despedidas I

Hoje posso me dar ao luxo de um passeio descompromissado por Copacabana. Cutelarias. Boates. Piranhas. Sucos de frutas. Na próxima praça há uma deixa para voltar atrás. Passo longe. A chuva miúda irrita quem passa apressado, desarruma os cabelos das moças que correm aprumadas para pegar o metrô. Um homem chupado e de cabelos ralos rascunha em papéis amarelados numa calçada da Barata Ribeiro. Hoje em dia quem liga para desenhos? Do lado direito surge uma galeria, dessas tantas que há em Copacabana. Um livro verde na vitrine chama a atenção para a existência de buracos negros e universos bebês. Mais lojas de sucos. Acho que nunca mais haverá uma manhã tenra e solta, sem relógios agarrados nos pulsos.

Pode-se perceber outras pessoas que não tem para onde ir, ou razões pelas quais voltar a seus portos–seguros caminhando por horas a esmo, vasculhando no mundo, tentando remontar seus caóticos mosaicos.

Num dia você tem promessas, noutro uma tarde livre para especulações baratas.

Embaixo do carpete de pelos, sem a menor dignidade, deixei a minha cópia da chave. Despedidas são sempre difíceis e minha covardia me jogou na rua. O que fazer com o liquidificador? A única coisa que pediria é que você não deixasse rastros e que só voltasse à cena do crime caso fosse burro o suficiente para se entregar. Se eu invejasse a sua inteligência, não seria por acaso.

Ouça, há um tempo para se cultuar as lágrimas que parece eterno. Não é. Há um tempo para ouvir boleros. Não extrapole. Há um risco calculado para castigar a alma em bares suspeitos. Não se faça de besta, seu problema é passageiro. E mais, você sabe o quanto agüenta ler poemas de Carlos Drumond sem cair doente.

Mas se me permite uma recomendação, não me esqueça de vez, uma sutil amargura espreita as cadeiras desocupadas nos cinemas de domingo e pode render aqueles apertinhos bons no peito. E enquanto meus discos riscados num dia de fúria crepitarem no topo de uma pilha de quinquilarias, poderei sentir pela última vez o gosto de um almoço de aniversário, sem cair na tentação de revisitar os mesmos velhos restaurantes...

Jan Morais
Enviado por Jan Morais em 19/10/2006
Reeditado em 22/06/2009
Código do texto: T268268