O tom da saudade e melancolia (publicado originalmente em 11/12/2004)

Da geração de ouro de compositores brasileiros, Tom Jobim estava entre os mais novos, no que diz respeito à idade. Nascido em 25 de janeiro de 1927 no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, Antônio Carlos Brasileiro Jobim conviveu perto de magnânimos personagens da cultura brasileira, quando já estes respiravam a meia-idade. Lambuzou-se com os ensinamentos do maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959), Ary Barroso (1903-1964), Pixinguinha (1897-1973), Vinícius de Moraes (1913-1980), entre muitos outros. Mas este quarteto dá a visão de como foi rica a biografia de Tom. Quarta-feira passada completou dez anos da morte dele, aos 67 anos, ao sofrer parada cardíaca após a retirada de um câncer na bexiga. A dimensão da importância de Tom Jobim para a música brasileira é enorme. Sem ele, as canções leves e cobertas de reajustes não seriam as mesmas. Ele não cansava de dizer que costumava apagar com borracha seus papéis onde repousavam novas composições, ao contrário de Villa-Lobos, “que fazia tudo de uma vez só, sem um errinho sequer e a tinta”, reclamava Tom.

No começo de 1993, logo após o aniversário do músico fluminense, a TV Cultura conseguiu rodar o documentário “Tom Jobim –As Nascentes”, com direção de Fernando Faro, escritor e criador dos programas “Ensaio” e “MPB Especial”, na mesma emissora. Lá, Jobim se mostra um cansado e atrapalhado contador de histórias, com as características que lhe eram familiares. Com camisa quase totalmente aberta, ele relembra histórias e as conta com igual prazer com que dedilha as teclas de seu piano, tocando um a um de seus sucessos eternos. A fita abre com “Luíza” e segue no esquema Faro de gravar: silêncio na hora das perguntas, confissões nas respostas. Pessoas com a trajetória como a de Tom são cheias de histórias interessantes, até porque teve respaldo de ícones do Brasil. O grande deslumbramento dele para com tudo é explicado por isso: a vida lhe concedeu honrarias fora do tom, para aproveitar aqui o trocadilho. Desfrutou das décadas de 1940, 1950 e 1960, épocas áureas dos movimentos mundiais e tempo da Bossa Nova (1959), onde qualidade era verdadeira por excelência.

Ao lado do parceiro Vinícius de Moraes, o diplomata, compôs “Garota de Ipanema”. Somente essa música e basta. Gravada por celebridades, caiu feito luva na voz de Frank Sinatra, no dueto que ficou para quem quisesse ver. Tom do lado direito, Sinatra do esquerdo, ambos de smoking, Frank com charuto na mão, a dupla sentada em cadeiras confortáveis. A letra saia da boca do cantor norte-americano com igual sintonia da melhor orquestra do planeta. Sem esforço. Sem tropeços. “Garota de Ipanema” foi construída em 1963. O encontro com “A Voz” (singelo apelido de Frank Sinatra) se deu em 1967. Como o mundo é pequeno, numa dessas inacreditáveis coincidências da vida, o médico que fez o parto de Tom Jobim foi o mesmo que tirou Noel Rosa da barriga da mãe dele, praticamente 17 anos antes, em 1910. Santo doutor! No dia em que Tom nasceu, faltava água na casa da família dele. Seu tio, então, prontamente pediu o líquido emprestado ao vizinho. Veja como são as coisas... O médico e suas duas crianças que vieram para este lado. Dois gênios com este fio de ligação curioso.

Tom Jobim continua brincando no piano no documentário. Alguns pontos curiosos que cercam o compositor brasileiro mais conhecido no exterior na morte dele: seu desaparecimento se deu aos 67 anos, mesma idade do falecimento do poeta Vinícius de Moraes; e a causa foi câncer da bexiga, igual a Heitor Villa-Lobos. Na adolescência, escorregou a caiu areia abaixo de uma pirâmide humana que se formava. O resultado: crônica dor no nervo ciático. Tocador de piano desde os 13 anos, recebeu as influências do tios Marcelo (que conhecia sambistas) e João Madeira (que sabia lidar com violões e era amigo de Villa-Lobos). Ainda nessa fase, teve aulas com Hans Joachim Koellreutter, alemão que fugira jovem do nazismo. A preferência de Tom era outra. Adorava passar dias na mata caçando onça e macacos. Também tinha Teresa, garota que conhecera aos 15 anos e com a qual se casou sete anos mais tarde. Comprou seu primeiro carro, um Fusca, em 1962, quando estava rodeado pela fama. Um pouco antes, em 56, musicou e fez arranjos para “Orfeu da Conceição”, peça de Vinícius de Moraes.

Conheceu Villa-Lobos numa festa, onde foi levado por Moraes. Isso ele conta em “Tom Jobim – As Nascentes”. Aproximou-se do ídolo e perguntou: “Esse barulho não o incomoda?”. Heitor se virou para ele e decretou: “O ouvido de dentro não tem nada a ver com o ouvido de fora”. Estava a amizade selada. Com Sinatra a situação se fez quase idêntica. No início da década de 1960, Tom era o estouro nos Estados Unidos e vivia na ponte-aérea Rio de Janeiro – Los Angeles. Frank telefonou a ele e pediu para gravar um disco. Mais de 30 anos depois, “Garota de Ipanema” era a quinta canção mais tocada no mundo, com três milhões de execuções. Ao casar-se pela segunda vez , com Ana, a fotógrafa, despediu-se da boemia. Aparecia diariamente às 8h30 na padaria Século XX, do Jardim Botânico, bairro nobre carioca. Chapéu de palha, fumando o inseparável charuto, pedia cafezinho e barra de chocolate. Passava pela farmácia, onde comprava aspirinas. Numa churrascaria, bebia chope até às 15h30. Então, retornava à padaria, para saborear outra barra de chocolate. Vivia sobriamente.

Quando soube que um cheque de Charles Chaplin havia sido leiloado por rios de dinheiro, Tom passou a mão na caneta, preencheu um cheque de 100 mil cruzeiros (cerca de 10 dólares) e pagou o serviço da padaria a Armando Ascenção. Ao entregar o papel, determinou: “Pega essa relíquia que um dia valerá milhões”. Até hoje o funcionário não leiloou a jóia preciosa. Ao compor “Águas de Março”, em 1972, deu para Elis Regina (1945-1982) gravar primordialmente. Em 1976, no encontro memorável de Toquinho, Vinícius, Miúcha e Tom, a Rede Bandeirantes se condecorou pelo especial que montara. Só faltou Chico Buarque e João Gilberto naquela reunião. Dentre suas composições, “Se todos fossem iguais a você” está na lista das mais belas. E serve para qualquer homenagem a quem quer que seja, não resta dúvidas, inclusive ao próprio Tom. São versos de inspiração ímpar e de refinamento incomparável. Como Tom, que nos deixou um tom triste pela sua perda.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 11/06/2009
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