SER JOVEM......

A vida tinha sido até então uma luta constante,mas para esquecer um pouco de minha luta...eu lia.

Devorava tudo que encontrava.Era uma rata de biblioteca.

Na sala de recreação no colégio estava escrito em espiral na parede:

POR QUEM OS SINOS DOBRAM ....

e abaixo..também em espiral dizia assim : E FREUD EXPLICA...OS SINOS DOBRAM POR MIM...POR TI...PELO EU QUE SOMOS NÓS.

Passava horas lendo aquilo;até que fui pedir orientação para a coordenadora.Ela me explicou que setratava de um livro para jovens,mas que não era adequado para a minha idade.

Bom,se não é, respeitaremos,o que não significaria esquecermos.

Cada vez que entrava na BU,perguntava pelo livro...estava sempre com algum outro aluno,então eu teria que aguardar.

Um dia certamente minha oportunidade chegaria.

Minha séquela da pólio avançava.Devido à ela não participava das aulas de educação física.

Uma tarde eu estava sentada,assistindo à aula,quando passou nosso pediatra(tínhamos pediatra no colégio),e me perguntou o motivo de eu não participar.Percebi que ele também tinha um problema físico semelhante ao meu.

Contei minha deficiência física e ele me confirmou que também era um sequelado da pólio,que para ele não houvera tratamento,mas que no meu caso,as chances ainda eram grandes.

Lá vamos nós outra vez,eu,médico,coordenação e direção,rumo ao Centro de Reabilitação para uma consulta.

Os médicos que me atenderam acharam inconcebível o fato de eu ter grandes chances de recuperação e estar sem tratamento.

Organizaram uma agenda para meu tratamento.

A coordenadora encarregou-se de pagar meu transporte.

Tudo teria que ser feito sem o conhecimento de minha mãe,ela jamais permitiria.

Eu recebia estímulos demais em casa:

Minha mãe-Tu não vais ser ninguém na vida;

Tu só poderás ser costurteira para trabalhar sentada.

Nenhum homem vai casar contigo.

Minhas irmãs-Tu és mamicuda (aos 12 anos tinha seios enormes)

Tu és uma capenga...

Assim eu era estimulada em casa,minhas irmãs não moravam mais conosco,mas a cada vez que apareciam era para me humilhar.

Bom...o destino sempre brincou comigo...

Algum tempo antes de eu ter ido fazer a consulta,tinha acontecido um acidente terrível,com um ônibus,no morro dos cavalos.

Entre os feridos estavam alguns vizinhos nossos.

Eu já estava em tratamento faziam 3 semanas...meu desenvolvimento muscular era considerado acima do esperado...estava levantando 15 kg na perna que antes sequer conseguia amparar meu corpo;que na época acredito que pesava uns 40 kgou menos.

Não sabia que meus vizinhos acidentados estavam em reabilitação lá.

Eu não os vi...mas eles me viram,e quando chegaram em casa foram parabenizar minha mãe pelo meu tratamento.

Coitados...gentis..mas mal informados acerca dos acontecimentos.

Quando eu estava chegando em casa,de longe vi minha mãe parada na frente da casa,e quando ela me avistou arrancou um sarrafo da cerca.Foi a maior surra que tive na vida,por querer me curar.

Mas a ironia maior ainda estava por vir.Era o tempo das vitrolas portáteis.Tudo tinha acontecido na sexta-feira.No domingo a tarde nos reunimos no jardim da casa de uma amiga para ouvirmos Roberto Carlos,Vanderlei Cardoso..e tantos outros(discos de vinil em vitrola portátil).Era a nossa diversão.

Fui levantar,tropecei na grama e bati com o joelho esquerdo sobre uma pedra.A dor era insuportável,mas sentei novamente e permaneci por mais ou menos uma hora naquela posição.Quando tentei levantar novamente...não tinha como.

Meu joelho parecia uma bola de futebol.Fui levada para casa pelas amigas,no estilo cadeirinha(usando os braços de duas delas).

Lá fiquei..largada na cama,com a perna na posição em que estivera sentada.Não tinha como mover a perna.Dois dias já tinham se passado e eu não aguentava mais tanta dor.Uma noite,esperei todos dormirem e consegui me arrastar até um armário,sabia que lá tinha um vidro cheio de comprimidos,e eu pensei que se tomasse todos de uma vez,morreria e acabaria com aquele tormento.

Engoli um a um e voltei para a cama..as dores passaram e eu dormi,finalmente.

Terá sido a mão de minha mãe,Nossa Senhora de Fátima quem me guiou até lá ? Acredito que sim.Pois foi a minha salvação.

Eu tinha engolido de uma única vez 40 comprimidos de 500 mg cada um de Sulfametoxazol=BACTRIM, e com isso tinha interrompido a possibilidade de um início de gangrena.Quando bati o joelho,houve um rompimento de artéria,e o sangue parava ali,na patela.

Naquela noite,meu pai de fora de casa(meu patrão)veio saber o por que de eu não estar indo trabalhar.Entrou em pânico quando me viu e imediatamente me levou para o Hospital Governador Celso Ramos.

Lá tudo isso foi constatado.Fui colocada numa maca e dois brutamontes atravessaram-se sobre meu corpo,enquanto dois outros seguravam meus braços e um a minha perna móvel.

A esquerda tinha sido totalmente restrita.

Ele colocou bem ao meu lado a bacia onde ele esvaziava a seringa de sangue que aspirava de meu joelho.Esvaziou tantas vezes,que parei de contar.

Acredito que Florianópolis inteira tenha ouvido meus berros.

Quando tudo acabou,eles me soltaram e ele,que hoje já é falecido,mas que sempre teve o meu carinho,olhou bem dentro dos meus olhos como se fosse Deus e me ordenou : Levanta e anda.

Eu disse : Não posso.Não aguento a dor!!!!

Ele gentilmente pegou minha mão e me fez descer da maca..e eu andei...sem dores..apenas andei.

Mas precisei passar um bom tempo engessada,para não agredir o osso,conforme ele me explicou.

Não preciso dizer que nunca mais me foi permitido voltar ao tratamento.

A PARTIR DAI OS RUMOS TERIAM QUE SER DECIDIDOS POR MIM.

Mulher de Luz
Enviado por Mulher de Luz em 03/06/2009
Código do texto: T1630313
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