No cinema, ‘O Mal Amado’ (publicado originalmente em 27/7/2010)

Quem tem mais de 40 anos lembra perfeitamente do estrondo que foi a novela ‘O Bem Amado’ na TV Globo em 73. Além de ser a primeira atração televisiva a ser exibida em cores, após a Festa da Uva, a obra do então já consagrado autor Dias Gomes (havia escrito a peça de teatro ‘O Pagador de Promessas’ em 1959, esta levada às telonas três anos depois – ‘O Bem Amado’ foi ao teatro primeiro em 1962 e à TV após onze anos...) estreou em meio ao caos nacional causado pelas torturas e que tais da ditadura militar.

Protagonizados pelo inoxidável Paulo Gracindo, no auge da carreira aos 62 anos, os capítulos, um a um, foram deixando rastros de eternidade na televisão verde-e-amarela. Tinha de tudo: um assassino bem arrependido dos pecados, Zeca Diabo (Lima Duarte, sublime), irmãs puxa-saco do prefeito, as Cajazeiras, e, claro, o tal político corrupto, Odorico Paraguaçu (Gracindo). Ao vencer as eleições, promete inaugurar o cemitério da cidade de Sucupira. Há o corte da faixa, porém, desde o fato, ninguém mais morre por ali.

O sucesso da novela foi tamanho que a Globo, seis anos depois do término dos capítulos, trouxe à baila os personagens, agora no seriado ‘O Bem Amado’, exibido de 1980 a 84. Aí eles viram que tudo já dera o que tinha de dar e jogaram o paletó nas costas, segurando-o pelo indicador. Pois bem. E eis que 26 anos se passam e a Globo Filmes resolve montar o longa-metragem ‘O Bem Amado’. O roteiro estava no teatro há meses, com Marco Nanini no papel principal. Quiseram repetir o caminho anterior – teatro-TV, alterando a segunda opção –teatro-cinema. O que vemos na telona é um legítimo, castiço e grande acinte.

Isto mesmo: provocação e mágoa. Com quem? Ora bolas, com você, o público. Enfiar goela abaixo qualquer pano faz o espectador se engasgar. E, digo por mim, estou pigarreando há muito com estas fitas-novela da Globo Filmes. Qual a razão de se transportar ao cinema, mesmo ao teatro, pois também está lá, a história que está na cabeça do povo com Paulo Gracindo e Lima Duarte, não com Nanini e José Wilker?

Personagens tão enraizados assim não devem mais ser chacoalhados de maneira tão desrespeitosa. A impressão que dá é a de que estamos vendo uma novela! Closes excessivos, falta de comprometimento com detalhes, como continuidade e direção de arte, e interpretações caricatas e sem a devida medida dão a sensação de que tem algo errado. Nanini, em minha conta um ator exemplar, destoa de suas performances categóricas, como ‘O Auto da Compadecida’ (2000, do mesmo diretor de ‘O Bem Amado’: Guel Arraes), ‘Carlota Joaquina’ (95). É incrível, a completar, como a direção tipifica para baixo o sotaque nordestino e o comportamento em cena (e Nanini é pernambucano de nascimento). ‘O Bem Amado’, para concluir, no cinema é deveras o seu oposto: podia ser intitulado simplesmente ‘O Mal Amado’ ou ‘O Mal Acabado’.

Enfim, fiquem atentos porque vem aí o filme ‘Roque Santeiro’. As filmagens começam em 2011. É como dizia aquele personagem de Jô Soares: ‘Você não quer que eu volte’. E eu nem estou fora do Brasil.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 27/07/2010
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