O SEGREDO DOS SEUS OLHOS – CRÍTICA (El Secreto de Sus Ojos, Argentina, 2009)

Como odiamos amar os argentinos! Ou, como amamos odiá-los! Estas incongruências e contradições afetivas sempre vêm à baila quando falamos de futebol... Ou de cinema. A velha rivalidade, que sempre se repete em discussões intermináveis no mundo da bola, nas figuras de Maradona e Pelé, ou de Messi e Neymar. Quem foi o maior do mundo? Quem é o melhor do mundo? Qual país produz mais craques para o famoso esporte bretão? Também, no que diz respeito ao cinema, perguntas similares são pertinentes: O cinema argentino é melhor que o brasileiro? Os nossos “hermanos” são mais habilidosos e mais craques no que diz respeito à sétima arte?

Obviamente que não me atrevo a responder tais perguntas, embora “los hermanos” estejam em nossa frente, se o placar for marcado em termos de Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, por exemplo, já que o filme abordado aqui foi o vencedor de tal premiação em 2010, além de “A História Oficial” (La Historia Oficial, Argentina, 1985) ter sido vitorioso em 1985. Ou seja, 2x0 para a terra de Evita e de Perón. E, confesso que sinto meu coração pender ao lado rival sempre que assisto a uma obra como “O Segredo de Seus Olhos” (El Secreto de Sus Ojos, Argentina, 2009), um filme belíssimo, dirigido por Juan José Campanella, misto de gêneros entre o suspense policial e o romance, com pitadas do passado político de totalitarismo e violência de Estado usurpando a justiça, comum a “nosotros” sul-americanos.

Na trama, o astro argentino Ricardo Dárin é Benjamin Esposito, um oficial de justiça aposentado, que com seu tempo livre, dedica-se a escrever um livro sobre um caso em aberto no passado, onde uma bela jovem foi vítima de estupro e assassinato. Mergulhamos, então, em suas memórias, em flashbacks que nos levam ao ano de 1975, onde Benjamim Esposito trabalha em um Departamento de Justiça em Buenos Aires, juntamente com seu amigo Pablo Sandoval (Guilhermo Francela) e sua paixão platônica e chefe imediata Irene Menendez (Soledad Villamil), no gabinete do juiz Fortuna Lacalle (Mario Alarcón). Entre idas e vindas ao passado, acompanhamos a investigação do caso do assassinato por parte de Benjamin Esposito e Sandoval, e os impasses na vida afetiva do personagem de Rircado Dárin e sua chefe Irene, um amor contido, nunca vivido e calado pelos dois, que se iniciou nos idos de 1975 e volta à tona nos dias atuais, ao se reencontrarem depois de anos afastados, ele aposentando, ela, agora, uma promotora de justiça.

A trilha sonora do filme é composta de canções belas e ternas, que ressaltam a solidão dos personagens de Dárin e Villamil, apaixonados, mas distantes em suas escolhas e silêncios. Tal atmosfera nos faz torcer, nas seqüências de flashbacks, para que os dois verbalizem o quanto se amam; mas sabemos, nos momentos em que o filme se passa no presente, que este encontro não irá acontecer, pelo menos não naquele ano de 1975. Esta distância e desencontro se evidenciam não só nos silêncios, mas nos olhares trocados por Esposito e Irene.

O filme é repleto de seqüências, planos e enquadramentos arrebatadores, e não se pode deixar de apontar o aparente plano seqüência no estádio do Huracán, clube de futebol portenho, de quase cinco minutos, como uma verdadeira obra de arte. O plano começa em aberto, do alto dos céus de Buenos Aires; a câmera se aproximando do estádio de futebol lotado, com a locução de um narrador de futebol descrevendo exatamente o lance do jogo captado pela câmera. Esta desfila por cima de todo estádio, aproximando-se de uma arquibancada que fica por detrás de uma das traves, chegando até o meio da torcida, onde se encontram Benjamim Esposito e Pablo Sandoval, entre os torcedores, procurando Isidoro Gomez (Javier Godino), o assassino da jovem vítima do caso que investigam. Os dois encontram Javier Godino no meio da torcida e segue-se uma perseguição entre as arquibancadas e os interiores do estádio, finalizando com a interceptação de Isidoro pela polícia, dentro do campo, finalizando a seqüência. Na época do lançamento do filme, esta seqüência causou tanto espanto, tal seu grau de perfeição, dificuldade de execução, beleza e tempo de duração; que o diretor Campanella foi bombardeado de questionamentos pela crítica e imprensa especializada acerca de sua realização e acabou admitindo que, na verdade, não se trata de um plano seqüencia, mas que tal cena demorou oito meses de preparação, três dias de filmagens e conta com oito tomadas. De todo modo, são quase imperceptíveis os cortes e a seqüência é extraordinária.

Um pouco antes desse momento do filme, em uma seqüência onde o marido da vítima, Ricardo Morales (Pablo Jago) telefona para a mãe do assassino de sua esposa, tentando obter o endereço dele, vemos também um extraordinário enquadramento e movimento de câmera, que se inicia com o personagem sendo enquadrado de longe, por detrás de uma parede, ou móvel, como se o espectador estivesse observando aquela cena escondido. Aos poucos, na medida em que a conversa entre Ricardo Morales e a mãe de Isidoro Gomes transcorre ao telefone, e esta vai fornecendo informações sobre o filho, a câmera vai se movendo lentamente, saindo de trás da “parede”, e se aproximando aos poucos de Ricardo Morales e nos fazendo “presentes” no sofrimento e nas intenções do viúvo.

O filme segue assim, proporcionando planos, enquadramentos e seqüências exuberantes, sempre acompanhadas de uma trilha sonora tocante, compondo um filme grandioso e extremamente belo e sensível. Um legítimo representante de um cinema que é impossível não amar, mesmo que o odiemos, mesmo que uma pontinha de inveja se instale em nosso coração. E aí, ao menos no cinema, deixando Pelé e Maradona, Neymar e Messi de lado, parece-me que os argentinos estão ganhando esta peleja. Não de goleada, é um jogo duro, afinal temos nossos craques também. Talvez um, ou 2x0 (lembremos do Oscar!), sei lá. Os caras, no trato da sétima arte, sem dúvida nenhuma, batem um bolão!

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 19/10/2016
Reeditado em 26/11/2018
Código do texto: T5796376
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