SOBRE UM LIVRO AUSPICIOSO

Sobre um livro auspicioso

“Para compreender a lógica dos sonhos na atualidade, é preciso contemplar sua enorme diversidade, as especificidades culturais e a articulação com o contexto de ocorrência em que se encontra o sonhador”. Sidarta Ribeiro. São Paulo, 2019. O RÁCULO DA NOITE. Companhia das Letras.

Sonhei com um bebê, tentando caminhar rápido e abrindo os braço em minha direção, sem muita coordenação, em um movimento típico de uma criança próxima ao seu primeiro ano de vida. Eu o abracei, falei palavras acolhedoras e percebi que ele estava com a fralda molhada. Esse sonho me comoveu. É que meu pai é idoso e está hospitalizado em UTI e, aparentemente, não responde a estímulos externos. Podemos visitá-lo apenas durante 30 minutos a cada dia, pois a nossa família é numerosa, por essa razão, revezamo-nos em dois a cada dia. Edneuda Pinto. Fortaleza, 11/11/2020.

Os sonhos têm sido comuns em nossas experiências humanas, desde os primórdios da nossa existência na terra. Isso justifica o interesse de estudiosos explorarem essa área, pois é inevitável considerar a palavra sonho em nossas rotinas. Entretanto, o seu conceito mudou, ao longo de nossa história, em consonância com os acontecimentos sociais que permeiam as nossas vidas. Essas observações se devem a estudos de historiadores, teólogos, filósofos, psicanalistas e neurocientistas, como o nosso escritor Sidarta Ribeiro.

Em seu livro O Oráculo da Noite, o autor nos fala que em determinado momento da nossa evolução social, governantes acreditavam que os sonhos deveriam ser cumpridos estritamente conforme se lhes apresentavam, ao passo que os supriam de informações sobre seus antepassados. Por isso, era comum a dedicação extrema à prática de sonhar e concretizar as imagens oníricas, conforme esses líderes eram ordenados e orientados nessas experiências, realizadas com o fim de se aplicarem suas ações governamentais. Sofrimento, morte, oferendas, sacrifícios, estratégias de guerra, foram experimentados nessa busca. Os governantes se dedicavam a práticas espirituais quase exaustivas, através de transes ou de sono induzido, jejuns e outras práticas que pudessem levá-los a sonhar e vivenciar sua vigília, administrando o seu lugar e seu povo em delírio real e de poder.

Entretanto, a escrita diminuiu essa frequência, tornando possível conhecer a vida e desejos dos ancestrais para o bem de suas civilizações, através da leitura e da escuta de relatos, sem ser mais necessário deslocamento onírico.

Os deuses já não conseguiam resolver os problemas, então buscou-se a introspecção e o autoconhecimento, a partir dos sonhos, ao passo que se estabelecia a interface entre eles, entre a verdade da vigília, do pensamento vigoroso e as expectativas do sonhador, sendo esta a nova chave para a resoluções de problemas, envolvendo os sonhos como conseqüência dos reflexos das emoções e contexto geral da vida dos humanos.

Na adolescência, por exemplo, é comum sonharmos com ambiguidade de afetos, ansiedade social, contradições dos desejos, dúvidas, conflitos internos, alternância entre papéis passivos e ativos nas relações, amor ou desamor, medo de rejeição, mistura com as representação dos pais, fusão entre conhecidos e desconhecidos, mudanças repentinas de lugares e pessoas e mistura de emoções reais com a gênese onírica. Conforme este cientista, os sonhos são finos sensores das mudanças de curso dos afetos, mesmo quando este não são visíveis a olho nu.

No que se diz respeito a rompimentos amorosos, percebem-se nos relatos oníricos de recém separados, despertadas durante o sono REM, temas como a morte, a perda e satisfação de desejos de reatar, seja com o ex-cônjuge ou com a substituição deste por outra pessoa. Ações reprováveis, como a culpa, por exemplo, podem aparecer em nossos sonhos, após o falecimento de pessoas queridas e isso pode resolver ou complicar os nossos problemas emocionais. Durante a gestação, devido à expectativa, é comum os pais sonharem com separações, medo, abandono, fracasso, agitação, falas da criança já nascida. Já os homens estreantes na paternidade, começam a sonhar mais tarde do que os que já passaram por esta experiência. O medo, a dor e a solidão estão relacionados ao parto e podem perdurar após o evento.

O fato é que, cada episódio de sonho é uma elaboração particular da atividade elétrica do cérebro que pode ser interrompida a qualquer momento. Ela pode ainda persistir com reverberações oníricas ou se desenvolver num amplo raio de possibilidades, dependendo da relação emocional entre causa e sonho. O nosso pesquisador explica, de forma científica e detalhada, como acontece esse processo dentro de nosso cérebro, o que faz deste texto apenas uma tentativa de se aproximar da magistral obra O Oráculo da Noite.

Professora Edneuda Pinto.

Claraliz Almodova
Enviado por Claraliz Almodova em 24/11/2020
Código do texto: T7119727
Classificação de conteúdo: seguro