ANÁLISE ACERCA DA OBRA TANTOS ANOS, DE RAQUEL DE QUEIROZ

Esta é uma análise apenas superficial acerca da obra Tantos Anos, da escritora cearense Raquel de Queiroz, um livro de memórias escrito a quatro mãos, por ela e sua irmã mais nova, Luiza de Queiroz. A ideia anunciada ainda no início do livro é a de que o mesmo seria composto necessariamente sob duas versões, a de Raquel e a de sua irmã, embora enfatizando os mesmos acontecimentos, integrando-se e complementando-se até o final.

Rachel de Queiroz e sua arte inconfundível de escrever romances históricos do modernismo regionalista traz à tona nesse seu livro de memórias (escrito quase à revelia) todo um lado sertanejo que vivenciara até os últimos dias de sua vida, estruturando a obra em 51 capítulos breves numa mistura de relatos gravados, perfis, textos escritos e até algumas crônicas bem particulares, onde utilizara como personagens principais membros de sua própria família. Como afirma o sociologista francês, Maurice Halbwachs, em sua obra A MEMÓRIA COLETIVA (2006 – pág. 29), “O primeiro testemunho a que podemos recorrer será sempre o nosso.”

Maurice Halbwachs (2006) ainda procura indagar se a memória individual, diante da memória coletiva, é uma condição necessária e suficiente da recordação e do reconhecimento das lembranças. Uma vez que Raquel de Queiroz alterna a escrita e o desenvolvimento de sua obra em parceria com sua irmã, Maria Luíza, procurando remeter tanto para a longa duração que o relato recobre, como para o tempo de espera em que esse livro foi aguardado, independente disto, se as suas lembranças mais remotas tivessem sido suprimidas, e já não fossem mais possíveis de ser reencontradas, é porque também há muito tempo a autora - aqui como personagem central - já não fazia mais parte do grupo na memória da qual ela se mantinha.

A memória como concebemos é uma dimensão eminentemente temporal, e aqui ela se produz com o espaço. As memórias de Rachel fazem parte daquele tipo de narrativas memorialistas onde a figura da família tem um peso preponderante. Todas as narrativas são profundamente pontuadas pelos constantes deslocamentos, seja do Ceará, ou mais especificamente, da casa paterna, passando por Itabuna, Maceió, São Paulo até o Rio de Janeiro, local onde permaneceu por mais tempo. Mas o que chama atenção é a dedicação à terra e às origens, algo que se manifesta na fala de Maria Luíza, a co-autora: “Mas, em todos os que emigraram (os familiares), a mesma nostalgia do sertão agreste, o permanente sonho de voltar – um dia! No sangue de todos eles, todos os Queiroz, o visceral amor à terra, o que dela brota, o que nela vive”. Portanto, quando se diz que a recordação de certas lembranças não depende de nossa vontade, é porque a nossa vontade não é forte o suficiente (Maurice Halbwachs, 2006)

Várias foram as biografias e autobiografias, ou mesmo relatos pessoais, que se intensificaram no Brasil e no exterior, sobretudo a partir dos anos 80. Nesse contexto, o livro Tantos Anos das irmãs Queiroz pode ser visto numa linha diferente de memórias. Pois, foi devido a insistência e obstinação de Maria Luiza que a irmã e consagrada escritora acabou concordando em contar as suas memórias. Os relatos, como já foi dito, são constituídos de trechos ditados ou escritos por Rachel, bem como reproduções de conversas gravadas, acaba por revelar a dupla assinatura, assim como a cumplicidade das duas na maioria das histórias.

Segundo a pesquisadora Ângela de Castro Gomes (2004), nos últimos 10 anos o país vive uma espécie de “boom de publicações de caráter biográfico e autobiográfico.” É cada vez maior o interesse dos leitores por um certo gênero de escritos – uma escrita de si -, que abarca diários, correspondência, biografias e autobiografias, independentemente de serem memórias ou entrevista de história de vida, por exemplo.

Desde sempre Rachel dizia não gostar do gênero “memórias literárias”, chegando até mesmo duvidar se seriam realmente literárias. Segundo ela, esse tipo de texto serve mais ao culto narcísico do próprio escritor, tendo como função expor a intimidade de forma excessiva. Ao concordar em escrever suas memórias Rachel afirmou: “Prometo apenas não mentir”.

Contudo, Rachel de Queiroz chegou aos 90 anos de idade assegurando que não gostava de escrever, fazendo-o apenas para se sustentar. Ela recorda que começou a escrever para jornais desde cedo, nunca mais parando de produzir, embora considerasse bem pequeno o número de livros que publicara. “Para mim, foram só cinco, (além de O Quinze, As Três Marias, Dôra, Doralina, O Galo de Ouro e Memorial de Maria Moura), pois os outros eram compilações de crônicas que fiz para a imprensa, sem muito prazer de escrever, mas porque precisava sustentar-me”, recorda-se. 'Na verdade, eu não gosto de escrever e se eu morrer agora, não vão encontrar nada inédito na minha casa'.”

REFERÊNCIAS

Castro Gomes, Angela – Escrita de si, escrita da história – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. 380p.

Halbwachs, Maurice - A memória coletiva. São Paulo: Centauro editora, 2006. 224 p.

Releituras – resumo biográfico e bibliográfico – Rachel de Queiroz. Disponível em: <http://www.releituras.com/racheldequeiroz_bio.asp