CRESCIMENTO E EVOLUÇÃO

Só quem vive sob um estigma...sabe como é.

E eu já tinha os meus para carregar.

Agora era seguir em frente tendo-os como cia.

Novamente mudamos de cidade.Agora voltávamos para a capital.

Eu já premonizava que a minha vida seria ainda mais díficil...

Meu pai estaria longe da mulher amada e sempre que pudesse,correria para ela,me deixando a mercê de todos,principalmente de minha mãe,que em nenhum momento mudou de atitude.

Agora eu entendia o motivo de meu pai ser um alcolista..era assim que ele afogava a saudade que sentia.Era a fuga dele.

Agora eu entendia o grande amor que ele nutria por mim e por me proteger tanto.Eu era de uma forma indireta a luz que iluminava a vida dele.Quando ele me chamava pelo nome ,era nela que ele pensava.

Minha mãe sentia prazer em me aterrorizar.Conhecia meus medos e tirava proveito deles.

Nossa mudança para a capital foi feita num desses caminhões antigos.

Coberto por lona.Na carroceria os móveis(se é que podíamos dizer assim),e nós também.

A ponte Hercílio Luz era ainda o único meio de comunicação entre a ilha e o continente e teríamos que passar por ela dentro daquele caminhão.Minha mãe me disse que quando passássemos sobre ela a ponte cairia e que morreríamos todos afogados.

Imaginem uma criança,agarradas aos dois irmãos menores,preparando-se para quando a ponte caisse,tentar salvá-los de alguma maneira.

Quando desembarcamos do caminhão no Saco dos Limões,eu era uma estátua,totalmente rija,tinha passado a viagem toda na mesma posição,apavorada(e foi uma viagem de quase 10 horas,ainda não tínhamos a Br 101).

Mas descobri que tinha o mar na minha frente.Consegui caminhar até ele,sentei na água e chorei.E o mar me respondeu com suas ondas me acariciando.

Eu era uma menina que sabia que a partir dali tinha que morrer se quisesse viver.Teria que deixar uma mulher nascer.Uma mulher com forças suficientes para superar o que estava por vir.A cada pergunta que fazia, o mar me respondia com caricias.Assim tive o mar como meu primeiro amor e conselheiro.

As sequelas da pólio começavam a se mostrar,por falta de acompanhamento e tratamento especializado.

Eu estava já crescida e minha musculatura atrofiada não conseguia suportar o pêso de meu corpo. O caminhar estava ficando mais difícil.

Conseguia me manter de pé por pouco tempo,logo em seguida as forças faltavam.Mas o que fazer ?Eu tinha somente 11 anos,não conhecia a cidade,não sabia onde buscar ajuda.

Os meios de ajuda que Deus nos envia são entrecortados,mas Ele jamais nos esquece.

Nossa casa ficava bem em frente da escola onde eu estudava.

Eu apenas atravessava a rua para ir em casa na hora do recreio fazer meu lanche,mas naquela tarde,a diretora veio me dizer que eu não poderia sair,e,trancou a porta,mas,coitada,esqueceu-se de que eu era magra e as janelas enormes.

Passei pela janela e fui correndo para casa.

Quando chego no portão...o terror!!!!!!!!!!!!

Escondidos atrás do portão,estavam meus dois irmãos menores,protegidos por um policial.

Olhei para a casa e vi meu pai sair de dentro dela...com um tridente nas mãos (um tipo de garfo com 3 dentes enormes que ele usava para fazer feijoada),ele corria em direção de minha mãe.

Gritei com todas as minhas forças...PAIIIIIIIIII....NÃO!!!!!!!!!!!!!

Foi quando um dos policiais que estavam na casa,percebeu e puxou minha mãe pelo braço direito e o tridente rasgou o braço esquerdo dela.A intenção dele era de matar..e teria conseguido.Foi por um fio que não aconteceu.Era uma cena de guerra,ambulância,viaturas policiais...curiosos...

Abraçei meu pai ...olhei nos olhos dele e chorei.

Sabia que era a nossa despedida...nosso último olhar.

Ele apenas me disse : Filha...eu te amo e tudo fiz para te proteger até agora.Te cuida e não permita que ninguém te fira nunca mais.

Ele me beijou chorando...os policiais o colocaram na viatura e o levaram.Eu passaria anos sem ter nenhuma notícia dele.

Despois ,quando tudo se acalmou,minha irmã mais velha me contou em segredo, que a briga acontecera porquê ele ficara sabendo por um vizinho que minha mãe me surrara naquela manhã.

Ela não precisava de motivos para me surrar...era apenas o fato de eu existir,mas eu omitia tudo de meu pai,exatamente para evitar conflitos.

Sabia que ela não nutria nenhum sentimento por mim...mas eu a amava,fora através dela que eu vim ao mundo.

Eu a entendia...pois pensava que talvez se eu vivesse uma situação igual...também pudesse sentir a mesma coisa.

Amar e saber que o ser amado ama outra e ainda registra uma filha com o nome da outra,deve ser simplesmente insuportável.

Amar sem ser amado...não existe quem resista.

ASSIM...NAQUELE MOMENTO NASCEU A MULHER...MORREU A MENINA.

Mulher de Luz
Enviado por Mulher de Luz em 02/06/2009
Código do texto: T1628304
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