Lima Barreto um militante

Nas crônicas “Amplius” e, “O destino da literatura”, Lima Barreto deixa transparecer sua intenção de uma literatura militante e faz questão de mostrar que a literatura não deveria ser apenas uma atividade de lazer, mas também um elo que faz a ligação entre o social, o político e as ciências, entre tantos outros temas abordados pelo autor. Sendo assim, pode-se perceber tanto nessas crônicas quanto em outras obras do autor uma posição de enfrentamento aos literatos de sua época, literatos esses que Lima Barreto acusava de pedantes, oportunistas e demais adjetivos, pelo fato de que esses literatos se utilizavam, segundo Lima Barreto, da literatura para atingir fins próprios e isso na visão do autor não era apropriado, pois apesar de a literatura ser uma arte, a mesma, deveria ser utilizada também com um fim social. Ele acusava os literatos de se utilizarem de uma linguagem com influências arcaicas e de se utilizarem de termos clássicos para demonstrar erudição. Para base de seus argumentos Lima Barreto utilizava-se de literatos como Tolstói, Dostoiévski entre outros autores de sua predileção.

A militância de Lima Barreto não se limitava apenas à autores literários de sua época, ela também esbanjava críticas políticas, como é o caso de se analisar a obra “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”. Nesse romance o autor se utiliza de um personagem patriota e ufanista que decide tentar interferir nos meios cultural, político e social. Isso ocorre com a tentativa do major Quaresma de que no Brasil se falasse como língua oficial o tupi-guarani, a tentativa de se convencer as classes médias emergentes no período, de que as modinhas de violão estavam entre os elementos mais genuínos da música brasileira e também quando ele vai visitar uma senhora negra da época da escravidão para tentar trazer de volta as canções antes entoadas por escravos. Mas o que realmente está presente em todo o romance é uma crítica aguda ao sistema republicano com seus conchavos, suas negociações espúrias e o mandonismo de poderosos locais que da mesma forma de antes da implantação da República, continuavam sendo os mandatários nas diversas regiões do Brasil. O tom máximo de sua crítica é quando Quaresma que idealiza até então Floriano Peixoto como um eminente líder e capaz o suficiente de fazer com que a República se erga de maneira assaz e se coloque em busca de ser uma digna nação republicana, quando se vê frente ao presidente, Quaresma percebe que Floriano além de lânguido, governa visando interesses próprios. Lima finaliza o romance com a execução do Major Quaresma feita pelo pelotão da República e com isso deixa sua crítica à ditadura que ocorreu no período do presidente militar. Crítica essa, que não se encontra apenas aos governos militares, mas a todos os outros governos que Lima Barreto pôde presenciar.

No conto “Como o homem chegou”, Lima Barreto conta a saga de uma viagem de Manaus até o Rio de Janeiro para que fosse trazido um homem (Fernando), que por muito estudar astronomia, era considerado louco por “autoridades” científicas e “sábios” da região onde morava. Nesse conto ele elenca uma série de elementos que representariam as ciências, sejam elas biológicas, humanas ou naturais, também aborda a questão política, sempre de forma irônica e trazendo implicitamente sua crítica a políticos que governam em interesses próprios e a partidos que tem como finalidades não fazer nada, seja a posição ou a oposição, e também critica ironicamente a polícia e o governo. O conto começa relatando que a polícia presta um bom serviço à população e que esse serviço é prestado igualmente tanto ao povo quanto aos abastados e políticos em geral. Posteriormente ele “brinca” com o nome do delegado (delegado Cunsono), que tinha a preocupação de que no vilarejo (de caráter idílico) não houvesse prisões de indivíduos. Vilarejo esse que segundo o texto não havia necessidades de portas ou janelas, só as haviam por conta de imitarem o Rio de Janeiro (capital do Brasil à época). Uma das preocupações do delegado (sem contar o medo de perder o emprego), era de que se não houvesse prisões, não se poderia considerar que a civilização havia chegado ao local. Acontece que por interesses próprios, ciúme de pseudos sábios e para mostrar serviço, as autoridades transportam em um carro de ferro feito para transporte de “loucos”, inovação tecnológica na época, de Manaus ao Rio de Janeiro, Fernando (que ao fim de quatro anos de viagem trancado no carro de ferro) chega morto ao Rio de Janeiro, um homem pacato, honesto e que tinha por hábito estudar os astros; isso foi considerado por todas as “autoridades” locais uma loucura e uma afronta. E acima de tudo a crítica está feita ao Estado, que com sua força e necessidade de fazer com que a “civilização” se faça presente, busca resolver as coisas de forma truculenta, quando não, sorrateiramente.

Há também no romance “Recordações do escrivão Isaias Caminha”, diversos episódios em que o autor critica veementemente o Estado e a forma como a política é feita. Uma das cenas é quando Isaias Caminha, um jovem negro que chega do interior ao Rio de Janeiro cheio de expectativas sobre a cidade e a “civilização”, vai à Câmara ansioso por ouvir os debates políticos, as proposta que seriam feitas pelos deputados e assim entender melhor tanto de política quanto o país em que vive, ao entrar na Câmara, ele se depara com deputados falando sozinhos na tribuna enquanto outros conversam sobre temas banais, alguns dormem e outros estão de costa para o orador. Esses são alguns dos muitos texto em que Lima Barreto revela sua visão sobre a sociedade da época e apresenta suas críticas muitas vezes de forma irônica, outras com textos que refletem total indignação com os rumos tanto da sociedade quanto da política que é apresentada por ele como um degrau a ser galgado rumo aos interesses de pessoas demagogas que não tem como propósito nem melhorias para a população muito menos visam o efetivo exercício do poder político. Poder esse que chega aos pobres de maneira forte e impetuosa quando se trata de punições. Nesses e em outros textos Lima Barreto mostra uma República negligente quanto aos seus deveres e presente quando se trata de cobrar de cidadão comuns.