"Pode deixar que eu mesma compro as flores" (publicado originalmente em 24/1/2004)

Caso estivesse vivia, a escritora inglesa Virginia Woolf completaria amanhã, 25 de janeiro, 122 anos. Nesta comemoração, gostaria de relembrar um dos filmes mais intimistas do ano passado: “As Horas”. Dirigido por Stephen Daudry, esta fita, produzida em 2002 e lançada em 2003, mostra três diferentes histórias ao longo dos 114 minutos de duração: a própria escritora britânica; senhorita Dalloway; e, finalmente, uma mulher confrontando-se com problemas femininos da década de 1950. O resultado é satisfatório e introspectivo. As seqüências têm amarração apetecida e, portanto, uma possível confusão é logo posta de lado.

Nicole Kidman (ganhadora do Oscar por este papel), quase irreconhecível com um nariz postiço, faz Woolf em 1923. Julianne Moore faz Laura Brown, a atormentada dona-de-casa que não consegue lidar com o marido e o filho ao mesmo tempo no ano de 1951. Meryl Streep dá vida a Clarissa Vaughan em 2001. Clarissa é, na verdade, uma fotocópia bem elaborada da senhora Dalloway (livro de Virginia escrito no começo do século passado e o de maior sucesso da autora). Logo no início do filme, a frase “pode deixar que eu mesma compro as flores” (é a linha primeira da obra literária), dita por Meryl, marca todo o compasso e ata já de uma vez o laço que unirá as três personagens (mesmo com estas vivendo em diferentes épocas).

Em termos gerais, seria a explicação de como a história do livro afetou três diferentes gerações de mulheres. A vontade constante do suicídio e uma busca exasperada por novidades que enterrem a rotina claudicante das protagonistas são os principais dos temas abordados. Quem ainda não viu “As Horas” e deseja fazer isso, poderia, para conhecer mais as idéias de Virginia Woolf, assistir “Mrs. Dalloway” (1997). Esta película mostra toda a trajetória da personagem que dará uma festa em casa e reencontra a paixão de sua juventude poucos dias antes do acontecimento.

Esta festa não era comum na escritora, quando se trancava em uma sala para escrever à pena. Ela teve muitas infelicidades enquanto pôde respirar o aroma inefável das flores do jardim. Encontrada constantemente depressiva, estava na maioria das vezes atormentada por razões desconhecidas. Seu olhar era totalmente aviltante. Mesmo com vinte e poucos anos, não aparentava a jovialidade característica da idade. Procurava meios para não ser igual aos outros, mas o insucesso era desanimador. Ao terminar Mrs. Dalloway, perto dos 42 anos, Woolf estava mourejada. Não suportava mais viver. Parecia sufocada pelos desejos insaciáveis não realizados.

Em “As Horas”, a história de Julianne Moore é a que segura o filme. Desesperada e aflitiva, ela não sabe mais conviver pacificamente com o marido e o filho. Deixa o herdeiro na casa de uma amiga e segue, com o carro, direto para um hotel. Lá, abre um vidro de remédios para dar fim a uma vivência sem sabor. A cena da inundação dentro do quarto de Laura Brown é impressionante. O desfecho é emocionante. Como uma pessoa poderia abandonar outras que ama tanto? Ou será um amor falso, fingido, paleiro? Ela era desgostosa demais com tudo? Laura chora sem parar.

Enquanto isso, Meryl Streep visita um amigo aidético a beira da morte. Na pele de Clarissa Vaughan, não suporta mais vê-lo daquela forma: fraco e em estágio terminal. Sem remitências a vista, o doente não a chama pelo nome certo, mas sim de “Clarissa Dalloway”. Ela também dará uma festa. Tudo está bem encaminhado, quando chega, para uma visita, um homem com quem a personagem aspirava uma relação com intimidades na juventude. A filha dela retorna para a casa da mãe com saudades. Vaughan não sabe como dirigir a estrada dicotômica da vida.

E é exatamente esta vida que Virginia quer dar um ponto final. Em 28 de março de 1941, aos 59 anos, a escritora coloca várias pedras nos muitos bolsos da roupa que usa, um roupão velho e desbotado. Entra no rio Ouse (Inglaterra) e deixa as águas se infiltrarem pacificamente pelos pensamentos cansados e desacreditados. Morre afogada.

“As Horas” provoca comoção e ira ao mesmo tempo. As personagens poderiam ter sido tema de um poema de Lou Andréas-Salomé. Elas se adaptariam bem a este trecho: “Ouse, ouse tudo. Acredite, a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda a roubá-la”. É o fim...

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 02/05/2009
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