Rede Hildenet – Segunda parte

*Hildebrando Souza Menezes Filho

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência interagiu exaustivamente com a “Rede Hildenet”, em especial na reprodução de artigos que saem na imprensa e são “captados” na nossa rede e, posteriormente retransmitidos, pela própria SBPC, através do JC E-Mail - Jornal da Ciência Eletrônico. Conclui-se que é um processo merecedor de atenção e estímulo e que provoca debates sobre questões importantes, constituindo-se em veiculo formador de opiniões e de aprendizagem permanente.

Este “colégio invisível” da Internet propiciou a participação, inclusive, de senadores da república, deputados federais e distritais e até ex-governadores, como é o caso do Professor Cristovam Buarque, que enviou vários artigos, publicados nas colunas semanais dos jornais do país , com relatos de suas viagens ao exterior e palestras realizadas pelo Brasil afora. A “Rede Hildenet” foi contemplada, diversas vezes, com artigos inéditos desse educador, escritor, militante político ativo e renomado pensador social do Terceiro Mundo.

Essa atividade, embora demandasse tempo e dedicação enormes, tem também inúmeros aborrecimentos e incompreensões. A grande lição apreendida é a da transparência e do exercício contínuo de informação limpa, sadia e de conteúdo cultural multiplicador.

Os e-mails, em meus arquivos, por si só, são espelho dessa imagem, pelo interesse demonstrado pelos participantes, pelas opiniões formuladas que, na sua grande maioria, não encontra acolhida na mídia.

Despertar o espírito crítico para reacender o gosto pelo debate amplo e geral junto à população é polêmico! Mas esta foi a idéia, no ato de sua concepção.

O que diferencia essa prática dos “chats”, salas de conversação pela Internet? Dos espaços de televisão?

Primeiro, porque não há interesse econômico financeiro. A “Hildenet” era de propriedade socializada (um só provedor e usuário multiplicador) e que, ao mesmo tempo, todos eram donos dela (a idéia, a reflexão, o relato das ações locais e globais). Aos poucos, este cidadão foi sendo conscientizado de que esse espaço virtual não lhe pertencia.

Ele servia apenas de uma antena retransmissora e emissora de mensagens à distância, para uma gama enorme de pessoas e com as quais jamais teria oportunidade de trocar um simples bom dia. Essa rede não tinha e nem necessitava de patrocínios. Pelo E-Mail é mais fácil obter informações sobre a luta diária das pessoas, as dificuldades e esperanças dos cidadãos.

Segundo, sabe-se que outros se beneficiam de modelos alternativos ao da grande imprensa - sem querer desmerecê-la - mas reconhecendo que ela é nitidamente vinculada ao poder instituído, que privilegia o mercado em detrimento dos valores éticos fundamentais para a realização humana. “Captar” o que de melhor sai na imprensa instituída e fazer com que estes fatos, este conhecimento chegue às regiões do país e do mundo, às pessoas afastadas do processo político, faz com que seja possível sonhar com uma sociedade consciente, que agiliza procedimentos e idéias multiplicadoras.

Terceiro, é uma alternativa ao “pensamento único*”, sendo também um instrumento de formação de opinião junto à sociedade. Sua eficiência já foi também testada por ocasião em que dela se utilizou para divulgar lançamentos de livros, agenda para reuniões, palestras, moção de desagravo, convites para aniversário, reivindicação salarial junto aos poderes constituídos, divulgação de links de interesses educacionais e culturais, desabafos, orçamento participativo e tantas outras coisas mais.

Muitas foram as atividades profissionais desenvolvidas entre os colegas da ciência e tecnologia: permuta de documentos, troca de opiniões, dentre outras tantas coisas realizadas. O leque de benefícios, como também de armadilhas e problemas, é bem verdade, tornou-se mais amplo. Mas no final, a aferição é positiva.

Há pessoas que tem dificuldades de se expressar verbalizando e só conseguem expor seu pensamento na forma de escrita.

O compromisso estabelecido de respeito à vontade dos participantes da lista, de entrar e sair, a qualquer tempo, foi sempre rigorosamente obedecido.

Aqui, como se pode perceber, entra todo um processo psicológico, individual, e intransferível, que deve ser respeitado, sob pena de se cair no mesmo vício daquilo que se condena, ou seja, o do “pensamento único”. Esse é um grande desafio.

O risco corrido pelos usuários dessa rede surge quando a prática exagerada de mensagens de cunho pejorativo/agressivo passa a dominar o “psiquismo da pessoa”. O mesmo que ocorre com as crianças e adolescentes com o uso excessivo de vídeos games sobre violência.

Para tudo há que se ter um limite... E o acúmulo exagerado de informações desconexas, às vezes, com um propósito de construção da cidadania, pode se transformar em “tiro pela culatra”; provocando efeito contrário. O processo gera conflitos, dispersões, devaneios e aborrecimentos de toda ordem, para todos.

A “mania de educação” é o mote do colégio invisível, virtual e real de luta em favor da cidadania.

O esforço justificado leva em conta também que a grande maioria dos excluídos não pode ler jornal impresso por falta de dinheiro ou pela mazela do próprio analfabetismo. Sendo óbvia a importância da TV e do rádio para as massas populares, há que se refletir sobre como as forças de esquerdas no Brasil (cf. Neder, 2000)

(...) “poderiam se somar a outras forças também esclarecidas, já que nunca conseguiram orquestrar seus interesses para pressionar e obter canais de TV e rádios”(...).

Ele ainda reafirma: (...) “Evidentemente que no período militar (1964/84) teria sido impossível para elas pleitearem qualquer coisa, muito menos isto.” Mas já se passaram 15 anos do retorno à “desmocracia**.”

As forças políticas progressistas se encontravam ainda imobilizadas na questão da comunicação de massa. Salvo parte da Igreja Católica, com sua rede interna, mas com finalidade estritamente religiosa, ainda não se tem notícias da existência de uma rede de TV para explorar temas de interesse da população. Os valores do mercado, do lucro, é que predominam.

Um Estado verdadeiramente democrático pressupõe a existência de agentes buscando despertar, motivar e desenvolver o interesse de participação de amplas faixas da população, para traçar e implementar linhas de pesquisa e programas sociais. As estruturas vigentes existem muito mais para manter a ordem estabelecida, que nada mais é que uma desordem camuflada, da triste realidade de milhões de excluídos.

Há que se definir prioridades que fujam do lugar comum do comodismo e da desinformação. Os problemas mais urgentes das populações de baixa renda, detectados por especialistas, pode fazer mudar e criar alternativas para solução dos problemas emergenciais. Formação e capacitação científica e educacional, podem trazer inovações tecnológicas, ou até mesmo idéias embutidas de tecnologias apropriadas, que beneficiem ampla margem da população.

O espírito da "ciência pela ciência”, dos "louvores acadêmicos", de títulos e honrarias sem o devido contato com a realidade, é desonesto e socialmente condenável.

A “Rede Hildenet” foi criada para quebrar esse circulo vicioso, que se perpetua, envolvendo vários segmentos sociais nesta reflexão.

Continuaremos a abordagem em novo artigo. Até lá!

Notas:

*Milton Santos, ao fazer um comentário sobre um livro que está lançando, intitulado Por uma outra globalização: do pensamento único a uma nova consciência universal, assim se referiu: “É que o mundo que está aí, no meu modo de ver, ele é um mundo bom e resulta de uma maneira de fazer história que desconsidera o homem daquilo que há de mais profundo. Mas a nossa sorte é que ao mesmo tempo, o que está por baixo dessa construção política e as condições técnicas pode um dia - que eu acho que está se aproximando - permitir uma outra construção”.

** Cf. expressão contida e comentada em nota sobre verbete de Cristovam Buarque (1999).

*Hildebrando Souza Menezes Filho

É aprendiz de poeta e mestre em desenvolvimento sustentável pela UnB

Navegando Amor
Enviado por Navegando Amor em 25/05/2010
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