ZIZEK E O DESERTO DO REAL


A minha paixão pela trilogia MATRIX me levou a conhecer o filósofo Jean Baudrillard, autor do livro SIMULACROS E SIMULAÇÃO - mostrado por Neo no primeiro episódio da série – e dele a outros pensadores contemporâneos que abordam a questão do REAL e da APARÊNCIA, como Zygmunt Bauman e Slavoj Zizek, em suas mais diversas abordagens.

Tive o prazer de assistir, pessoalmente, a uma palestra proferida por Zizek, em Salvador, em outubro de 2008, quando o eminente filósofo esloveno, professor do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, discorreu sobre algumas de suas idéias.

Zizek é leninista e lacaniano, um pensador de cultura abrangente, que alia à sua retórica eletrizante vastos conhecimentos de psicologia, sociologia, filosofia e cultura contemporânea (principalmente Cinema). Na ocasião ele criticou os falsos discursos sobre “tolerância”, como um desejo de manter o Outro distante, de ocultar problemas reais de convivência e alertou para o fato da Economia estar cada vez mais politizada. Ressaltou sobre o perigo da tomada de atitudes sob momentos de tensão, pois “o momento de angústia não é um momento de Verdade” e, diante do quadro de crise econômica mundial, destacou a fragilidade do capitalismo, que só funciona enquanto se acredita nele.

Na oportunidade, adquiri o livro BEM-VINDO AO DESERTO DO REAL! (Boitempo Editoral), alvo de meu desejo já há algum tempo. A frase que dá título ao livro é do personagem Morpheus, do filme Matrix, ao apresentar a Neo a “verdadeira” Terra, fora da simulação neurovirtual. O livro reúne cinco ensaios relacionados ao 11 de Setembro e aos conflitos bélicos contemporâneos.

É sempre perigoso querer-se extrair frases ou idéias de um contexto maior, nas quais estão inseridas – a exemplo das desencontradas interpretações bíblicas – mas não consigo me furtar a destacar algumas delas, citadas no livro, que me chamaram a atenção.

Sobre a Realidade Virtual, ele a caracteriza como “sentida como a realidade sem o ser”, ou seja, aquela que oferece produtos esvaziados de sua substância, sem conteúdo e alerta para o fato de que “a experiência de vivermos cada vez mais num universo artificialmente construído, gera a necessidade urgente de retornar ao Real”, que por vezes é tão duro que o preferimos transformá-lo em ficção.

Correlacionando esse aspecto filosófico com a psicologia, Zizek nos fala da dificuldade natural que temos em encarar nossos traumas, preferindo a fuga: “Por isso, a verdadeira escolha com relação ao trauma histórico não está entre lembrar-se ou esquecer-se dele: os traumas que não estamos dispostos a ou não somos capazes de relembrar assombram-nos com mais força... para realmente esquecer um acontecimento, precisamos primeiramente criar a força para lembrá-lo. Para responder a este paradoxo, devemos ter em mente que o contrário de 'existência' não é 'inexistência', mas 'insistência'.”

Neste livro, publicado em 2002, Zizek já alertava para “a reafirmação excepcional dos EUA como a polícia do mundo”, o que efetivamente se tornou realidade, a partir da invasão do Iraque, afimando que “o liberalismo capitalista global que se opõe ao fundamentalismo maometano é ele próprio um modo de fundamentalismo, de forma que na atual ‘guerra contra o terrorismo’, estamos na verdade diante de um choque de fundamentalismos.”, uma “luta interna do universo capitalista”.

Com seu humor ferino, ele cita o caso da antiga República Democrática Alemã, na qual “era impossível uma pessoa combinar três características: convicção (fé na ideologia oficial), inteligência e honestidade. Quem acreditava e era inteligente, não era honesto; quem era inteligente e honesto, não acreditava; quem acreditava e era honesto não podia ser inteligente.” Qualquer semelhança com o Brasil, não é mera coincidência.

Ainda sobre o 11 de Setembro, ele lamenta que outras catástrofes – como o genocídio dos hutus pelos tutsis, em Ruanda, o massacre dos curdos no Iraque e o massacre de Timor Leste pelos indonésios - não tenham sido alvo da mesma comoção mundial, nem provocado medidas tão drásticas, como aquele atentado. Como ele afirma, “há muito mais loucura ética no planejamento e execução estratégicos de operações de bombardeio em larga escala do que no indivíduo que se explode no processo de atacar o inimigo”.

Além de analisar a sempre atual crise entre Israel, a Palestina e o Mundo Árabe, nesse livro Zizek ainda critica a subserviência da Europa aos EUA, afirmando que “a verdadeira catástrofe político-ideológica do 11 de Setembro foi européia: o resultado... foi um fortalecimento sem precedentes da hegemonia americana em todos os seus aspectos.”

Polêmico, contestador, Slavoj Zizek é um pensador que precisa ser lido sem preconceitos, com a mente aberta, não necessariamente para que concordemos com suas ideias, mas para que possamos refletir mais claramente sobre a REALIDADE do mundo no qual estamos inseridos, com todo o seu jogo de interesses globais e manipulações ideológicas.

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