Falso Amanhecer de EDITH WHARTON

A novela FALSO AMANHECER foi publicada em Português, no passado mês de Maio (de 2022),

pela editora GUERRA E PAZ.

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"Falso Amanhecer" é uma novela da conhecida escritora estadunidense Edith Wharton. Faz parte da colectânea “Old New York”, publicada em 1924. Esta colectânea é composta pelos seguintes títulos: False Dawn, The Old Maid, The Spark, New Year's Day (1)

1)- A época em que nasceu Edith Wharton

EDITH Wharton é uma escritora estadunidense. Nasceu em 1862, em Nova Iorque, no ambiente da alta burguesia, na época conhecida como a 'Guilded Age'.

'Guilded Age' talvez seja uma designação menos conhecida do que 'Belle Époque' ou 'Aestheticism'. (2). Mas estas designações dizem respeito à mesma época, situada entre as décadas de 1870s e 1900/1914. Embora a época tenha designações diferentes dos dois lados do Atlântico, ela caracteriza-se, tanto na alta aristocracia europeia como na alta burguesia estadunidense, pelo mesmo tipo de cultura, gostos, e preconceitos, mas também por grandes progressos tecnológicos, sobretudo o domínio da energia a vapor (3):

A primeira locomotiva foi construída em Inglaterra, entre 1822 e 1825, e a linha férrea correspondente data de 1825. Os comboios desenvolveram-se com espantosa rapidez, e foram um elemento primordial de incentivo ao progresso pois tornaram possível uma mais rápida e eficaz deslocação das pessoas, fosse para fins económicos, fosse para fins culturais e recreativos. O primeiro navio comercial movido a vapor data de 1807, nos EE UU, e na Europa, data de 1812. Há ainda o grande domínio do "ferro", o que provoca grandes esperanças de progresso. ​Um exemplo dessa eufórica esperança é a construção da Torre Eiffel, construída para funcionar como entrada para a Feira Mundial de 1889.

Entre os romances (europeus e americanos) que tentam reconstituir a vida quotidiana destas três ou quatro últimas décadas do século XIX e as duas primeiras do século XX, figura o romance desta mesma escritora – Edith Wharton – que foi transposto para o cinema por Martin Scorcese, em 1993: “THE AGE OF INNOCENCE”, maravilhosamente interpretado por Michelle Pfeiffer e Daniel Day-Lewis.

Apesar de haver tanta documentação áudio e vídeo sobre a época dessa transição do século XIX para o século XX, procurei na Internet algum tipo de documento que nos desse uma ideia do que teria sido a vida quotidiana nesta época. Felizmente, encontrei este vídeo, muito interessante, que nos permite imaginar como terá sido a rua onde EDITH WHARTON nasceu, e o seu agitado movimento:

What happened on Twenty-third Street, New York City

https://www.loc.gov/item/00694379/

2- A época retratada por Edith Wharton

O conhecido romance “A Idade da Inocência”, e a referida colectânea “Old New York”, foram publicados, respectivamente, em 1920 e 1924.

Teria sido HENRY JAMES, amigo de EDITH WHARTON, quem a teria incentivado a escrever sobre a sociedade nova-iorquina dessa época, por ela a conhecer tão bem!

3- Aspectos salientes desta novela

= As personagens

Para nos dar uma ideia de um dos múltiplos aspectos que poderiam definir a sociedade da alta burguesia nova-iorquina, a Autora apresenta-nos uma família tradicional – isto é, patriarcal – religiosa, bem-comportada, e endinheirada:

O pai, o Sr. Raycie, é um homem prepotente, egoísta, e narcisista... A autora dá a entender que a riqueza dessa família provém da herança da esposa. No entanto, essa fortuna é administrada e usada pelo Sr. Raycie... O Sr. Raycie domina a família. Mantém todos sob o seu domínio, nomeadamente o filho, o herdeiro, Lewis Raycie.

Mas... como “narciso” que é, quer que o filho assuma a notoriedade social e cultural que ele não pôde atingir. No entanto, ainda como “narciso” que é, ele faz sentir ao filho todo o poder da sua mão-de-ferro... intimidando-o e inferiorizando-o...

= A hereditariedade

Este é um dos aspectos da novela que nos faz situá-la no período que em Literatura se classifica como REALISTA / NATURALISTA – a corrente literária que caracteriza o ROMANCE em finais do séc XIX...

O casal Raycie tem três filhos – Lewis, Sarah Anne, e Mary Adeline. Há ainda uma jovem, adoptada, com quem Lewis virá a casar.

Vemos que Lewis e Mary Adeline são pessoas delicadas, sensíveis, generosas, como a mãe.

E vemos que Sarah Anne é ríspida, como o pai. Nos momentos de tensão familiar, ela “ergue as sobrancelhas características dos Raycie” (pág 77).

= A Crítica social - O nível cultural desta sociedade e o sentido

de observação da Autora

Tal como o ítem anterior (sobre a Hereditariedade), este ítem também nos situa na corrente REALISTA do ROMANCE dos finais do século XIX.

É aqui que admiramos a subtileza da observação social e a ironia de Edith Wharton.

O pai Raycie quer que o filho Lewis aproveite o GRAND TOUR, a viagem pela Europa, para adquirir uma série de quadros dos pintores mais notáveis, para, no seu regresso a Nova Iorque, poder instalar uma galeria de Arte, sob o seu nome – uma galeria de Arte que leve e perpetue o seu próprio nome!

Lewis parte em viagem para a Europa, para completar a sua educação.

O pai incumbe-o de trazer quadros representativos do que há de mais notável na Europa! E quer, pelo menos, um quadro de Rafael!

Lewis vai recomendado a bons conselheiros em Londres... Viaja por França, por Itália. Faz amizade com quem possa aconselhá-lo sobre as manifestações de Arte europeia do seu tempo! E claro, no seu regresso, traz quadros dos notáveis pintores da época, pintores como Dante Gabriel Rossetti, expoente do Aesthticism inglês...

...MAS

...Mas Lewis não recebe aplauso algum do pai... O pai queria pintores como Rafael – um pintor do Renascimento italiano, um pintor que “pertence” à cultura italiana, um pintor que jamais poderia estar à venda...

No final, veremos que o Sr. Raycie não passa de um ricaço ignorante... O desapontamento do pai Raycie e a derrota do filho Lewis são muito bem descritos pela pena desta autora, irónica para com a teimosa ignorância do pai e solidária para com o interesse e sensibilidade do filho...

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Quanto ao título , esta novela revela o olhar céptico da autora quanto à sociedade do seu país... Este Sr. Raycie , e o público que visita a exposição de Lewis, representarão uma camada da sociedade nova-iorquina, e norte-americana, bem sucedida nos negócios... mas indiferente às manifestações culturais mais actualizadas, da sua época... Segundo esta novela, o conflito entre o Sr. Raycie e o filho, representaria uma triste entrada no século XX... um falso amanhecer do século XX... O século XX que se iniciara com tanto progresso técnico mas que continuava tão pouco aberto à renovação e inovação cultural...

4- O "final"

Não vou revelar mais nada, para não tirar o interesse à leitura.

Mas o final é digno de ser bem observado! Pelo que, esta NOVELA participa da característica que define os CONTOS: o seu final inesperado.

Daí que muitos editores se mostrem indiferentes à distinção, meramente teórica, e pouco funcional, entre CONTO e NOVELA...

5- O “GRAND TOUR” – a “grande viagem”

Edith Wharton dá-nos uma ideia do que era, e como era preparado o “grand tour”. Aqui reside uma das particularidades que mais me chamou a atenção, nesta novela.

Desde longa data, nomeadamente desde o século XVII, que era hábito das grandes famílias europeias, enviarem os seus filhos (filhos-masculinos... não as donzelas...) a efectuarem viagens pela Europa e Próximo Oriente, como complemento da sua educação (4). Era o chamado GRAND TOUR. Era imperioso conhecer a Inglaterra, a França, a Itália – e sobretudo Nápoles, pois as ruínas de Pompeia e Herculano tinham sido descobertas no século anterior (5), e além de grande novidade, desenterravam um Passado que se tornava apaixonante conhecer tão de perto quanto possível!

Esta novela anda em volta desse “grand tour”... Vemos como a família oferece um jantar de despedida antes da partida de Lewis... Vemos como o pai lhe providencia cartas de recomendação para o seu agente em Londres... Vemos como Lewis tem o cuidado de se informar sobre os artistas europeus que melhor poderiam ilustrar a cultura do seu tempo!

Este aspecto desta novela, é quanto a mim, muitíssimo interessante!

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NOTAS:

(1):

Sobre o conceito de NOVELA, e as características que a distinguem do CONTO e do ROMANCE, poderá ver o capítulo 18 em Teoria Literária.

(2):

Estas décadas de 1870 a 1910 (ou 1020) recebem designações distintas nos diferentes países. No entanto, dizem respeito à mesma corrente cultural:

Na Europa, são designadas de Belle Époque, em França, e de Aestheticism em Inglaterra; nos Estados Unidos, são designadas como Gilded Age:

Gilded Age – 1870s – c. 1900

https://en.wikipedia.org/wiki/Gilded_Age

The Belle Époque or La Belle Époque – 1871/80–1914

https://en.wikipedia.org/wiki/Belle_%C3%89poque

Aestheticism

https://en.wikipedia.org/wiki/Aestheticism

(3)

A primeira locomotiva foi construída em Inglaterra, entre 1822 e 1825, e a linha férrea correspondente data de 1825. Os comboios desenvolveram-se com espantosa rapidez:

https://pt.wikipedia.org/wiki/George_Stephenson

O primeiro navio comercial movido a vapor data de 1807, nos EE UU, e na Europa, data de 1812.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Navio

Há ainda o grande domínio do "ferro", o que provoca grandes esperanças de progresso. Um exemplo disso é a construção da Torre Eiffel, construída para funcionar como entrada para a Feira Mundial de 1889:

https://www.eiffeltickets.com/pt/history/?gclid=EAIaIQobChMIzPCxt-KI-QIVtIBQBh0QfgxZEAAYASAAEgKSj_D_BwE

4)

Temos um exemplo disso na História de Portugal.

O Infante D. Pedro, (1392-1449), como complemento da sua educação, efectuou, já no século XV, uma longa viagem de cerca de 7 (sete) anos. Visitou a Terra Santa, a Terra do Preste João (a Etiópia), a Itália... Recebeu o título da Duque de Treviso que lhe foi concedido pelo Imperador da Hungria e em Inglaterra foi investido cavaleiro da Ordem da Jarreteira.

(5)

As ruínas de Herculanum começam a ser exploradas cientificamente em 1738, e as de Pompeia em 1748.

Myriam

20 de Julho de 2022

Myriam Jubilot de Carvalho
Enviado por Myriam Jubilot de Carvalho em 20/07/2022
Reeditado em 22/07/2022
Código do texto: T7563844
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