A Industrialização Brasileira, sua gênese

Prof. Leonardo Lisbôa

Neste século, que já se faz, o Brasil está entre as grandes economias se destacando entre as maiores (EUA, Japão, Alemanha, Inglaterra, Canadá, França, Itália, Brasil).

Nos livros didáticos nossa industrialização é classificada como clássica e tardia. Seja como for, isto está mudando e renovando. Quiçá, e para isto, como cidadãos bem intencionados, fazemos votos que até ao segundo jubileu do Século XXI, o país desponte como grande potência. E, sobretudo, supere os seus atrasos sociais.

Ufanismos à parte, tão importante saber como anda nossa economia, já que, como apregoou Karl Marx, a base determina a superestrutura, é saber a gênese deste quadro industrial e por quais caminhos andou.

Os mesmos manuais escolares de ensino fundamental e médio mostra nitidamente que ela, nossa industrialização, se efetivou após a Segunda Guerra Mundial (1939-45). Isto porque o Brasil até então exportador de artigos primários, sobretudo café, e importador de industrializados se vê em dificuldade com a ‘Quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929’ (os principais compradores de café têm suas economias em crise e, portanto, ressentem em adquirir o café brasileiro) e países europeus, exportadores de manufaturados para o Brasil, se vêem envolvidos no conflito armado.

O Brasil, graças ao capital acumulado da venda de seu café em décadas anteriores passou investir agora em novo campo econômico, a industrialização de substituição. O que antes comprávamos, passamos a produzir para abastecer as nossas primeiras fábricas. Isto se tornou um salto. Demos uma alavancada em nossa economia.

Estas primeiras fábricas surgem de duas correntes ou forças: a contribuição dos imigrantes europeus que para aqui vieram desde o século anterior (Século XIX) trazendo suas tecnologias, sua força de trabalho e suas experiências de países industrializados e a ação e visão quase visionária de dois brasileiros: Rui Barbosa e Barão de Mauá.

Entretanto, o Brasil na virada do Século XIX e XX ainda era o Brasil da Oligarquia Cafeeira. Somando-se a isto tínhamos também a ação imperialista da Inglaterra que não queria nenhuma nação industrializada ao sul do Equador e muito menos na América do Sul (haja vista sua ação geopolítica contra o Paraguai de Solano Lopes). O coro destas vozes retrógradas era de que o Brasil se faria como o país da agricultura. Portanto, o sonho do Barão de Mauá e de Rui Barbosa tornaram-se seus pesadelos. O primeiro faliu e o segundo foi criticado por sua política econômica chamada pejorativamente de ‘Política do Encilhamento’.

Porém nossa veia industrial nasce bem antes do Brasil da Velha República ou do Brasil Imperial. Ela se origina ainda nos derradeiros anos do Brasil Colônia.

A industrialização do Brasil teve sua origem nas Minas Gerais, ainda em 1808 e 1812, no governo de D.João como podemos depreender das citações abaixo:

Certamente a grande contribuição da era joanina para o progresso de Minas seria a instalação das primeiras tentativa de indústria siderúrgica na antiga terra do ouro, rica, como se sabe, em jazidas de ferro (Tôrres, p. 744).

Graças, principalmente, ao alto espírito de estadista de D. Rodrigo de Souza Coutinho, cuidou-se seriamente de dar início à industrialização do ferro mineiro. Os resultados não forma brilhantes por causa da ausência de precondições; principalmente a falta de capitais disponíveis e a rarefação da população, o que impossibilitava a formação de um grande mercado consumidor interno, sem o qual nada seria possível, e, notadamente, a ação nefasta do liberalismo econômico, dominante no século XIX e que tornava as idéias de dirigismo e planificação, tão caras aos reis de Portugal e que D. Pedro II particularmente aceitava heresias funestas (Tôrres, p. 744-745).

A publicação do alvará de 1º de abril de 1808, que permitia o livre estabelecimento de fábricas e manufaturas no Estado do Brasil, e derrogava o alvará de 5 de janeiro de 1785, e quaisquer leis ou ordens que o contrário decidissem, veio abrir novos horizontes ao trabalho que vinha sendo por ele feito junto ao governo, desde a chegada da família real ao Rio de Janeiro, para ser montada uma fábrica de ferro que viesse tirar os mineiros da situação aflitiva em que se encontravam devido ao elevado custo dessa mercadoria, indispensável no trabalho das minas (Tôrres, p. 745).

Manuel Ferreira Câmara, não tardou em por mãos à obra... deu ele início à construção da fábrica, em local que julgara próprio e capaz de permitir o escoamento do excesso da produção não consumida na capitania de Minas Gerais, para o Rio de Janeiro e Bahia, por meio da navegação do rio Doce, do qual era afluente o rio Santo Antônio, que passava próximo à fábrica instalada no morro de Gaspar Soares (Tôrres, p. 745-746).

Pode-se estabelecer, nitidamente, que coube ao barão de Eschwege fabricar, pela primeira vez no Brasil, ferro líquido, a 17 de dezembro de 1812, nos fornos suecos por ele erigidos na pequena fábrica “Patriótica”, situada nas proximidades de Congonhas do Campo; e que a Manuel Ferreira da Câmara coube fabricar pela primeira vez ferro gusa em alto forno, em agosto de 1814, o que só em 1º de novembro de 1818 foi repetido por Vernhagen, em Ipanema, no início da primeira campanha de resultados relativamente industriais, que aqui se obteve. Câmara realizou, pois, o ciclo completo da fundação da siderurgia em alta escala no Brasil... Assim, graças a técnicos nacionais, como o barão de Eschwege, D. João VI iniciou a política de industrialização do Brasil (Tôrres, p. 746).

Assim Saint-Hilaire descreve a fábrica do Girau*, com seus olhos de naturalista-repórter:

Tendo caminhado uma légua, atravessando a princípio a mina de Sant’Ana e em seguida grandes bosques,chegamos às forjas de Girau. Estão situadas em uma baixada, à margem de um de um córrego, e rodeadas por todos os lados de morros cobertos de imensas florestas. Um dos edifícios serve de alojamento aos operários; em outro, situado mais baixo, estão assentes as forjas, em último, que se estava então construindo, se destinava a receber escravos.

O ferro das montanhas de Minas Gerais pode de certo modo se considerar inesgotável. Não é necessário ir buscá-lo com grandes dispêndios ao interior da terra: encontra-se à superfície, e o minério tem rendido até oitenta e cinco por cento, e até mais. Todavia, quando o Brasil ainda gemia sob o regime colonial, era proibido a seus habitantes fundir a menor parcela de ferro, e os que, ao pisar calçavam este metal, eram obrigados a receber dos comerciantes de Lisboa os instrumentos de agricultura e as ferramentas com que exploravam o ouro no próprio ferro. Com a chegada do rei D. João VI tudo mudou sob esse aspecto, e foi permitido aos brasileiros aproveitar-se dos tesouros que lhes prodigalizara a natureza; estabeleceram-se forjas na província das Minas, e simples particulares construíram, em suas casas, fornos catalães em que se puseram a fundir ferro para seu próprio uso.

Vi, em Santa Quitéria, uma pequena forja desse gênero, em que se fundiam, cada vez, de vinte e cinco a trinta libras de ferro.

As forjas de Girau compunham-se de oito fornos, construídos como o do coronel Antônio Thomaz, e nos quais se podia fundir de cada vez uma arroba de metal (32 libras). O fogo era entretido nas forjas por foles na maioria movidos a água. Como o minério se encontra em Girau em massa muito compacta, começava-se por triturá-lo com o auxílio de um pilão, movido por uma roda hidráulica. Outra roda do mesmo gênero fazia mover o martelo destinado a malhar o ferro. As forjas de Girau davam trabalho a cerca de vinte e cinco operários, cuja metade se compunha de escravos. Os outros livres e quase todos brancos, recebiam alimentação e cerca de meia pataca de salário. Essa forja, como veremos, possuía todos os elementos de prosperidade; o governo concedera ao proprietário, para a fabricação de carvão quatro sesmarias de matas; o ferro se encontra, por toda a parte, nos arredores, e a água, em grande abundância, fornece os meios de movimentar a maquinaria da fundição; finalmente, as terras da vizinhança, vermelhas e argilosas, parecem ser férteis, e podem fornecer víveres aos operários. O estabelecimento de Girau é ainda um dos que atestam a indústria dos Mineiros. O capitão Paulo, seu proprietário, jamais vira nada de semelhante, e não teve outro guia para suas construções senão um pequeno número de desenhos, deixados aos habitantes da região pelo viajante Mawe. - Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais.(Tôrres, p.751 e 752). ¹

Destarte, Minas Gerais contribuiu para a história econômica do Brasil, não só com o seu ouro, como também com seu ferro iniciando, com a siderurgia, o processo industrial do Brasil como vimos neste estudo retrospectivo.

* As Forjas do Girau localizam-se em Itabira, MG.

¹ TÔRRES, João C. de O. – História de Minas Gerais – 3º vol. – Difusão Pan-Americana do Livro – Belo Horizonte, 1961.

TEXTO 02 - CADERNO: VOLTANDO PARA CASA

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 14/09/2010
Reeditado em 17/08/2012
Código do texto: T2498227
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