Aconteceu Naquela Noite (publicado originalmente em 15/6/2005)

71 anos atrás o cinema no mundo todo ainda experimentava situações, estilos de filmagens, lances com as câmeras. A ferida causada pela perda do ídolo Rodolfo Valentino, em 1926, ainda doía nos fãs. Foi quando apareceu, em 1934, um novo galã. Bigodinho atrevido, cabelo bem penteado, Clark Gable tinha nas mãos todos os requisitos necessários para fazer as pessoas tirarem, pelo menos na parte da emoção, Rodolfo da cabeça. Isso ocorreu em 1934, no 32º trabalho de Clark. “Aconteceu Naquela Noite”, daquele ano, estourou na crítica. Gable faz Peter Warne, um jornalista desempregado e doido atrás de alguma notícia que pudesse sacudi-lo e arrumar um emprego. Numa viagem de trem, ele encontra, por acaso, Ellie (Claudette Colbert) uma menina mimada que fugiu do pai porque este não aprovou o rapaz que ela escolheu como marido. A lâmpada acende na cuca de Peter, que enxerga nesse caso uma excelente oportunidade de criar ótima reportagem. Então, começa a conversar com a moça, que inicialmente fica assustada com o interrogatório, mas depois abre o jogo com periodista. Porém, certas coisas acontecem com a dupla e a confusão aumenta de tamanho quando o pai de Ellie decide procurá-la.

Foi o filme mais famoso feito por Colbert, atriz francesa que morreu em 1996 aos 92 anos de idade e quase sete décadas de carreira. Com Gable, a história não se repetiu, pois, como todo mundo sabe, ele ficaria famoso mundialmente cinco anos depois de rodar “Aconteceu Naquela Noite”, ao filmar “... E o Vento Levou” (1939). O ator desfrutou pouco como celebridade. Morreu aos 59 anos, em 1960, devido a ataque do coração. A fita de 1934 foi a primeira a receber da Academia o prêmio “Grande Cinco”, quando são dados a um mesmo longa-metragem as estatuetas de melhor filme, ator, atriz, diretor (Frank Capra) e roteiro adaptado. Depois dele, apenas outras duas películas ganharam esta honraria: “Um Estranho no Ninho” (1975) e “Silêncio dos Inocentes” (1991). Os problemas nas filmagens foram todos os possíveis: Gable chegava quase sempre alcoolizado às gravações e brigava com Capra, que não o suportava; Claudette se recusava a mostrar as pernas numa das cenas cruciais da fita, quando a personagem dela tenta arranjar uma carona (só aceitou quando o diretor ameaçou por uma dublê)... Isso, ao contrário, não transparecia na telona. Dava-se a impressão que o trio era bastante aconchegante e familiar.

Clark Gable explora em “Aconteceu Naquela Noite” seu lado mais afetivo e bem humorado. Ao lado de Colbert, comediante nata, dá banhos de respostas afiadas e precisas, no momento certo. Seu Peter Warne sabe lidar com a garota mal educada e repleta de caprichos Ellie (que já não era tão menina assim, pois Claudette tinha 30 anos quando filmou). Mas ainda não saímos do trem, onde a filha de Alexander Andrews (Walter Connoly) está, decepcionada com o pai, que anulou casamento com o aviador King Westley. Capra, mais que o jornalista feito por Gable, sabia manejar seu elenco. Tanto que o protagonista masculino se encantou com o trabalho dele e deu o melhor de si em frente às câmeras. Do lado feminino, veio o agradecimento na festa do Oscar: “Eu devo isto a Frank Capra”, afirmou, às lágrimas, a atriz principal. Ademais, Capra, aos 37 anos, se consagrara como o diretor naquele instante. Fez 51 filmes, 11 deles documentários. “A Felicidade Não se Compra”, de 1947, ficou na história como o melhor roteiro de otimismo já produzido. Assim como Colbert, Frank teve vida longa – morreu aos 94 anos, em 1991; de ataque cardíaco, igual a Clark. Nascido na Itália, faleceu na Califórnia, enquanto dormia.

“Aconteceu Naquela Noite” possui seqüências inesquecíveis, como a já citada insinuação de Ellie para pedir carona. O desfecho do filme é óbvio: após desavenças, discussões, brigas, tapas e etc, Peter e Andrews acabam juntos, separados por um fio (quem viu o longa sabe sobre o que falo aqui), dentro de um quarto de uma pensão fajuta. O roteiro serviu de base para muitos e muitos filmes dos anos seguintes. A fórmula é imbatível, por isso foi (e é ainda) bastante copiada. Tida como a primeira comédia romântica do cinema, “Aconteceu Naquela Noite” usou e abusou de recursos lingüísticos, humor escrachado e romantismo no ponto correto. Contribuiu para que Clark (que nos bastidores era acusado de ter mal hálito) recebesse o convite para a película de quatro horas de duração de 1939, “... E o Vento Levou”. Trabalharia, pouco antes de morrer, com Marilyn Monroe (tema desta coluna na quarta-feira passada) em “Os Desajustados” (1960). Para a pequenina Claudette Colbert, alavancou sua trajetória de humorista. Um filme para se ter na prateleira, para aqueles dias em que não dá vontade de fazer nada, apenas rir, se encantar, se divertir e se entreter com as discussões indiscretas de Peter e Ellie, o casal desajustado.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 03/07/2009
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