Sobre A VIDA COMO ELA É

A VIDA COMO ELA É

Do frenético universo das redações dos jornais surgiria um dos mais vibrantes escritores brasileiros: Nelson Rodrigues. Nascido em Pernambuco, mas desde criança radicado no Rio de Janeiro, conviveu com inusitadas figuras do submundo da cidade: frequentadores habituais das páginas policiais e dos necrotérios, que ele conseguiu flagrar e caricaturar em suas personagens, desvelando o que há de mais torpe nas intrincadas relações humanas. Acostumado à exigência jornalística de criar o melhor texto, no menor tempo possível, ocupando o menor espaço e, como se não bastasse, com criatividade, Nelson tornou-se um mestre do conto curto, das personagens intensas, das frases de impacto, dos epílogos inesperados. Desde o ano passado, quando foi iniciada a republicação da sua obra completa em prosa, Nelson Rodrigues tornou-se a minha "flor de obsessão", utilizando uma de suas figuras de linguagem preferidas. O livro A VIDA COMO ELA É, reúne uma seleção de 100 dos vários contos publicados nos jornais cariocas Última Hora, na década de 50 e Diário da Noite, na década de 60. Na maioria deles – ansiosamente aguardados pelos leitores, a cada semana - um triângulo amoroso ou uma paixão mal resolvida e um desfecho trágico: o óbvio ululante. Como aquele craque que sempre dava o mesmo drible, Nelson conta sempre uma mesma história, em centenas de formas diferentes e finais inusitados: as histórias dos nossos erros e fraquezas. Nenhum outro autor conseguiu explorar com tamanha habilidade os perfis psicológicos, penetrar tão profundamente e revelar seu inconsciente, extraindo de lá toda a gama de complexos que nos caracterizam como somos: ciúmes, traições, mentiras, medos, desejos, vinganças, desprezos, frustrações, ódios, violência, sexo... Eros, Tânatos, todos os deuses, todos os mitos representados por nós, essas pessoas comuns e mortais que se apinham nos ônibus e trombam nas ruas, nossos palcos. Não é à toa que Nelson já vem sendo chamado de o Shakespeare brasileiro. Dizia ele que o homem não nasceu para ser grande, pois um mínimo de grandeza já o desumaniza. Mas, inversamente, por ser tão demasiado humano é que ele foi tão grande e tão verdadeiro ao desnudar a nossa alma. Por nos revelar como realmente somos, Nelson, eu também não te perdôo a verdade.

(publicado na seção Olho Crítico do jornal Tribuna da Bahia, em 03/11/2007)

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