Entrevista de Cacá Diegues (publicada originalmente em 26/6/2004)

“O Brasil é o quebra-cabeça que nunca ficará pronto”, diz Diegues

Apontado pela revista norte-americana The Times na lista dos mil personagens que fizeram os cem anos de cinema, em dezembro de 1995; responsável por grandiosos sucessos como “Bye Bye Brasil” (1979), “Xica da Silva” (1976) e “Chuvas de Verão” (1977); co-produtor nas principais luzes do diretor Glauber Rocha (1939-1981), entre elas “Terra em Transe” (1967); ganhador de infinitos prêmios mundo afora... Esses pontos são um pequeníssimo trecho do currículo do alagoano Carlos Diegues, 64 anos.

Cacá, apelido dado pelos amigos de infância, é pura polêmica. Mostra isso sem pestanejar na curta entrevista exclusiva que concedeu para a coluna Coisas de Cinema na última semana, poucos dias após chegar do exterior, onde acompanhou festivais de cinema. Entre os assuntos abordados, prevê o futuro do ator Rodrigo Santoro na badalação de Hollywood: “Quando ele for absorvido de verdade pelo cinema americano, ninguém se lembrará mais que ele é brasileiro, mas apenas um bom ator ‘latino’”. A seguir, os principais lances deste amor correspondido entre Diegues e a sétima arte numa entrevista concedida por e-mail à coluna "Coisas de Cinema" do jornal "Diário de Jacareí":

Muitos diretores novos surgiram nos últimos anos no Brasil. Qual sua análise sobre esta nova safra, que não se considera uma geração, ao contrário, por exemplo, do “Cinema Novo” da década de 1960?

É um milagre que, depois de tanto tempo que se filmasse no Brasil, surja uma geração de cineastas jovens tão talentosos, fazendo filmes no mínimo interessantes, alguns deles verdadeiras obras-primas. Só posso atribuir isso a uma vocação irresistível do Brasil para o cinema.

Em quais aspectos os 21 anos de ditadura militar (1964-1985) ajudou e atrapalhou no cinema brasileiro, com exceção da censura?

A ditadura militar interditou a realidade, ou seja, não se podia falar sobre o Brasil real durante aquele período. Isso retardou em duas décadas a reflexão dos brasileiros sobre seu próprio país. [O período de domínio dos generais por pouco não desmembrou estúdios de filmagens brasileiros e passou uma borracha nos cérebros mais criativos de nosso país; projetos como o de “Cabra Marcado Para Morrer” – 1985 – de Eduardo Coutinho, tiveram de ser interrompidos e recomeçaram anos depois, no caso deste documentário de Coutinho, duas décadas].

O Brasil ainda precisa ser descoberto pelos brasileiros ou filmes como Carandiru e Cidade de Deus já deram alerta suficiente para o nosso verdadeiro cotidiano?

O Brasil é um grande quebra-cabeça em que cada um de nós vai botando um pedacinho, um fragmento do que podemos chamar de realidade brasileira. E esse quebra-cabeça não ficará nunca pronto. A cada momento ele se alterará pelo que se passa ali na esquina, em qualquer canto do país. [Documentários como o do seqüestro do ônibus 174, de 2003, tiveram pouco retorno de público, mas denunciaram as mazelas da precariedade do sistema policial do Brasil].

O sucesso de Rodrigo Santoro nos Estados Unidos poderá ser mais para frente uma porta aberta para bons profissionais daqui, como ocorre hoje com Walter Salles? Rodrigo já pode ser considerado uma versão masculina de Sônia Braga?

O sucesso de Rodrigo é o fruto de seu talento pessoal e de seu trabalho. Quando ele for absorvido de verdade pelo cinema americano, ninguém se lembrará mais que ele é brasileiro, mas apenas um bom ator “latino”, capaz de representar tipos “característicos”. Hollywood é também um estado de espírito e uma nacionalidade em si. [Rodrigo Santoro atuou em “Panteras Detonando”, de 2003, onde suas cenas faladas foram totalmente cortadas; e esteve em “Simplesmente Amor”, do mesmo ano, e aí sim “teve autorização” para pronunciar algumas frases e protagonizar momentos pra lá de picantes com a atriz Laura Linney].

Parceiros eternos – A biografia de Carlos Diegues revela a fidelidade do diretor para com o cinema. Desde os seis anos, o maceioense vive no Rio de Janeiro, onde freqüentou diversas saletas cinematográficas de bairros. Nos primórdios da carreira, pegou no colo películas de 16 milímetros. A veneração pelas histórias das telonas seguiu e preencheu a maior parte da vida dele. Fixava bandeira na cinemateca do Museu de Arte Moderna fluminense, onde arredava pé e raramente saía.

Aos 24 anos, fez o compositor Cartola (1912-1980) virar ator pelas suas mãos em “Cinco Vezes Favela” (1964). Entre seus parceiros, sem dúvida Glauber Rocha foi o mais intenso. Para demonstrar a eterna gratidão ao baiano, morto aos 42 anos, gravou depoimento para o documentário de Silvio Tendler “Glauber, Labirinto do Brasil” (2003). Neste filme, relembrou passagens alegres sobre o amigo, que, como Diegues, costumava não possuir papas na língua e enfrentava muitas discussões devido a isso.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 10/10/2009
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