Riscos onipresentes (publicado originalmente em 17/4/2004)

Até hoje, o desenho de Mickey Mouse chorando em frente ao túmulo de Walt Disney é profundamente flébil. O rato, famoso por sua alegria, soluçava copiosamente. As lágrimas dele caíam ao chão, uma por uma. O olhar estava cabisbaixo. Esta animação, elaborada poucos dias após a morte de Disney, em 15 de dezembro de 1966, e raramente exibida, fez muitas pessoas sentirem saudade de um ente querido que nem sequer tinham conhecido ou apenas visto pessoalmente. Walt Disney entrou e saiu de nossas casas quando quis e quantas vezes quis. Ele não aparecia, mas seu trabalho sim. Por exemplo: quem de nós nunca viu Pato Donald e Pateta em grandes confusões, ou não ficou derretido com a história para lá de romântica de “A Dama e o Vagabundo” (1955)? E Walt fez muitas outras atrações. Foi o produtor executivo americano mais aclamado em todo o século 20.

Para se ter idéia, hoje um dos DVDs mais vendidos do mundo é “O Rei Leão” (1994), obra Disney. Nos últimos tempos, porém, a empresa deixou de arrecadar o dinheiro de costume e enfrenta grave crise. Antes uma potencial vencedora do Oscar, a instituição tem concorrência de novos desenhistas no mercado. Pior: com o avanço atropelador da computação gráfica, a Disney teve de se remodelar e agora praticamente aboliu todas as produções feitas “à mão”. “O Irmão Urso” (2003) é um dos derradeiros desenhos ainda rodado na técnica antiga. Perdeu a estatueta para “Procurando Nemo” (2003), montado pelo computador. Se voltarmos 76 anos, em 1928, nos depararemos com Walt Disney, um autocrata cuja personalidade era conflitante, às vésperas do lançamento de “O Barco a Vapor Willie”. Nele, o próprio Disney faz a voz de Mickey, que aparecia pela primeira vez em desenhos sonoros. Era a revolução para as crianças.

A carreira de Walt iniciou em um estúdio comercial na cidade de Kansas, onde encontrou o artista Ub Iwerks (no futuro, companheiro inseparável). O sucesso veio graças ao progresso de experiências com cores e planos de câmeras. Isso dava às animações sensação mais verossímil. Permitiam detalhes de ação, por exemplo. O primeiro longa-metragem saiu em 1937: “A Branca de Neve e os Sete Anões”. Os personagens, de imagens claras e definidas, agradaram de imediato. A excentricidade e situações bastante criativas, junto com as músicas embaladoras de sonhos, deixaram as fitas de gângster, famosas na época, a ver navios. Os enredos, discutidos pelos contrários à feitura do projeto, logo foram aprovados pelo público. Disney provou que a inovação não estava concentrada nas técnicas de animação somente.

A relação com animais predominou no trabalho definitivamente: cães, ratos, leões, patos, elefantes, papagaios etc. Todos se conheciam. E possuíam características peculiares: alguns voavam (Dumbo), outros não conseguiam parar de tagarelar e eram bravos (Donald), muitos eram ternos (Margarida, Bambi, Pluto) e tinham esperteza exagerada (o brasileiríssimo Zé Carioca).

Mickey é o principal deles. Batizado primeiramente de Mortimer Mouse, foi desenhado por Iwerks, que lhe deu olhos arregalados, dedos arredondados e sorriso encantador. Após “O Barco a Vapor Willie”, as produções Walt Disney puseram no mercado curtas-metragens protagonizados pelo ratinho. Neste momento, a inseparável namorada Minnie estava presente e continuaria assim na maioria dos desenhos. Em 1936, com a chegada do Pato Donald ao elenco, o reinado-solo teve de ser repartido. O marinheiro de roupa azul e bico plano estreava.

A partir deste instante, cada membro animado da Disney começou a ter a própria família. Pateta com seu sobrinho trapalhão, Donald e Margarida com os sobrinhos gêmeos Zezinho, Huguinho e Luisinho (o mão-de-vaca Tio Patinhas a tira-colo), o Rei Leão e as novas gerações e por aí vai.

Walt Disney, além dos laços abrasileirados com Zé Carioca, também teve amigos que fizeram fortuna pelos nossos lados tupiniquins. César Civita, irmão de Vitor Civita e tio de Roberto Civita, herdeiro da editora Abril, compartilhou da amizade de Disney e o representou na América Latina para licenciar revistas em quadrinhos do executivo. Todos eram estrangeiros (os Civita nasceram na Itália e nos Estados Unidos), mas pegaram no ar a malevolência de cá.

Quebra de monopólio – Walt Disney viu seu império ter adversário comercial anos mais tarde. Os animadores William Hanna e Joseph Barbera se juntaram em 1939 e logo de cara maravilharam espectadores com as deliciosas caçadas do gato Tom ao rato Jerry. A dupla surgiu pela primeira vez em 1940 em “Gatinho e Pontapé”, um curta. Avançaram outras 150 mini-histórias, sete delas ganhadoras de Oscar. Quando a Metro Gold Mayer (MGM) fechou a divisão de animação, William e Joseph fundaram a Hanna-Barbera Produções. Fizeram desenhos em série para a televisão. Criaram mais personagens, entre eles “Os Flinststones”, “Zé Colméia”, “Manda-Chuva”, “Dom Pixote” e a família futurista “Os Jetsons” (para contrastar com a Idade da Pedra de Fred, Barney e sua turma). Na lista dos mais-mais, a Hanna-Barbera ocupa a segunda colocação. Perde para Disney.

Resta saber se as quimeras de Walt terão sustentação, pois o empresário, sempre com pés no chão, nunca se deixou abater. Daqui a algum tempo, num futuro bem colado, não ouviremos mais a denominação “desenhos animados”, mas sim “desenhos computadorizados”. Teclas vencendo pincéis. É o progresso.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 14/05/2009
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