PROJETO - Caminhos da Leitura: Praxiologias de processos vividos

PROJETO - Caminhos da Leitura (Escola Municipal Salvador Correia de Oliveira, Monte Santo/BA)

Obra escolhida para este enredamento: Vida Real, Mundo Virtual – Ana Paula Corradini.

As ramificações, ecossistemas e ambiências, se entrelaçam no meu exercício profissional. Pensar em uma outra independência por meio dos caminhos da leitura foi o tema proposto para o Desfile Cívico do 7 de Setembro. Estudantes animados, caracterizados em diversas Alas temáticas, dentre elas, o Mundo digital - apresentado à comunidade escolar por um novo ethos. Não é atoa que a obra trazida para este enredamento provoca (re)pensar o que seria Vida Real X Mundo Virtual.

Caminhos da Leitura é um projeto desenvolvido na referida instituição para a qual são escolhidas diversas obras conforme acervo disponível na biblioteca, ou quando não dispomos, recorremos às leituras on-line, PDF, e-books (e outros). Para as turmas do 7º e 9º anos, escolhi propositalmente o livro de Ana Paula Corradini – Vida Real, Mundo Virtual – e as turmas gostaram da sugestão. Primeiramente, para o componente de Língua Portuguesa e Redação seria uma boa pedida, mas (des)construir com os estudantes e com os colegas o conceito que a autora utiliza, se tornou urgente e emergente.

A obra aborda o tema do abuso das telas e eletrônicos pelas crianças, adolescentes e jovens, que muitas vezes deixam de brincar e realizar atividades ao ar livre, bem como estabelecer vínculos significativos com pessoas e a vida real (CORRADINI, 2018). Este é o primeiro ponto que eu gostaria de adentrar: Não se separa a vida real do virtual, parafraseando Lévy (1996).

Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização (LÉVY, 1996, p.16).

Neste sentido, o ciberespaço é um espaço (desterritorializado), que engloba “[...] não apenas a infraestrutura material da comunicação, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo” (LÉVY, 1999, p. 17). Por outro lado, concordamos com o autor quando nos adverte que a tecnologia não é boa ou má, a finalidade, o contexto, o objetivo de uso, principalmente do uso humano para adquirir as dimensões sociais e culturais e criar possibilidades de comunicação e interação, é que faz todo sentido.

Isso nos remete à necessidade de (re)pensarmos a concepção de ciberespaço, conexão em rede, plataformas comunicacionais, que não podem ser denegadas das relações com o saber, todavia são meios estruturantes da complexidade que comporta a vida nas culturas digitais. Neste sentido, o autor também é avesso a ideia do impacto das TDIC. São processos humanos, procedimentos dos sujeitos, próprios do tempo-espaço-arranjo, e não se trata de vida real ou virtual, ambos se imbricam, se conectam, pois não se separa o ciberespaço da cidade, o pré-histórico do digital, e embora estejamos vivendo a Era App, em tempos de plataformização da vida, os modos de produção dos saberes também se atualizam.

Desconstruir ambiguidades, contradições e achismos sobre uso das TDIC entre o impresso e o digital, é um compromisso ético e social que me propus a perfilhar. Pensando na obra em análise - trazida para o contexto em tela, podemos refletir sobre a relação que Derrida (1997) queria dizer com ser preciso “fechar o livro para abrir o texto”. Foi preciso abrir o texto e desconstruí-lo: abrimos o texto, o contexto e o intertexto. A ‘desconstrução’ acontece de dentro para fora, é uma abertura do outro, a partir de si mesmo, releitura do mundo que permite novas interpretações de um mesmo conceito, retomando o autor supracitado.

Neste espectro, mergulhamos sobre conceitos do Real e Virtual, da Inteligência Artificial – IA, sobre a ética nas produções textuais, sobre a tecnologia para além do lugar de ferramenta obediente. Lembro-me de um aluno que timidamente me perguntou: “professora, eu tenho o Chat GPT aqui no meu celular, quer ver?” E lá estava ‘EU’, sentada ao lado de um aprendiz, me propondo desconstruir a relação entre o humano, a memória, o tempo e tantos oráculos virtuais que surgirão após o lançamento do Chat GPT, como máquinas de ideologias.

Retomando excertos da obra de Corradini (2018), a escritora põe em xeque um contraponto atinente aos principais personagens – Tato e Cuca – ambos são primos, e curiosamente são opostos: um não consegue viver longe do computador, o outro adora tocar violão, esporte e é totalmente avesso à tecnologia digital. Tato prefere o contato virtual com o mundo e Cuca não troca a conversa pessoal e o jeito antigo de lidar com as tarefas cotidianas. Quem tem razão? A autora oportuniza aos leitores a escolha de um final.

Para minha surpresa, os discentes chegaram à conclusão de que nenhum dos dois meninos tinham razão, ou ambos poderiam ter. Eles me falaram sobre o equilíbrio do uso dos dispositivos digitais, o cuidado com o isolamento social, com o cyberbullying, com os jogos, com as fakenews, com as postagens replicadas sem nenhuma análise e leitura, com notícias sensacionalistas (e outras coisas). Outrossim, os alunos foram divididos em dois grupos: um representando Tato e outro grupo representando Cuca. Ambos se caracterizam com roupas temáticas referentes às redes sociais e aplicativos de mensagens, utilizando um capacete confeccionado para este fim. No referido desfile cívico de 7 de setembro de 2023, os estudantes apresentaram na Ala também, exemplares do livro da autora e um notebook gigante confeccionado por eles mesmos, que continha na tela a imagem de um livro e de um robô, com a seguinte inquietação: Mundo digital: quais são as nossas responsabilidades?

Para ver as imagens em comento, acesse: https://br.pinterest.com/jeanymped/projeto-caminhos-da-leitura/

Referências:

CORRADINI, A. P. Vida real, mundo virtual. São Paulo - SP : Wb, 2018.

DERRIDA, J. Of Grammatology. Baltimore: The Johns Hopkins University Press. 1997.

LÉVY, P. O que é virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo, Ed. 34, 1996.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.