O SENTIMENTO DE NACIONALIDADE NO POEMA “CANÇÃO DO EXÍLIO” DE GONÇALVES DIAS

O marco inicial do Romantismo no Brasil foi a publicação em 1836 da obra Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães, que poderia ser considerado o patrono do romantismo brasileiro devido a sua contribuição e atuação desse período.

Muito presente na 1ª geração do Romantismo, a busca por uma identidade nacional era uma característica arraigada na literatura brasileira no período que corresponde à Independência do Brasil. Uma vez realizada a Independência, a literatura agarrou-se à tarefa de contribuir para a formação e consolidação do país enquanto nação. Foi na era romântica que o País buscou sua identidade literária através de temas e elementos genuinamente brasileiros. A produção romântica difundiu nossa língua, nossas paisagens e nossos costumes com intenção de criar uma literatura mais independente.

A preocupação central dos autores nesse período era a definição da identidade nacional brasileira, tempos após a Independência do Brasil (1822). Nesse contexto, a valorização da figura indígena (considerado o herói nacional) e a exaltação dos elementos típicos da cultura local (e também da natureza brasileira) são recorrentes nos textos literários.

Como já foi mencionado, o grande impulso do Romantismo brasileiro foi o movimento de Independência do Brasil. A construção política de uma nação independente motivará os escritores a realizarem também no plano estético uma afirmação nacional. É nesse contexto que se desenvolve o que Antônio Candido chamou de “senso de dever patriótico”, ou seja, os escritores românticos se integravam num processo mais amplo de construção da nação e eram levados “não apenas a cantar a sua terra, mas a considerar as suas obras contribuição para o progresso” (CANDIDO, 2006, p.328).

O presente trabalho tem o intuito de analisar o sentimento de nacionalidade no poema de Gonçalves Dias intitulado Canção do Exílio. É na simplicidade e melancolia – sentimento muito comum em obras românticas – que esse poema de Gonçalves Dias, que o escreveu quando estava exilado em Portugal, torna-se um símbolo do romantismo no Brasil. Tamanha importância dessa obra reflete no fato de que alguns de seus versos depois foram incorporados ao hino nacional brasileiro. Outro fato importante foi as inúmeras releituras e citações que o poema recebeu, a partir do Modernismo, pelas mãos de diversos poetas brasileiros como, por exemplo, “Uma canção” de Mário Quintana e “Canção do Exílio” de Murilo Mendes.

O nacionalismo impresso no poema, bem ao gosto da sensibilidade brasileira, associado à idealização da natureza e da pátria marca o ápice da proposta romântica de construção de uma identidade nacional. Segundo Freitas (2010, p. 53) apud Alves (2008, p. 98)

embora a questão da identidade já fosse recorrente aos artistas do Brasil desde o período colonial, é no romantismo que ela passa a ser amplamente discutida, sendo retomada e aprofundada depois, por ocasião do centenário da Independência, quando um grupo de artistas e intelectuais começa a “engendrar um projeto de Independência Cultural contra o atraso herdado do passado colonial, propondo um redescobrimento do Brasil, agora pelos próprios brasileiros”.

No decorrer do poema, o autor apresenta um contraste entre a terra europeia e sua terra natal, o Brasil, numa visão subjetiva. Os elementos da natureza brasileira são exaltados, e a melancolia junto ao sentimento de saudade acentua mais ainda a simples composição, consagrando-a na poética romântica e nacionalista.

Uma das características dos poemas de Gonçalves Dias é a exaltação das belezas da paisagem brasileira. É facilmente perceptível em “Nosso céu tem mais estrelas/ Nossas várzeas tem mais flores/ Nossos bosques têm mais vida/ Nossas vidas mais amores.” Nessa segunda estrofe do poema, o eu lírico destaca a riqueza da fauna de da flora de seu país. “Sem qu’inda aviste as palmeiras/ Onde canta o Sabiá”. Palmeiras e sabiás são idealizados como símbolo do Brasil.

“As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá’’ – podemos perceber nesses versos a valorização idealizada da terra natal, o afastamento espacial que era um traço do romantismo e a supervalorização dos elementos que compõem esse lugar.

No poema como um todo, o eu lírico demonstra a intensidade do amor pela sua terra natal. No entanto isso fica mais evidente nos seguintes versos: “Mais prazer encontro eu lá/ Não permita Deus que eu morra/ Sem que eu volte para lá/ Sem que desfrute os primores/ Que não encontro por cá.” Nisso, podemos perceber que algumas palavras usadas no poema como, por exemplo, “aqui, lá e cá” fazem referência ao lugar onde o eu lírico se encontra e ao lugar onde ele deseja estar. Gonçalves demonstra um sentimento de saudades de sua terra natal. O poeta não está satisfeito com no “cá” (Portugal), onde se encontra, e deixa-se levar pelo sonho ou imaginação, “Em cismar, sozinho, à noite/ Mais prazer encontro eu lá”, idealizando o lugar em que gostaria de estar – o “lá” (Brasil).

Na descrição da paisagem brasileira, o poeta não utilizou adjetivos para caracterizá-la. Apenas optou pela concentração e explicitação de seus sentimentos, nas ideias passadas pelos substantivos. Consegue, por isso, maior força de expressão, sendo absolutamente original. São os vocábulos que indicam a paisagem através de sua emoção nas palavras. Daí decorre a sensação visual do mundo físico que forma com todas as luzes e cores que o poeta nos leva a imaginar: o céu mais cheio de estrelas, que é o mais lindo; várzeas com flores e bosques selvagens, verdes – pulsando a vida; palmeiras e aves diversas.

A partir desta análise é possível levantar um questionamento a cerca da literatura brasileira: se a literatura é produzida no Brasil ou mesmo fora dele, como é o caso de Canção do Exílio exaltando-se sua beleza e paisagens naturais ou a valorização dos indígenas, por qual motivo ela não seria genuinamente brasileira? Machado de Assis chama a atenção do leitor, em seu artigo “Instinto de Nacionalidade” para o fato de a crítica de sua época só reconhecer “espírito nacional nas obras que tratam de assunto local” (ASSIS, 1873, p.4), quando na sua opinião, e isso é talvez a sua maior contribuição nesse artigo, “o que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.” (ASSIS, 1873, p. 5). Com isso o escritor procura assinalar que, para falar do país, de sua natureza, seus problemas sociais, etc., ele não precisa falar diretamente dos índios, dos negros, da escravidão e assim por diante.

Nas palavras de Antônio Candido, as obras produzidas nesse período são antes “manifestações literárias em terras brasileiras que literatura brasileira propriamente dita” (CANDIDO, 2006, p. 25). Podemos perceber que a opinião do Machado e a opinião do crítico literário Antônio Candido convergem para o mesmo fim, ou seja, eles concordam que a literatura de um país não necessariamente precisa estar amarrada a um nacionalismo, muito preocupado em celebrar suas paisagens naturais, ou na sua cor local etc., mas sim procurar certo sentimento íntimo voltado para uma produção literária local e universal ao mesmo tempo.

REFERÊNCIAS

ALVES, Júlia Falivene. Com que cara chegaremos ao terceiro milênio? In: KUPSTAS, Márcia. Org. Identidade Nacional em Debate. São Paulo: Moderna, 2008.

FREITAS, Selma Sângele Rocha. A Questão da mestiçagem na poética e na música brasileira. Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI. Vivências. Vol.6, N.9: p.50-57, Maio/2010. Disponível em: http://www.reitoria.uri.br/~vivencias/Numero_009/artigos/artigos_vivencias_09/n9_5.pdf. Acesso em 19 de abril de 2014.

CANDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos. São Paulo:

Ouro sobre azul, 2006.

ASSIS, Machado de. Machado de Assis: crítica, notícia da atual literatura brasileira. São Paulo: Agir, 1959. p. 28 - 34: Instinto de nacionalidade. (1ª ed. 1873).

DIAS, Antônio Gonçalves. Canção do Exílio. Domínio Público. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2112. Acesso em 19 de abril de 2014.

Daniel Freitas Galvão
Enviado por Daniel Freitas Galvão em 28/02/2015
Código do texto: T5153552
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