Antes e depois de Marlon Brando (publicado originalmente em 7/7/2004)

As últimas imagens de Marlon Brando faziam pouco jus ao ícone de uma geração, a qual o ator representou tão bem. Estava gordo, arruinado psicologicamente (seu filho é presidiário nos Estados Unidos e uma das filhas havia cometido suicídio oito anos atrás) e falido (fruto de pensões para três ex-esposas). Morreu na noite de dia 1º de julho por pouco completamente esquecido pela mídia geral. Estava muito doente e as internações eram constantes. O homem que um dia ousou recusar o Oscar de melhor ator (em 1972, pois queria chamar a atenção para a forma de tratamento dos problemas de índios norte-americanos; mandou uma índia em seu lugar) talvez tenha sido salvo pela morte aos 80 anos. Seus trabalhos no cinema, onde figura como “lenda”, cada vez diminuíam mais devido às oito décadas vividas intensamente. O rosto, por causa dos quilos a mais, nada lembrava o tipo rebelde e irreverente ao começo da carreira, em 1946, ainda no teatro, nos palcos reluzentes da Broadway.

O primeiro filme data de 1950 e já o consagra como ótimo ator – “Espíritos Indômitos”. Depois disso, em 1951, recebe indicação ao Oscar por “Uma Rua Chamada Pecado”. Permanece na mesma linha, a de papéis tocantes, tanto no “Viva Zapata!” (1952), onde faz o protagonista revolucionário do México, Emílio Zapata, e “Júlio César” (1953). Ao completar 30 anos, a três de abril de 1954, faz “Sindicato de Ladrões” e é galardoado com o prêmio máximo do cinema. Tem nesses meses os fatais períodos de glória. Com a chegada da década de 1960, decide montar uma produtora e dirige “A Face Oculta” (1962), película do estilo “caubói e xerife”. A fita resultou em enfados para o público. Este fez chacotas desagradáveis. Apesar disso, houve o lado bom: conheceu, nas filmagens realizadas no Taiti, Talita, que viria a se tornar senhora Brando pouco tempo depois. No restante daquela duração, não trabalhou em coisa prestável. A partir dos 47 anos de idade, “reinaugurou” seu trajeto onipotente.

Francis Ford Coppola pediu para que encarnasse Don Vito Corleone em “O Poderoso Chefão” (1972, pelo qual ganhou a estatueta recusada). Marlon Brando aceitou e fez um dos mais brilhantes personagens da história. Com a voz mansa e rouca, quase sem abrir a boca para falar, e com o olhar sempre baixo, conseguiu dar vida a um patriarca italiano requintado. Ao lado de Robert de Niro, que seria apontado como melhor coadjuvante em 1974 por “O Poderoso Chefão II”, Brando marcou para sempre terreno entre os grandes da sétima arte, sobretudo por ter feito brilhantemente Corleone. Ao mesmo tempo, “O Último Tango em Paris” (1972) era lançado e aumentava a popularidade do ator de Hollywood. Neste espaço, comprou uma ilha próximo ao Taiti e se mudou para lá. A reclusão não reduziu as participações dele nas telonas. Esteve em “Duelo de Gigantes” (1976), “Super-Homem I” (1978 – embolsou quatro milhões de dólares por dez minutos de filme) e “Apocalipse Now” (1979).

O hiato nas salas de cinema se prolongou por 120 meses. Retornou com tudo, porém. “A Época Branca e Seca” (1989) lhe valeu indicação para coadjuvante. Filmou ainda “Um Novato na Máfia” e “Don Juan de Marco” (1995). Os derradeiros projetos caçoavam dele. Não era para menos. Marlon passou por todos as “eras” das câmeras. Foi o jovem boa-pinta de óculos escuros e jaqueta de couro, o galã mais amadurecido, um cinqüentão bem preparado para os cabelos grisalhos, perpassou pelos 65 anos sendo lembrado pela Academia (agora com as madeixas completamente embranquecidas) e acabou como octogenário desiludido, numa biografia cheia de trapaças e ressentimentos. Acumulou fortuna e esta se desmanchou nas mãos como pedacinhos de um roteiro rasgado. Não soube lidar com os importunos dos sucessivos divórcios e terminou dentro de um hospital. A notícia da morte do mito pegou todos de surpresa. Foi como se parte do cinema tivesse sido cortada. Neste caso, eternamente.

Brando atingiu o auge aos 27 anos. Quando se tornou o superator, passou a freqüentar menos os sets de filmagem. Assim, cada um dos trabalhos virou altas atrações. Marcava como importantes acontecimentos. O diretor responsável pelo encaminhamento de Marlon no ofício de ator foi o astro Elia Kazan. Ele era professor do ator no “Actors Studio”, escola para atores novatos. Kazan agarrou Brando para fazer “Uma Rua Chamada Pecado” (1951) no teatro e no cinema. Só para ter noção dos nomes aperfeiçoados por Elia, estão James Dean e Warren Beatty. Mas Marlon projetou-se como o mais famoso e talentoso. Sua aspiração após a morte era ser cremado e queria que suas cinzas fossem jogadas ao mar. Pediu ainda para a família realizar uma cerimônia com privacidade. Somente alguns parentes e amigos mais próximos iriam na despedida. “Marlon Brando não deixa lições ao cinema, mas sim desafios”, declarou o ator José Wilker, ator e diretor da Rede Globo e cinéfilo de carteirinha.

Com a morte dele, fecha-se a trinca de ases dos moicanos. Ronald Reagan, falecido poucos dias atrás, era o último político republicano de carisma. Do mesmo partido do atual presidente dos EUA, Regan, que também foi ator, entusiasmou eleitores com seu humor sarcástico e tiradas espirituosas. O governo dele na Casa Branca, entre 1981 e 1989, marcou o fim de reinado dominado pela parceria de Ronald com Margaret Tatcher, ex-Primeira Ministra inglesa (1979-1990). O gaúcho Leonel Brizola, um dos homens públicos aclamados desde 1945, comandante da “Cadeia da Legalidade”, de 1961, se foi aos 82 anos e mupicou apenas bons ensinamentos. A coerência extraordinária do ex-governador do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, exilado entre abril de 1964 e 1979, rastreou seguidores, os quais se expuseram de maneira traidora em determinados casos. Com sua ida, termina o trabalhismo getulista e o jeito político de ser, com discursos longos, pausados, presença firme. Nada será como antes. Ou como depois.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 24/05/2009
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