Quais as cores das nuvens? (publicado originalmente em 21/6/2006)

Quais as cores das nuvens? Você sabe? Quem algum dia parou em qualquer lugar, mirou seus olhos em direção ao céu e analisou metodicamente que cor ou quais cores as nuvens sustentam nos conteúdos? Não sei responder, até porque eu também sequer havia utilizado meu tempo para tal. Mas agora reparem bem. Desperdicem meros segundos e vejam as nuvens. Elas são envoltas em inúmeras relevâncias de tons. Comecei a prestar atenção nesses detalhes depois de ver talvez o melhor filme de arte desta década: “Moça com Brinco de Pérola” (2003). Atentar para o colorido dos gordos algodões que estão acima de nós foi uma das lições do pintor Johannes Vermeer (Colin Firth) à camponesa de 17 anos Griet (Scarlett Johansson). Não se trata apenas de deixar-se atingir por determinadas faces da arte em si. Saber a direção e os sentidos do “sobrenatural” é fundamental. A fita é de uma delicadeza fora do comum, chegando a ser intocável. Na trama, o artista precisa pintar um quadro encomendado por Van Ruijven (Tom Wilkinson), um senhor tarado por mocinhas jovens e obras de arte. Para tanto, Vermeer se inspira em Griet e no par de brincos de pérola da esposa Catharina (Essie Davis). Griet é a camponesa holandesa que vai à casa do pintor por trabalho. 1665 é o ano em que se passa a fita.

Em meados do século 17, nada era fora do lugar. Ou quase nada. Com a adolescente, a vida do pintor aos poucos de modifica. Sempre trajada da cabeça aos pés (a personagem de Johansson mostra os cabelos apenas a meia hora do fim do filme), a jovem tímida de imediato não consegue disfarçar seu interesse pela pintura. O atelier de Vermeer vira objeto de paixão dela, ao mesmo tempo em que Catharina, uma mulher que serve apenas para gerar filhos, vê despertada sua inveja. Protegida pela mãe, a interesseira Maria (Judy Parfitt), a senhora Vermeer tem participação passiva praticamente na película inteira. Apenas no terço final ela se revela devastadoramente ciumenta. E esse é um erro de “Moça com Brinco de Pérola”. Essas cenas são desconexas, pois de uma hora para outra acontecem as coisas. As cenas não têm a continuidade planejada pelo diretor Peter Webber. O longa-metragem podia ser estendido em alguns minutos, já que o imediatismo nesse tipo de filme não cai bem. A fita peca também no figurino de Essie Davis. Para compor a megera Catharina, deram a ela roupas para ir a um baile de fantasia. Exageraram. O caminho não era esse. Atrás desses defeitos, há as qualidades, tecidos a maneira diferente. A direção de arte, por exemplo, é espetacular, assim como as locações.

Filmado na Inglaterra, “Moça com Brinco de Pérola” tem em seu elenco, como vocês puderam ler, a maioria de atores desconhecida do grande público. Apenas Scarlett Johansson e Cillian Murphy (o Espantalho de “Batman Begins”, 2005), intérprete do açougueiro Pieter, apaixonado por Griet, são “famosos”. Os demais, não. O próprio Firth, dos filmes de Bridget Jones (2001 e 2004), “O Paciente Inglês” (1996), “Shakespeare Apaixonado” (1998) e “Simplesmente Amor” (2003), com pontas ou papéis significativos, está abaixo do chamado estrelato. Scarlett, a primeira vista, está irreconhecível. De touca, mais pálida que normal, não lembra nem de longe a ninfeta de “Encontros e Desencontros” (2003). De pouquíssimas falas, porém, basta ela balbuciar algo para seu feminismo ficar à vista. Ao lado de Jennifer Connely, é a atriz mais bela do circuito cinematográfico atual. Com sua formosura o talento se junta. Ainda assim, “Moça com Brinco de Pérola” não é a atuação mais brilhante dela. Em “Ponto Final” (2005), de Woody Allen, por exemplo, convenceu mais. O diretor Webber explorou pouco as qualidades dela. Restringiu-a a menos cenas, dando maior ênfase às pinturas de Vermeer. A pergunta sobre as cores das nuvens, entretanto, é daqueles instantes que ficam na memória de todos.

No fundo, ninguém há de saber responder a isto. “Cinza. Não, azul. Não, amarela. Meu Deus, as nuvens têm várias cores...”, diz Griet. Esta ponta mostra como somos frágeis. A camponesa, sendo analfabeta, não sabia distinguir letras, mas sim tons coloridos. Auxiliava o pintor a misturar as cores, comprar material, enfim, ela se dedicava ao que sabia e gostava. Griet representa o “querer saber”. As cores das nuvens, assim, são a incógnita. Na vida, temos de saber detalhar quais cores as nuvens têm. E eu repito a pergunta: você sabe?

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 25/07/2009
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