Francis, meu caro (publicado originalmente em 24/5/2011)

Fernando Henrique? 'Um dos piores presidentes que o Brasil já teve.' Lula? 'Se ele for presidente um dia, nunca mais volto ao Brasil.' Petrobras? 'Um ninho de cobras, e todas corruptas.' Brasil? 'Este país tem um povo medíocre'. E lembram-se da 'lagartixa pré-história? Era Caio Túlio Costa, o ombudsman da Folha de São Paulo em 1989. Paulo Francis foi o autor de todos estes comentários e de muitos outros. O jornalista descascava-os, um a um, com aquela verve neurastênica que só ele possuía. E em 1989, quando deu o famoso apelido a C. T. Costa, Francis era funcionário da Folha, portanto colega do 'homenageado'.

Esta característica marcante, perturbada por muitas versões da própria, estão em 'Caro Francis', o documentário de Nelson Hoineff lançado ano passado e tão provocador e emotivo quanto o protagonista. Logo na primeira sequência, Francis surge em seu apartamento, em uma filmagem caseira. Daí a contar a trajetória do jornalista se vão cerca de 85 minutos de história deliciosas, canções entoadas por ele mesmo e elogios, aliás, centenas deles. 'Meu nome todo é Franz Paul Trannin da Matta Heilborn. Coloquei Paulo Francis porque entender o verdadeiro era complicado', avisa com a voz marcante e protegido pelos óculos de lentes grossas de alguns graus. As expressões da televisão se tratavam como obra de puro marketing.

Daniel Piza e Diogo Mainardi foram seus aprendizes. O primeiro conviveu com Francis um longo período, extraiu dele o que foi possível. O segundo hoje o substitui no programa 'Manhattan Connection', da Globo News, onde o então crítico de teatro que um dia ousou desqualificar a atuação de Tônia Carrero e por isto levou uma cusparada de Paulo Autran ('me arrependo sempre', disse Francis anos depois), batia ponto semanalmente entre 1993 e o início de 1997. A Sônia Nolasco, esposa, ficou a parte de recordar a paixão do companheiro pelos gatos. Ela chega a ler, emocionada, uma carta na qual Francis, depressivo, falava sobre a saúde de sua gata, agonizando na caminha especialmente preparada para ela, a um amigo.

Hoineff, um dos mais conhecidos diretores e jornalistas da televisão, rodou 'Caro Francis' quase simultaneamente a 'Alô, Alô, Terezinha!' (2009), sobre Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Hoineff não tem em ambos os trabalhos o setor 'social', ou seja, a infância, juventude e adolescência de seus personagens são vistos sem importância. O que vale mais são as opiniões dos amicíssimos. Francis recebe adjetivos do teor de transgressor, antipático, elegante, parceiro, colaborador, mestre. Há, claro, tempo aos estouros nas gravações de boletins para o Jornal da Globo. Palavrões, impropérios quando o telefone insistia em tocar.

Eu tinha somente 15 anos quando Paulo Francis sentiu fortes dores no braço e foi diagnosticado como tendo bursite. Dois dias mais tarde morreu de infarto praticamente nos braços de Sônia. Eu jamais poderia supor quem era ele porque com 15 anos todos somos um tanto despreocupados. Foram mesmo as denúncias acerca da Petrobras as responsáveis por levarem P. Francis embora? Nunca saberemos. 'Foi um assassinato assistido' para Hélio Costa. Mas Francis sabia tudo, sim, sobre todas marchinhas de carnaval. E filmes também. O documentário mostra, durante um 'Manhattan Connection', a imitação de Humphrey Bogart. Francis de chapéu, rosnando como protagonista de 'Casablanca' (1943). Tem cena mais colorida?

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Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 25/05/2011
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