Perfume de anjo (publicado originalmente em 3/8/2005)

Nunca li os quadrinhos de Frank Miller, o “Sin City” que estreou nos cinema do Brasil sexta-feira passada. Mas vi o filme, dirigido, além de Miller, por Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, que faz uma “participação especial”. Como não conhecia personagens, nem estilo de história onde estes seres desenvolviam suas aventuras, fui ao ecrã com os olhos “vendados”. Assisti a um grande espetáculo, em todos sentidos. Fotografia excelente, direção segura, elenco preparado e roteiro bem desenvolvido. “Sin City – A Cidade do Pecado” mostra, em pouco mais de duas horas de duração, três histórias que se entrelaçam: do detetive que persegue um bandido pedófilo, do matador desejoso de vingança após a morte de sua amante, e do rapaz que quer defender uma garçonete da tal cidade do título. Tarantino coordena exatamente uma das cenas deste último episódio, onde estão no elenco os atores Benicio Del Toro, Clive Owen e Brittany Murphy. No longa lançado no antepenúltimo dia de julho, além deste trio de atores bem conhecidos do público, há outros, ainda mais celebrados: Bruce Willis, Mickey Rourke, Elijah Wood, Rutger Hauer e Jessica Alba, esta um monumento em forma de uma moça de 24 anos. Recuperações a vista.

Destes, Rourke é quem mais se destaca. Ele interpreta Marv, uma pessoa nada delicada que não lembra o doce John, feito por ele há quase duas décadas em “9 ½ Semanas de Amor” (1986). É, é ele mesmo, de volta. Este Marv de Rourke é um homem destroçado, dilacerado, horroroso e vingativo. Por isso mesmo, bem melhor que as simplicidades suas ao lado de Kim Basinger, nas estripulias de sexo dos anos 1980. Cheio de cicatrizes no rosto, o monstrengo encarnado por Rourke tem apenas um objetivo: assassinar, com rituais dadivosos de sadismo, o ladrão que roubou sua bela Goldie, matando-a. Para atingir esta meta, não poupa esforços. Ao contrário: dobra-os. Socos, cortes, cabeças arrancadas, pernas decepadas, braços aniquilados. Na história de Marv, a segunda e melhor contada em “Sin City”, ele desenrola toda a conexão de gente que adora brincar com crianças. O grandalhão vivido pelo ex-John passa por cima de todos eles, até chegar no hábil Kevin, um jovem dotado de movimentos elásticos e unhas de gato. Kevin é protegido do cardeal Roark (Hauer, que volta a atuar em um bom filme desde que participou de “Blade Runner”, 23 anos atrás – “Sin City” é o 89º filme em que trabalha), um devoto de Deus e adorador de bebês.

A saga “salvar ex-ícones do cinema do ostracismo” continua. Bruce Willis estava a ponto de cair no fundo do poço. Desde “O Sexto Sentido” (1999) estava escondido em produções paraguaias. Agora, Rodriguez o trouxe de volta a vida. Willis dá vida a Hartigan, detetive sessentão que, pouco antes de se aposentar, é pego de surpresa quando testemunha um seqüestro de uma garota de 11 anos. Consegue abater o carniceiro. Porém, oito anos depois, depois de ficar recluso numa prisão bem mal cheirosa recebendo correspondência de sua grata Nancy Callahan (Jessica Alba, na fase dois), sai da penitenciária e esbarra, sem querer, no lugar onde a felina Nancy ganha seu pão: o clube de strip-tease de “Sin City”, um município dominado por mulheres lindas e prontas para defender o território. Lá, vale a lei do mais forte: armas na mão, espadas bem seguras, e brigas para quem quiser ver, de todos os tipos. De todas essas formosas garotas, duas delas, que curiosamente não pertencem ao rol das moradoras da cidade do pecado, merecem a consideração favorável no quesito “beleza”: Carla Gugino (Lucille, a advogada de Marv) e Jaime King (a tão comentada Goldie, chamada de “Perfume de Anjo” pelo seu tutor, o brutamontes Marv).

“Sin City” tem, como escrevi no primeiro parágrafo, fotografia espetacular. Todas as cenas são rodadas em preto-e-branco, mas determinadas cores aparecem de vez em quando, e nessas vezes em que surge na tela, é abrilhantada pelas mulheres: um vestido vermelho, lábios rosados, olhos azuis e verdes etc. Outro fator, que lembra HQs, é tipo de flash branco colocado em seqüências fortes, como, por exemplo, no momento em que Kevin tem os restos de braços, pernas devorados por um cachorro que baba raiva. Mais um ingrediente que ajuda a entender porque o longa é tão bom: os atores estão em poucas cenas. Com exceção de Mickey Rourke, todos aqueles outros “resgatados do além” por Robert Rodriguez atuam somente em instantes chaves da trama. Assim, pode-se considerar que eles se dedicaram mais a esta tarefa, esmeraram-se nelas, e, conseqüentemente, deram show. Somam-se a estes tópicos a presença de Miller nos sets de filmagem, onde pôde averiguar os rumos que sua cria tomaria. Por tudo isso, “Sin City” é uma fita extraordinária. Digna de aplausos e de não ficar restrita a apenas uma visita dos espectadores. Faço minha a expressão de Marv: o filme é um “perfume de anjo” realmente (se é que existem anjos e se esses anjos têm cheiro).

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 05/07/2009
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