A tragédia da vingança arquitetada (publicado originalmente em 6/11/2004)

Um relacionamento instável. Do lado de lá, a moça separada do marido, ainda não divorciada, por volta dos 30 anos. Do lado de cá, o rapaz de quase 20, que quer entrar para a faculdade, e, por isso, arranja um trabalho como auxiliar de pescador (seus pais são precavidos com o futuro dele). No centro, o ex-companheiro daquela mulher, revoltado porque a perdeu e inconseqüente nos seus atos por não conseguir ver o recém casal aos beijos. Na soma dessa conta facinorosa, celerada, estão o par de filhos da dupla afastada. Num dia, à tarde, o garoto aspirante a universitário (Frank, interpretado por Nick Stahl) tenta impedir que o esposo nervoso e bêbado (Richard, feito por William Mapother) entre e espanque a pobre jovem senhora (Natalie, personagem de Marisa Tomei). O embriagado entra pela porta dos fundos, e começa uma briga com fim messiânico. Enquanto isso, no andar superior da casa, mãe e filhos, apavorados, acompanham tudo através dos ouvidos. Natalie desce para por final nos socos. Ao pisar na escada, ouve um tiro. Richard atira no olho esquerdo de Frank, que cai morto.

“Entre Quatro Paredes” (2001, com título original de In The Bedrom – “No Quarto”) mexe em vespeiros ingratos e insolentes. O primeiro é relacionamento onde a parte masculina tem bem menos idade que a feminina (aproximadamente oito, 10 anos de diferença). Isto se reforça se pesarmos nesta balança que os pais de Frank, Matt e Ruth (respectivamente Tom Wilkinson e Sissy Spacek), terem posições diferentes sobre o assunto: Matt, médico geriatra, deixa o filho viver a vida sem se meter; já Ruth, professora de canto, quer que o pré-adulto abandone a namorada, e de quebra os dois rebentos dela. Quando acontece a tragédia, Ruth e Frank estão brigados. Natalie mantém distância da família e vai trabalhar numa pequena mercearia. O assassino fica preso pouco tempo, e, quando a possibilidade de a arma ter disparado acidentalmente vem à tona, o que acabaria levando o caso a “sem intenção de matar”, o médico e a professora ficam babando por vingar o filho. Richard, diz o advogado, pegaria, então, no máximo 15 anos de cadeia. Muito rala para uma família que tinha Frank como filho único.

Especialmente Sissy Spacek está deslumbrante na fita. Do começo ao último minuto da trama, a atriz não transforma seu rosto em momento algum. Está pálida, abatida, entristecida. Convence e dá ao filme toque de adormecido exasperado. Na cena mais concernente do longa, Matt e Ruth discutem quem teve a culpa pela morte de Frank. Sissy e Tom deslancham magistralmente nos tons em que a conversa caminha. A professora de canto revira sua máscara macilenta e veste a fantasia da mãe que grita pela perda do filho, mas não sabe mais o que fala, pois está depressiva e desorientada. Matt, ao contrário, é mais sóbrio. Volta ao exercício da profissão de médico, mas por trás esconde sua face de maquiavelismo. Investiga o que ocorreu no dia da morte de Frank, para ver se o julgamento tem uma surpresa e Richard seja condenado à prisão perpétua. Quando percebe que não há testemunhas para tanto, elabora um plano maligno às escondidas: capturar o matador e dar a ele o mesmo destino sério do filho: o caixão. Para isso, conta com a ajuda de um amigo pessoal: Willis (o ator William Wise).

Dirigido por Todd Field e escrito por Robert Festinger, “Entre Quatro Paredes” começa com a casa de campo da família Fowler (Matt, Ruth e Frank), localizada em Camden, nos Estados Unidos. A família vai para lá nas férias de verão, somada a namorada de Frank, com os dois filhos também, e vários amigos. Quem puxar pela memória, recortará esta história recheada de emoções e suspenses e a colocará ao lado de “Fargo” (1996), filme cujo enredo e roteiro tem bastante a ver com a fita de três anos atrás (cidade pequena, crime de assassinato, suspeitas etc). “Entre Quatro Paredes” recebeu da Academia cinco indicações ao Oscar: filme, ator (Tom Wilkinson), atriz (Sissy), atriz coadjuvante (Marisa Tomei) e roteiro adaptado. As semelhanças com “Fargo” andam de mãos dadas nessa área, pois a película de 1996 concorreu a melhor filme, diretor (John Coen) e atriz (Frances McDormand, a qual ganhou a estatueta). Outra igualdade são os soberbos trabalhos de Sissy e Frances. Apesar de a primeira não ter arrebatado a mini-estátua, a comparação é justíssima e cai de forma garbosa e tênue.

Aos 55 anos, Spacek, natural do Texas, encostou no ostracismo antes de ser revelada de novo com “Entre Quatro Paredes”. Anteriormente, havia atuado em “Terra de Ninguém” (1973), “Carrie, a Estranha” (1976), “O Destino Mudou Sua Vida” (1980), “O Rio do Desespero” (1984), “Crimes do Coração”, “Missing – O Desaparecido” (1982), entre outras. Com exceção da fita de 1973, em todas as demais ela esteve entre as cinco mais votadas do Oscar, e recebeu o troféu na festa de 1980. Em 91, fracassou com “JK – A Pergunta que não Quer Calar”, ao fazer a esposa do personagem de Kevin Costner (este com boa atuação). Os olhos verdes, ressaltados com a cabeleira loira e nariz arrebitado, a ajudaram a compor seus personagens mais amargos e introspectivos. Sob a direção de Field, Sissy recuperou a temporada desperdiçada e reviveu seus áureos dias. Durou menos que a própria previsão. Após a indicação, novamente desapareceu da mídia e da telona. Ao lado de Andy Warhol, em 1970, foi figurante em “Trash”. Anos antes, havia ganhado concurso de cantora e compositora no Texas.

Quando seu filho na ficção morre em “Entre Quatro Paredes”, Ruth desenvolve todas as suas possibilidades em aprender a respirar sem o protegido dela do lado. Esgota estas aspirações e, minuto a minuto, as abjeções lhe consomem o corpo. Enquanto isso, cansado de assistir os desgostos dela, o marido Matt concatena seu plano de acabar com Richard. São sentimentos e imaginações misturadas e botadas dentro de um liqüidificador ligado em alta potência. Como encarar a viúva Natalie, agora desamparada com as duas crianças dela? Questões “irrespondíveis”. Não restará dúvidas que a vida deles nunca mais será igual. Os churrascos na casa de campo têm uma conclusão péssima. A paixão mútua entre Frank e Natalie se foi. Para piorar as coisas, assim que o matador é solto, Ruth o vê em todos os lugares: supermercados, nas ruas... Se desespera. Richard, com o bigode idêntico aos antigos filmes de bang-bang, ri à toa. Vive feito um cáften, com mulheres e mais mulheres à sua disposição. In The Bedrom fez reascender servilismos e ressentimentos da dor da perda. Como lidar com isso?

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 06/06/2009
Código do texto: T1634369
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.