ANÁLISE ESTILÍTICA DE ACARAÚ E O ACARAÚ: A CIDADE E O RIO E AS MONGUBEIRAS, POEMAS DE DIMAS CARVALHO

A Estilística é uma das disciplinas voltadas para os fenômenos da linguagem, tendo como objeto de estudo o estilo, na qual remete a uma difícil pergunta: o que é estilo?

Podemos dizer que o estilo é tudo aquilo que apresenta características peculiares. O autor George Mounin (1971) reúne as definições de estilo em três grupos: 1) as que consideram o estilo como desvio de norma; 2) as que julgam o estilo como elaboração e 3) as que entendem como conotação.

Já o estudioso Nils Erik Enkvist (1970) distribui as definições em seis grupos: 1) esilo como adição; 2) estilo como escolha; 3) estilo como conjunto de características individuais; 4) estilo como desvio da norma; 5) estilo como características coletivas e 6) estilo como resultado de relações entre entidades linguísticas.

Alguns outros autores também definiram o estilo como, por exemplo, Buffon que nos diz que: “o estilo é o homem”, podemos entender esse pensamento de Buffon como se o estilo fosse algo individual. Rémy de Gourmont o define como “pensamento”. Middleton Murray o encara como “a expressão inevitável e orgânica de um modo individual de experiência”. Dámaso Alonso diz que “o estilo é o que é peculiar e diferencial numa fala”.

Como podemos perceber, o estilo abrange uma gama de definições bastante ampla e que não são excludentes. Dessa forma, a fim de estudar o estilo do escritor Dimas Carvalho tomaremos como base as definições desses teóricos.

O presente estudo tem como objetivo analisar o perfil estilístico de três poemas específicos da obra Acaraú e Outros Países (2009). Neste ensaio, procuramos mergulhar fundo nessa obra desse escritor cearense para compreender detalhadamente a sua expressividade através da análise estilística, compreendendo o fascínio de sua obra durante o tempo e as surpresas que aparecem a cada estudo feito.

José Dimas de Carvalho Muniz nasceu em Acaraú, cidade do litoral norte do Ceará. Atualmente é professor de Teoria da Literatura na Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, fez sua estreia no gênero conto em 1993, com Itinerário do Reino da Barra. Em 2000 deu a lume Histórias de Zoologia Humana e em 2003 Fábulas Perversas (VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003), tem também em seus escritos livros de poesia.

As obras literárias de Dimas Carvalho têm sido objeto de análise por diversos críticos de todo o Brasil, como Miguel Sanches Neto, Ronaldo Cagiano, Ítalo Gurgel, Vicente Freitas, Batista de Lima, Jorge Pieiro, Inocêncio de Melo Filho.

Segundo Filho (online) a poesia de Dimas Carvalho não é só manifestação filosófica, transborda lirismo, encantamento e leitura própria da história e da mitologia. Sua poesia é também a expressão das suas reminiscências litorâneas, onde se percebe a relação que o poeta mantém com o ar, com o vento e com o mar. Isto talvez justifique a intensidade eólica que se faz na sua poética.

Diversas são as visões que norteiam a poesia de Dimas Carvalho, aceitáveis num plano metafísico ou existencialista. O poeta, no entanto, não busca a verdade, mas a verossimilhança que pode ser no contexto de sua literatura uma espécie de verdade interpretada pelo leitor.

A obra Acaraú e Outros Países, aqui utilizada como objeto de estudo, desde a sua primeira leitura, deixou-nos pensativos, pois aborda temas tão comuns ao nosso íntimo, tais como: a história da cidade de Acaraú, o Rio Acaraú, o amor, a fugacidade da vida, a efemeridade dos tempos, entre outros. O critério para escolha dos poemas foi propiciar uma leitura direcionada pelos estudos estilísticos.

Priorizamos uma análise dos dados expressivos mais evidentes através da exploração dos recursos da estilística da palavra. Podemos observar que os elementos utilizados por Dimas para emocionar; atingir o leitor e para que esse leitor compreenda a mensagem que ele quis passar estão presentes em toda a obra. Após uma leitura dos poemas que compõem a obra, foram escolhidos os poemas: Acaraú e O Acaraú: A cidade e o Rio e As Mongubeiras. Neles vemos algumas características do autor, como o lirismo; a consciência da efemeridade; o tempo das pessoas, das coisas; a solidão, a morte, a melancolia, a tristeza, reflexão filosófica, musicalidade, e sobretudo seu amor por sua cidade natal.

Como tudo é permitido ao poeta, Dimas Carvalho faz uso dessa liberdade poética tecendo todos os seus versos com letras minúsculas, negando-se à tradição poética que geralmente inicia os versos com maiúsculas. Seria uma inovação? Rompimento com as normas gramaticais, como definiu Georges Mounin sobre o estilo? O que se pode dizer é que o poeta é inventivo e se dá aos moldes da criação, tornando-se um escritor diferente e com estilo próprio.

ANÁLISE ESTILÍSTICA DA PALAVRA NOS POEMAS DE DIMAS CARVALHO

Consideramos como de maior relevância para a discussão dos resultados da pesquisa que subsidia este estudo a Estilística relacionada ao léxico (a do efeito causado pela palavra), ou seja, a Estilística da Palavra. A Estilística da Palavra estuda os aspectos expressivos das palavras ligados aos seus componentes semânticos e morfológicos, os quais não podem ser completamente separados dos aspectos sintáticos e contextuais (MARTINS, 2000). Com base nessa afirmação, analisaremos três poemas de Dimas Carvalho, como dito anteriormente fazem parte da obra Acaraú e Outros Países.

ACARAÚ E O ACARAÚ: A CIDADE E O RIO

no reino do Acaraú tudo é água

o rio nasce longe, corta sertões e serras, vence os

quilômetros,

arrasta árvore e gado, choupanas e pontes na fúria

das enchentes

o rio é imenso

o rio não tem fim

começa em cada um de nós, no choro dos meninos,

no suor dos lavradores,

na saliva das mulheres, estende-se em tentáculos,

conduz os homens,

cada um de nós a lama guarda a pegada,

na mistura de todos os pés nasce a fraternidade

que une os da ribeira num único povo

o rio é eterno

por ele se vai ao mar, a grande estrada incógnita,

onde circulam

os barcos lagosteiros em busca do ouro verde

o rio é um grande deus no mais nefasto dos meses,

deus indômito e arcaico, sedento de vítimas,

dadivoso e cruel, pai e padrasto

em suas águas as ninfas da cidade

fixaram residência a longo tempo

de lá contemplam as palmas dos coqueiros

e o esplendor do sol que no céu arde

velam por nós, pela felicidade

da urbe próxima e dos arredores

são as guardiãs silentes e invisíveis

desde o nascer da aurora ao pôr da tarde

e quando vem a noite comemoram,

nos seus palácios de ouro e de marfim,

festas há muito esquecidos

e a liquida floresta então farfalha

quando, entre luzes e ovações, caminham

os senhores de Olimpo redivivo

o rio nos dá tudo, o peixe e o nome,

pai de riachos inúmeros e de inúmeras lagoas,

de holandeses, franceses, portugueses, italianos, espanhóis,

fundamento da nossa existência, ponte líquida onde circula o sêmen da história,

memória instável e última da região

O poeta Dimas Carvalho, em seu poema Acaraú e O Acaraú: a cidade e o rio traça um paralelo entre a cidade onde nasceu com o rio que banha a mesma. O autor descreve as características do rio ao longo de todo o poema, exaltando as suas belezas e encantos e sua vasta riqueza pluvial. O poeta faz também referência a extensão do rio e diz que “o rio é imenso/ o rio não tem fim”. Como diz Martins (2000) o mais importante fator de afetividade é certamente o emprego da linguagem figurada, o que fica característico nas passagens citadas, pois é possível perceber o sentimento que o autor tem pelo Rio e pela cidade de Acaraú.

Além disso, faz uso da estilística lexical, através das metáforas para caracterizá-lo “o rio é um grande deus no mais nefasto dos meses,/ deus indômito e arcaico, sedento de vítimas,/ dadivoso e cruel, pai e padrasto”. Há também uma espécie de jogo de palavras com o nome da cidade e do rio, por ser o mesmo (Acaraú), só percebemos que o autor se refere ao rio através do uso do artigo “o” no título do poema. Ao afirmar que “no reino de Acaraú tudo é água” esse jogo com os o nome da cidade e do rio é finalmente exposto, porque o Acaraú refere-se à cidade que ao mesmo tempo é água, é rio. Há nesse momento uma fusão entre os principais elementos que compõem o poema, assim como todos os outros poemas que fazem parte dessa obra, a água e a cidade são fontes de inspiração para o poeta.

Algo que é próprio do estilo literário de Dimas é o uso recorrente a verossimilhança. O autor faz uso da verossimilhança no poema analisado ao falar da força que o Rio Acaraú possui em relação às enchentes que ocorreram em 2009 na cidade. Vale ressaltar que o autor escreveu esse poema no mesmo ano do acontecimento, na qual ele diz que “o rio nasce longe,/ corta sertões e serras, vence os quilômetros,/ arrasta árvore e gado, choupanas e pontes na fúria das enchentes”.

Na descrição da paisagem acarauense, o poeta utilizou adjetivos para caracterizá-la explicitando seus sentimentos, nas ideias passadas e mostrando a formação cultural da cidade. Consegue, por isso, maior força de expressão, sendo absolutamente original. Todo o seu poema é configurado metaforicamente, longo como o rio o Rio Acaraú. São os vocábulos que indicam a paisagem através de sua emoção nas palavras. Daí decorre a sensação visual do mundo físico que forma com todas as luzes e cores que o poeta nos leva a imaginar: “as palmas dos coqueiros/ e o esplendor do sol que no céu arde.”

No poema, como um todo, podemos perceber a presença de um certo nacionalismo ao falar do rio com tanta emoção, demonstrando que Dimas Carvalho tem um grande amor pela sua terra natal. Isso fica evidente nos seguintes versos: “o rio nos dá tudo, o peixe e o nome,/ pai de riachos inúmeros e de inúmeras lagoas,/ de holandeses, franceses, portugueses, italianos, espanhóis,/ fundamento da nossa existência, ponte líquida onde circula o sêmen da história,/ memória instável e última da região”. No fim desses versos que encerram o poema, Carvalho faz uma menção à historia da cidade ao falar da miscigenação da cultura de povos, “fundamento da nossa existência, ponte líquida onde circula o sêmen da história” que vieram para a cidade no século XVIII. O homem parece nascer das águas do rio ao afirmar que “o rio [...] começa em cada um de nós, no choro dos meninos”.

AS MONGUBEIRAS

eu, que vim de longe para aqui,

filha do bandeirante cearense,

toda a história desta terra eu vi

adaptei-me ao solo nordestino

e tornei-me eu mesma acarauense

assim quis o Destino

abraçada a este chão que me alimenta

e a este Rio que me dessedenta,

nem o tempo me vence

-filha do bandeirante acarauense

No poema As Mongubeiras de Dimas Carvalho, encontramos a história da vinda das árvores de mongubeiras para a cidade de Acaraú. De acordo com Dimas Carvalho (2009) as mongubeiras são:

árvores típicas da Amazônia que foram enviadas para cá pela Colônia acarauense do Norte, no tempo do “Ciclo da Borracha”. As que se veem atualmente na cidade de Acaraú foram plantadas em 1892. O mais interessante é que elas se adaptaram ao nosso clima e ao nosso solo e são hoje um verdadeiro patrimônio histórico e ambiental do Acaraú. (CARVALHO, 2009, p. 52 e 53)

Assim como os demais poemas que compõem a obra estudada As Mongubeiras, remete-nos a cidade natal do autor. Nisso, podemos perceber que algumas palavras usadas no poema como, por exemplo, “aqui”, “desta terra” e na frase “e tornei-me eu mesma acarauense” fazem referência ao lugar onde o eu lírico se encontra. Dessa forma, Dimas demonstra um sentimento de amor a sua terra natal.

O poeta faz uso de estratégias no discurso para provocar certa impressão na interpretação de seu leitor. Uma das estratégias utilizada por Dimas são as figuras de linguagem que são considerados instrumentos expressivos. Um exemplo da utilização da figura de linguagem está nas seguintes passagens do texto: “abraçada a este chão que me alimenta” e “e a este Rio que me dessedenta”. O poeta faz uso da personificação ou prosopopeia que constitui a ação de conferir a seres inanimados ou para os animais emoções ou atos específicos ao ser humano. Considerando que o texto fala de uma árvore, poderemos entender que o ato de abraçar não poderá ser executado pela mesma e o rio tão pouco poderá saciar sua sede.

Porém, conceder atos humanos a mongubeira e de forma inferencial ao rio, é algo que poderá expressar um sentimento ao leitor do texto, principalmente, aquele leitor conhecedor da história de Acaraú. Essas características dadas a árvore da mongubeira são intencionais e peculiares a obra carvalhiana, caracterizando assim o estilo do autor que é apaixonado pelo rio, pelas mongubeiras e principalmente por Acaraú. Vale ressaltar que, segundo Martins (2000), é praticamente impossível delimitar valor expressivo das figuras apenas à palavra, pois mesmo que a expressividade se concentre em determinada palavra, ela só é apreendida pela relação sintático-semânticas, ou seja, faz necessário a relação da palavra com outros elementos que compõem a frase.

Para aumentar a expressividade do poema, Dimas também utiliza como recurso expressivo a inversão da ordem normal das palavras para dar mais realce ao seu pensamento, o que pode ser percebido no seguinte trecho: “toda a história desta terra eu vi”, este recurso recebe a denominação de anástrofe. A ordem sintática convencional seria: “eu vi toda a história desta terra”, porém com a intenção de provocar um sentimento para o leitor de amor pela sua cidade de origem e de alguém que fala com prioridade sobre o assunto, ou seja, um conhecedor da história da mesma, o autor de forma proposital faz a inversão e mais um faz marca seu estilo irreverente.

Por fim, podemos observar que no poema As mongubeiras de Dimas Carvalho, há uma série de recursos estilísticos ou traços estilísticos. De acordo com Pierre Guiraud (1970 apud PARENTE,2008, p. 94), traço estilístico é uma marca pessoal no uso da língua, escrita ou falada. Os traços estilísticos de Dimas, ou seja, o conjunto de características especificas do autor, são: a personificação, anástrofes, a utilização de letras minúsculas no início dos versos dos poemas, entre outros.

O estudo das poesias de Dimas Carvalho permitiu o estudo de algumas particularidades expressivas de sua obra, ressaltando-se a presença marcante da subjetividade em seu estilo. Num momento decisivo, a obra carvalhiana parece sustentar as marcas do etéreo e do atemporal, do particular (o espiritualismo do autor, por exemplo) e do universal (a própria poesia). Esta subjetividade é universal, visto que os poemas parecem refletir no papel as dores e as angústias de toda a humanidade. Além disso, Dimas nos faz refletir sobre existência, tão efêmera, traduzida por ele, que faz uso de imagens sensoriais para a visualidade poética de seus temas.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Dimas. Acaraú e Outros Países. Sobral, 2009.

FILHO, Fortuna de Melo. A poesia de Dimas Carvalho. Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/dimascarvalho1.html. Acesso em 09 de agosto de 15.

MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à estilística: a expressividade da língua. 3ª ed. ver. aum. São Paulo: T. A. Queiroz: 2000.

ENKVIST, Nils Erik. et alii. Linguística e estilo. Trad. De José Paes e de Jamir Martins, São Paulo, Cultrix, 1970.

MOUNIN, Georges. Chefs pour la linguistique. ed. rev. e corrigida. Paris, Seghers, 1971.

PARENTE, Maria Cláudia Martins. O Domínio da Estilística: num convite a pesquisas e criações autônomas. Goiânia, 2008.

Daniel Freitas Galvão e Samara Ferreira
Enviado por Daniel Freitas Galvão em 02/09/2015
Reeditado em 02/09/2015
Código do texto: T5368449
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