrato esteja assinado, não deve ser obedecido porque fere a lei.

 

Alguns planos de saúde permitem a cobertura desse tipo de cirurgia, mas apenas quando o plano tiver sido adquirido após 1998, quando a nova lei entrou em vigor. Outras empresas adotam as coberturas mas elevam o preço das mensalidades alegando que elas exigem novas tecnologias. Segundo o IDEC, esse aumento também não tem respaldo legal, pois, além de ser inevitável, o avanço científico e tecnológico também coopera para que diagnósticos e tratamentos tenham um custo menor.

 

A obesidade mórbida precisa ser contida numa operação cirúrgica para evitar maiores problemas no organismo do obeso. A doença é citada na Classificação Estatística Internacional de Doença e Problemas com Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS). Como os planos devem dar cobertura obrigatória a todas as doenças relacionadas na classificação da OMS[2], não cumprir essa norma é ilegal. Além disso, a obrigatoriedade no atendimento à obesidade mórbida também está prevista pela nova Lei n. 9656, de junho de 1998, dos Planos de Saúde, que passou a regular a matéria.

 

Após o advento da citada lei, medidas provisórias (MPs) vêm sendo editadas, alterando e esfacelando a lei básica. Já foram editadas mais de uma dezena de MPs (a primeira delas, a MP 1.685, um dia após a publicação da lei básica). Estas MPs estão atualmente condensadas nas MPs de número 1.928 e 1.976. O assunto também é regulado pelo Código de Defesa do Consumidor em caráter subsidiário (só pode ser usado em questões não tratadas pela legislação mencionada). O arsenal legislativo sobre planos/seguros de saúde não pára por aí. O Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), órgão criado pela nova legislação, tem se mostrado pródigo na fabricação de normas complementares às leis e às medidas provisórias. Até o momento, o CONSU já editou 23 resoluções.

 

Em decorrência do que acaba de ser exposto, advogados instruem seus clientes a pedirem que lhes sejam antecipados, por via judicial, a internação e a cirurgia, baseados na premissa de que a doença de obesidade mórbida, associada a outras comorbidades, tais o aumento da pressão arterial ou a diabete, aumentam os riscos, comprometendo a saúde e a vida do paciente, o que conflui para a necessidade da cirurgia, no propósito de imediata perda de peso e reversão do quadro.

 

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu em 19 de dezembro de 2000, que nestes casos a tutela antecipada torna-se imprescindível na perspectiva de proteger a saúde e a vida do paciente, direitos fundamentais indissociáveis garantidos pela Carta Magna de 1988, na perspectiva de realização do princípio fundamental de proteção da dignidade da pessoa humana insculpido no inciso III do art. 1o da Constituição Federal de 1988.[3] A intervenção cirúrgica de gastroplastia no corpo do paciente, exara o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em 19 de março de 2001, se afigura necessária e não de estética ou de embelezamento, estes, sim, afastados pela cláusula de exclusão de cirurgia.[4]

 

A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Alçada condenou plano de saúde a arcar com as despesas decorrentes da intervenção cirúrgica realizada por associado, que sofre de obesidade mórbida. A cirurgia de redução gástrica foi realizada por força de liminar, já que a seguradora se recusava a cobrir o tratamento, embora a necessidade de intervenção cirúrgica tenha sido demonstrada através de laudo médico. Alegou-se em recurso, não estar obrigada a referida cobertura por tratar-se de doença preexistente, já que o associado sofria da doença desde a infância. Segundo o Relator Alvim Soares, é do plano de saúde o ônus de provar a má fé do segurado, eis que esta não se presume. Assim: “Ainda que o mal decorra desde tenra idade do segurado, certo é que, segundo os relatórios médicos, seu quadro clínico agravou-se e assumiu grandes proporções, ao ponto de colocar em risco sua vida”. O Relator acrescentou ainda que o contrato realizado entre as partes só exclui da cobertura as cirurgias exclusivamente estéticas. O voto do Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos Juízes Moreira Diniz e Nepomuceno Silva.[5]

 

A questão da preexistência do mal vem sendo enfrentada em ação ordinária onde se objetiva, com base no Código de Defesa do Consumidor, o reconhecimento da abusividade e conseqüente ineficácia de cláusula limitativa de cobertura em contrato de seguro-saúde, porquanto, na oportunidade em que fora preenchida a respectiva proposta, constatara o segurado que a sua situação não se enquadrava em nenhuma das indagações ali formuladas, o que o levou a responde-las negativamente.

 

É inadmissível que contrato de seguro de assistência médica e hospitalar possa afastar a cobertura de intervenção cirúrgica indicada como necessária em pacientes acometidos de obesidade mórbida que, segundo laudos médicos, é considerada doença e só com cirurgia é possível combatê-la. Tratando-se de cirurgia necessária - e não com finalidade estética - deve haver a cobertura do seguro de assistência médica e hospitalar para se realizá-la imediatamente, pois que o aguardo do desfecho da demanda, pelo paciente, em razão da demora, poderá trazer sérios prejuízos a sua saúde. Daí o risco concreto, atual e iminente, a justificar a medida excepcional, em razão de dano de difícil reparação. Nestes casos, a lesão grave quem poderá sofrê-la é o paciente, caso não realize imediatamente a cirurgia. Presentes estão, desta forma, os requisitos que autorizam a antecipação da tutela prevista no art. 273 do Código de Processo Civil brasileiro.

 


[1] Uma cirurgia para combater a obesidade mórbida custa cerca de R$25.000,00 quanto aos serviços médicos prestados; e entre R$10.000,00 ou R$15.000,00 com despesas hospitalares, para três dias de internação, tudo correndo satisfatoriamente.

[2] As doenças e procedimentos excluídos em todos os segmentos de planos, referem-se basicamente a procedimentos médicos ou razões de ordem política. Entre as exclusões estão: tratamento clínico ou cirúrgico experimental (é a chamada medicina alternativa ou práticas médicas ainda não completamente reconhecidas pela comunidade acadêmica), procedimento clínico cirúrgico estético, inseminação artificial, tratamento para rejuvenescimento ou emagrecimento com finalidade estética (importante ressaltar que, se a obesidade for mórbida, o consumidor terá direito ao tratamento, o que está excluído é apenas o emagrecimento para fins estéticos), fornecimento de medicamentos importados ou não nacionalizados, fornecimento de prótese, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico (também é bom esclarecer que se a prótese ou a órtese forem necessárias durante o ato cirúrgico ou a ele se relacionarem, o consumidor também terá direito), tratamento ilícito ou antiético (exemplo de tratamento ilícito ou antiético é o aborto criminoso) e, por último, casos de cataclismos (grandes enchentes, furacões, vendavais, etc.), guerra ou comoções internas quando declarados pelas autoridades competentes. Quanto à obrigatoriedade das exclusões, o raciocínio é inverso daquele aplicado para as coberturas, ou seja, a empresa não está proibida de oferecer os tratamentos excluídos (exceto, obviamente, aqueles que são ilegais), poderá ofertá-los a seus consumidores como um serviço a mais (por exemplo: cirurgia estética ou tratamento para rejuvenescimento).

[3] BRASIL. Tribunal de Justiça. Câmara, 18. Cível. Agravo de Instrumento n.º 2000.002.13567. Relator: Desembargador Roberto de Abreu e Silva. Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2000. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2001.

[4] BRASIL. Tribunal de Justiça. Turma, 1. Cível. Se a intervenção cirúrgica é indicada como necessária para combater a doença de que fora acometida a segurada, há a cobertura do seguro de assistência médica e hospitalar, vez que a cláusula do contrato que a afasta deve ser compreendida como exclusão de cirurgia destinada a emagrecimento com finalidade estética. Havendo risco concreto, atual e iminente, presentes os requisitos do art. 273 do CPC, justifica-se a medida excepcional de antecipação dos efeitos da tutela. Agravo de Instrumento n.º 20000020063338. Sul América Aetna Seguros Previdência S/A e Marta Beatriz Castineiras de Lancelle. Relator: Desembargador Jair Soares. Brasília, 19 de março de 2001. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Brasília. Disponível em: <http://www.tjdf.gov.br/jurisprudencia/framejuris.htm>. Acesso em: 13 jul. 2001.

[5] BRASIL. Tribunal de Alçada. Câmara, 1. Cível. Belo Horizonte. Relator: Alvim Soares. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte. Disponível em: <http://www.ta.mg.gov.br/Noticias/noticias.htm#duzentoscinquenta>. Acesso em: 2 jul. 2001.

Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 21/10/2021
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