Recordações do Caminho de Santiago de Compostela (final)

Recordações do Caminho de Santiago de Compostela (final)

Prosseguindo com a nossa narrativa sobre o Caminho de Santiago, vêm a minha lembrança momentos que me emocionaram até as lágrimas. Além de contar que a solidadriedade era algo muito forte, as pessoas tinha sempre o olhar no horizonte, como que sonhando chegar e, conforme pude sentir, todas compartilhavam conosco o mesmo objetivo – superar os limites e chegar à Catedral de Santiago de Compostela.

Vivenciei sobretudo, todo o esforço que os peregrinos dispensavam uns aos outros, na tentativa de se fazerem entender com aqueles que não falavam a mesma língua. Usávamos então, todas as expressões possíveis, principalmente as gestuais, fossem para auxiliar, perguntar, confraternizar; tudo era válido para “comunicar-se”.

Outra lembrança querida era a saudação – HOLA PELEGRINO! Sempre com um aceno de mão, quando passávamos por um ou outro naquelas trilhas. Ela soava aos meus ouvidos como uma canção, tal a sonoridade que ficava impregnada no ar; acho que era a força da entonação tão jovial e alegre, naquelas paragens.

Cada dia ao finalizar a jornada, fazíamos um retrospecto e orávamos intimamente agradecendo a DEUS por mais aquela etapa vencida. Eu procurava então, fazer as minhas anotações mais importantes daquele dia.

Muitos peregrinos iam à pé, na verdade a maioria, outros de bicicleta, sozinhos ou em grupos, e até à cavalo encontramos uma peregrina.

Fato interessante e inusitado foi o do casal francês que caminhava com o seu cão, não sei dizer qual a raça, mas ele trazia ao pescoço uma bolsa relativamente pequena para o seu tamanho, tipo alforge. Era uma graça vê-lo caminhando ao lado dos donos muito obediente e imponente.

Daqueles dias, ainda trago comigo muitas outras recordações, foram experiências incríveis e inesquecíveis, a da solidariedade sempre, seja você quem for, a da força íntima do ser humano nas condições mais difíceis e, creia você não morrerá de fome nessa jornada, pois um pedaço de pão e água sempre serão suficientes até chegar-se a um local onde exista um comedor (restaurante), onde você poderá tomar um café com leite e pão saborosíssimos, com pouco euro.

Na cidade Grañon, numa das nossas paradas, pernoitamos no Albergue Paroquial, do qual tenho também uma lembrança querida pelo acolhimento dado aos peregrinos. Este albergue é uma extensão da igreja e, após acomodarmos as mochilas, escolher o lugar aonde dormir, assistimos a missa. Após o que foi servido o jantar não sem antes orarmos a oração do Pai Nosso, cada um na sua língua.No salão onde foi servido o jantar havia uma mesa muito grande, onde todos nós sentamos felizes, pois era uma hora muito importante e, nem sempre estaríamos assim, num grupo com tantos irmãos de outros países: um holandês, germanos, austríacos, franceses , um polonês, japoneses, australianos, ingleses argentinos e brasileiros. Era uma festa de línguas diversas. Adoramos!

O hospitaleiro tinha feito sopa de ervilha naquele dia, e o próprio Padre juntamente com ele, é que foram nos servir, um por um à mesa. Fiquei profundamente sensibilizada diante da demonstração de humildade e de carinho ao próximo. Também foi servido vinho e água. Nossa! Foi muito Bom! Tudo isso me cativou para sempre.

Após aquela sopa maravilhosa, nossas energias foram devidamente restauradas, fomos então convidados a ir outro local, ainda no prédio da própria igreja, onde nos sentamos em círculo e cada um de nós foi convidado a se apresentar, dizendo o nome e o país de origem, enquanto o Padre nos dava as boas vindas. Interessante que isto seu após já havermos saciado a nossa fome e já bem menos cansados.

Ao sair no dia seguinte, cada peregrino colocou uma doação em euro numa caixinha ao lado da saída, pois ali não havia valor estipulado, apenas um donativo.

Foram muitos os albergues pelos quais passamos e sempre fomos bem recebidos. Aliás, em todos havia um responsável para carimbar nossa credencial, ficando assim registrada a nossa passagem pelo local, pois ao final da jornada isso contaria para recebermos a Compostelana, na verdade um diploma onde diz que você completou o Caminho de Santiago, e só tem direito de receber os que comprovarem que fizeram os últimos 100 km à pé.

Por sinal nestes últimos quilômetros se encontra ao meu ver, a parte mais linda da Espanha. Trata-se da Região da Galícia , constituída em comunidade autônoma espanhola; as paisagens são belíssimas, a capital é a cidade de Santiago de Compostela, na província de Corunha, cuja língua falada e o galego e o castelhano.

Justamente nessa parte da Espanha que continuei sozinha a minha caminhada e, posso dizer eu apreciei cada passo dado naquela terra, não sem alguns sobressaltos, porém amando poder estar ali. Quanto a isso devo dizer que após sairmos da cidade de Astorga, minha amiga Mitie me convenceu a fazer o restante do caminho sozinha, que apesar de um pouco insegura, aceitei.Daí a partir de Sarría, passei a caminhar sozinha os últimos 118 km. Posso afirmar hoje, que foi a melhor coisa que poderia me acontecer, mesmo com todas as dificuldades pela fratura no pé que eu não sabia, mas estava fraturado por estresse e somente diagnosticada no Brasil, após exames. Me senti tão vitoriosa, que vocês não imaginam o quanto.

Algumas pessoas me perguntam se o caminho é mágico. Eu respondo que não existe mágica. O caminho se torna sim, mágico, mas não pelas promessas que muitos vão cumprir e, sim pela reflexão que podemos fazer percorrendo todos aqueles quilômetros, muitas vezes solitário. Só você com você mesmo, DEUS e toda a imensidão, céu e terra.

A maior conquista que se pode obter ao fazer o caminho é a possibilidade de poder refazer os caminhos da vida, aqueles que sinceramente, por alguma razão, já não nos satisfazem mais, e reformular conceitos.

Uma serenidade toma conta do seu ser, vinda das horas silenciosas que você passa consigo mesmo, então a importância dessas horas só você poderá avaliar.

É muito interessante ouvir nas reuniões na Casa de Espanha os depoimentos daqueles que retornam; o antes e o depois da viagem são os mais variados.

Ouvi uma pessoa dizer que aprendeu a dizer “Não”o que não foi o meu caso.

Só mais uma coisa eu preciso dizer, o dia que cheguei à Santiago. Exatamente no dia 15 de junho/2005,às 14:00 horas, hora local; atravessei a ponte não muito longa que separava Monte do Gozo, onde eu iria pernoitar, porém o albergue ainda se encontrava cerrado, como eles dizem; então resolvi seguir um pouco mais e, chegar à Santiago.

Para a minha surpresa uma jovem que atravessava no sentido contrário ao meu, ao me ver deu-me as boas vindas peregrina! Aquela saudação foi tão emocionante, pois mesmo com a chuva que caía ela reconheceu um peregrino e, isso me deu mais força para chegar à Catedral; acho que foi mais de uma hora de caminhada, até chegar. Ao chegar reconheci outros peregrinos que também chegavam naquele dia.

Minha emoção era imensa, mesmo com muitas dores subi as escadas e fui reverenciar São Tiago. Sentei-me extasiada e fiquei um longo tempo ali, infelizmente eu chegara depois da missa do peregrino, que se realiza ao meio dia, quando eles então usam o incensário chamado de botafumeiro, que dizem o maior do mundo.

Recebi minha compostelana num prédio próximo e ao sair fiquei olhando tudo a volta, tentando fixar na minha mente tudo o que eu estava vendo. Impossível fazer uma descrição da Catedral, pois eu não seria fiel, ela impressiona pela beleza da forma, e tudo nela reporta ao tempo medieval, sei que é considerada o maior centro de peregrinação do mundo cristão.

Espero que aqueles que leram e se interessaram, também um dia façam o Caminho de Santiago – é o meu desejo, como espero ainda um dia voltar.

A todos um forte abraço.

Nuvem Clara

.

Nuvem Clara
Enviado por Nuvem Clara em 02/04/2011
Reeditado em 15/04/2011
Código do texto: T2885601
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.