Uma análise possível do filme "Luca"

Filme: Luca

Direção: Enrico Casarosa

Ano: 2021

Contém Spoiler.

Uma leitura possível é a do processo evolutivo de nossa espécie, que sai da água e começa a se aventurar na terra, adaptando-se pouco a pouco ao novo ambiente. Aqui vale mencionar uma explicação pedagógica a este respeito, retratada na série "Cosmos".

Este ser (representado por Luca) que começa a evoluir é atraído por Alberto, uma figura de saber mais avançado, menos ingênua, que já deu um passo na direção da civilização, que é mais bélica, instintiva e construtora de narrativas mitológicas (como a explicação das estrelas, chamadas por ele de anchovas), ao modo das antigas religiões. No primeiro momento, Alberto insere Luca no campo da linguagem, ensinando-lhe palavras e expressões novas. Ambos demonstram um impulso em direção ao avanço tecnológico que pode oferecer outra forma de liberdade (expressa no desejo pela motocicleta, a Vespa).

Há, entretanto, o encontro com Giulia, que evoca em Luca o interesse pela ciência - a cena do telescópio parece aludir à Galileu, considerado o pai da ciência moderna, inclusive acontecendo na Itália, berço do Renascimento - e pelos saberes formais, que explicam o universo à luz da racionalidade, como faz Giulia, ao explicar o que são as estrelas, os planetas, o sol e seu sistema, a galáxia etc.

Luca aspira ler livros e entrar na escola (academia) para estudar com Giulia, numa demonstração de sua sapiência.

Em algum momento, o saber tradicional (Alberto) entra em conflito com o saber científico (Giulia), fazendo necessário ao ser em evolução (Luca) escolher seu caminho, o que é bastante simbólico na cena do trem deixando para trás Alberto, que não pode acompanhar Luca, mas que se fará sempre presente em sua vida, como o diz na despedida.

No plano mais imediato, a história parece se ocupar com questões importantes: aceitação, estranhamento de si e do outro, integração de uma "natureza dividida", amizade e superação de limites e preconceitos.

De Darwin à Galileu, de narrativas míticas ao discurso científico, da natureza à cultura: filmes despretensiosos costumam não ser só isso.