A IMPORTÂNCIA DO SILÊNCIO PARA O CONFORTO

Ao passar cotidianamente diante de uma escola de surdos-mudos, a caminho do trabalho, presencio os alegres diálogos entre seus alunos.

Invariavelmente eu os vejo sorrindo, a relatar fatos e histórias, e admiro sobretudo seu interessante e inusitado meio de comunicação.

Movem-se com elegância em seu mundo silencioso, e confesso uma ponta de inveja pela paz que desfrutam, em seu universo particular.

Por que temos que produzir tanto ruído, é o que sempre me questiono, se existem sistemas mais inteligentes e racionais de interação?

O barulho infernal de nosso falar, nossas músicas, nosso trânsito, findam por estressar-nos, ultrapassando o limite de decibéis toleráveis.

Rogo aos cientistas para desvendar os segredos do cérebro humano e descobrir formas de comunicação telepáticas, muito mais eficazes.

Tenho certeza que, a partir do desenvolvimento de técnicas de diálogo, os homens viverão em ambientes mais sadios, menos neuróticos.

As vezes imagino que, se os homens fossem surdos-mudos, muitas brigas seriam evitadas, e, até mesmo as guerras deixariam de existir.

Ninguém brigaria com os desafetos, por pronunciar impropérios, quando bêbados, reduzindo, dessa forma, tantas ocorrências policiais.

Como também as desavenças entre marido e mulher seriam evitadas, pois ofensas e diálogos ríspidos sempre degeneram em agressões.

Imagino a satisfação que teríamos, por não ser incomodados por bombas juninas, limitando-nos a apreciar a beleza de fogos ornamentais.

A indústria de armas teria que ser desativada, pois revolver sem produzir estampido e canhões e foguetes silenciosos não mais existiriam.

Do alto dos mosteiros, os monges, envoltos em pensamentos, desfrutam da nobre arte de pensar, em confortante e respeitoso silêncio.

O saudável ar que respiram, a paz de vidas dedicadas à meditação, o espírito elevado pela oração, aproxima-os de Deus, purificando-os.

Sinto imenso prazer , quando entro em uma igreja e experimento o respeitoso silêncio que se dedica ao local sagrado, por seus visitantes.

Invariavelmente, associo a momentânea satisfação desfrutada ao silencioso alarido das felizes crianças daquela escola, sempre invejáveis.

Logo imagino os festivais de música eletrônica e carnavais fora de época, quando gritos, guitarras e trios elétricos ensurdecem a todos.

E me permito comparar os apreciadores desses ambientes degradantes com as crianças felizes que brincam no pátio daquela bela escola.

Não atribuo qualquer responsabilidade à belíssima geração de jovens, pois sua alienação é induzida pela mídia, sempre inconseqüente.

Compactuam com o desvirtuamento musical por influência subliminar, e a música de maior sucesso é a que produz maiores decibéis.

Impor moda, desestruturar comportamentos e direcionar preferências musicais, constitui atual objetivo da mídia, eis a triste realidade

O importante é salientar que distorções musicais, brevemente esquecidas, perdem-se diante de imortais melodias dos mestres da música.

Pesquisando a História, constato que Ludwig van Beethoven, o grande compositor, produziu suas mais belas obras já depois de surdo.

Afastado da condução da orquestra, abstraiu-se em seu universo mental com mais profundidade, compondo obras muito mais eruditas.

Revigorado em seu interior, conseguiu o grande artista desenvolver fecundo trabalho, para o deleite dos apreciadores da música clássica.

A ausência de sons no ambiente exterior permitiu-lhe conforto do espírito, liberando a criatividade, com o aperfeiçoamento dos sentidos.

O som é um fenômeno acústico resultante da propagação de ondas sonoras, e o ouvido capta suas vibrações, decifradas pelo cérebro.

Como não ouvem as ondas sonoras, as crianças daquela maravilhosa escola recorrem a sinais convencionais, para se fazer entender.

O universo em que interagem torna-se muito mais confortável, menos estressante, decorrente da ausência dos neurotizantes barulhos.

Não obstante a deficiência (?) auditiva, desenvolvem meios mais eficazes de comunicação, constituindo-se a mímica o principal arrimo.

Felizes por não ouvir o que não desejam, evitam inclusive as fofocas, tão perniciosas ao saudável ambiente que a escola deve incentivar.

O que mais me impressiona, naquelas ditosas crianças, são as constantes demonstrações de afeto, próprias de uma comunidade contente.

Rebuscando os escaninhos da memória, localizo o internato em que estudei, em Santo Antonio de Pádua, com suas fontes hidroterápicas.

Tínhamos diversões sadias, praticávamos esportes ao ar livre, em meio a um ambiente de sincera amizade, apesar do rigor disciplinar.

O repousante silêncio que desfrutávamos, sob frondosas jabuticabeiras, induzia-nos ao estudo, remetendo-me à Escola de surdos-mudos.

João Augusto Maia Gaspar

Em 12.02.2006

jaugustogaspar
Enviado por jaugustogaspar em 23/07/2011
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