INFÂNCIA, OUTRORA E A DE HOJE


Nasci na década de quarenta,
Na jovem guarda me formei,
De lá pra cá, diversas comparações realizei,
No meu tempo de garoto,
No calhambeque do Senhor Leonidio viajei,
Tinha um motor, rodas, cabine e carroceria,
Não tinha mais nada,
Era tudo uma bonança,
Coitado da gente...
Não havia nem cinto de segurança.

Aos domingos, lotávamos o carro,
Era uma meninada danada,
Rumo ao campeonato,
Futebol, infantil da esperança.

Chegávamos à noite,
Daquela zorra,
Rumo ao berço de dormir,
O qual era uma gracinha, todo bonitinho pintado,
Tinta á óleo ou esmaltado,
Hoje dizem que é material tóxico,
E qualquer sinal na pele,
Toma logo anfetamina.

No meu tempo,
Nem havia tanto medicamento,
E nem por isso existiam tantas mortes,
De veneno e atropelamento.

Eu corria num cavalinho,
De cabo de vassoura, ou feito de madeira,
Quando cresci mais um pouquinho,
Ganhei de presente um lindo potrinho.


Eu cavalgava pra lá e pra cá,
Montado no meu pangaré,
Ao chegar, respirava bem fundo,
E na bicicletinha começava a pedalar.

Embora levasse algum tombo,
Inventava uma história cheia de macete,
Pra enganar papai e mamai,
Acredito que machucava um pouco,
Mas não havia capacete.

Quando estávamos com sede,
Íamos saciá-la num córrego,
Com as águas da velha banqueta,
Que passava próximo ao cemitério,
Rente à cerca e mureta.

Não era água tratada,
Mais servia a todas as cozinhas da vila,
Quem quisesse uma água mais clarinha,
Teria de apanhar lá no meio da biquinha.

Filtro ninguém tinha,
Hoje é moda,
Vem águas minerais,
Ainda em garrafas,
Todas esterilizadas.

Meu Deus,
Como eu era levado,
Corria num carrinho rolimã,
Naquele morrinho,
Que ia pra Nego Amado,
Bem em frente á casa do Manoel Lopes,
Pai da esposa do Sr. João soldado.



Aconteciam acidentes,
Mas tudo era contornado,
A manada de correr,
Os passeios no piquenique,
O regresso para o lar,
Sempre tinha à hora de voltar.

Não havia telefone,
Nem tão pouco o celular,
Sendo assim papai,
Não podia me controlar.

Nossa isso era incrível!

Estudávamos em turno vespertino,
Para chamar a garotada,
Balançava uma sineta,
Alguns a chamavam de sirene,
Ainda me lembro com carinho,
Da nossa querida professora Irene.

Quando ouvíamos aquele sinal,
Corríamos feitos loucos,
Chegávamos cada qual em sua casa,
Roendo de fome,
Nem as mãos eram lavadas,
Punham-se nossas mães a reclamar,
Mas a vontade era imensa,
De aquele almoço devorar.

Panos amarrados nos dedos,
Boca às vezes sangrando,
Joelhos arranhados
Cotovelos e pernas machucadas,
Na cabeça galo, pela trombada,
Quase do tamanho de um ovo,
Provocado pela pelada.
O qual se curava com uma faca de aço,
Que passava ali, por três vezes cruzadas,
Era simpatia da vovó.
Que tudo resolvia, nesse dia estava curado.

Nossa! E os doces,
Fabricados por Dona Judite e Dona Leonora,
Era de Leite açucarado e de mamão verde ralado,
Ambos deliciosos, cara melados.

E aquele leitinho,
Tirado na hora,
Tomado ainda bem quentinho,
Dizia minha avó:
Separa uma vaca de cor preta,
Pois o leite é mais confiável,
Realmente, hoje não tomo,
Mas acredito ainda ser muito saudável.

E os ovos caipiras, aqueles bem vermelhinhos,
Os pães italianos, assados no forno caseiro,
Colocávamos aquela manteiga feita de leite gordo da fazenda,
Comíamos a vontade.
Interessante, nunca ouvíamos falar da tal da obesidade.

Também brincávamos,
Sempre na rua
E éramos superdotados.

Lembro-me agora,
Que dividíamos com os colegas,
Tal guaraná festa,
Cada qual dava um gole na mesma garrafa,
Não me recordo se alguém morreu disso.

Não tínhamos TV,
Videocassete, computador,
E tão pouco DVD,
Só tínhamos mesmo só amigo.
Meu colega possuía uma cadela,
Comia os restos da gente...
Quando sobrava.
Ração para cão não havia,
Ela tomava banho com sabão em barra,
Aquele, fabricado pela tia Olímpia,
E bastante água fria.

Banho quente!
Que isso está brincando,
Não tinha nem pra gente,
O sabonete, xampu,
Isso não era moda,
Usávamos também o sabão em barra,
Feito de soda.

Depois do banho tomado,
Íamos pra casa de nossos colegas,
Entravamos sem bater,
E brincávamos até, não mais querer.

Voltando a escola,
Havia bons e maus alunos,
Coitada de nossa professora,
Recordo que uns passavam e outros não,
Por isso nunca soube,
Que alguém fosse a psicólogo,
Não havia a moda da repetência,
Simplesmente começava,
Tudo de novo.

Como eu era feliz,
Tinha papai e mamai,
Que me escutava,
Embora bravos, muito me amavam.
Eu vivia em liberdade,
Havia fracassos,
Sucessos e,
Deveres,
E cada colega aprendia,
A viver e lidar,
Com cada problema.

Hoje questiono, olhando tudo isso,
Todo esse sistema atual,
Isso não pode...
Isso engorda...
Esse aqui, faz um tremendo mal.

Então como consegui,
Chegar até aqui,
Ou melhor, como pude,
Desenvolver a minha capacidade, e,
Como adquiri?

Você que acabou de tomar
Conhecimento dessa história,
Sentiu emoção ou não?
Qual foi a sua geração?

Se quiseres passar isso para os filhos,
Já sei qual será a reação.
Não vão aceitar...
Mas não se espante,
Já até fiz uma idéia do que eles vão dizer:
Isso e loucura,
É pagar mico...
Vida indígena.

Olha,
Mas aqui ainda está a chave de ser feliz!