A Cena Muda – Primórdios do Cinema Brasileiro

A Cena Muda – Primórdios do Cinema Brasileiro (1)






Por mais que se façam apologias ao artista nacional, eternamente esquecido, o tempo avança, o entulho aumenta e a desinformação toma conta do pedaço. Indique qual desses nomes está associado ao nascimento do cinema tupiniquim: André Loureiro, Jair de Souza, Zezo Ataliba, João Poyares. Vejamos quantos você acertou...Nada. Os nomes acima são de guitarristas contemporâneos, de reconhecida competência no meio musical, embora, como a maioria quase que absoluta dos talentos de todas as áreas, figuram no cenário do semi A.A. (artista anônimo) e integram uma coletânea que com muita sorte você acha nalgum brechó. Agora vamos ao cinema.

Ademar Gonzaga nasceu em 1901 no Rio de Janeiro e logo nos anos 20 formou o primeiro clube de cinema do país, o Paredão. Cineasta, jornalista, defensor de padrões estéticos similares aos do cine ianque, familiar aos mesmos, (Ademar estagiou em Hollywood), dez anos depois do Paredão fundou, em 1930, os estúdios da Cinédia. Como todo pioneiro que se preze, Gonzaga foi também um pesquisador e graças a sua labuta hoje podemos dizer com segurança que o primeiro filme feito no Brasil ocorreu em 29 de junho de 1898. Detalhe – a primeira fonte de pesquisa desse artigo – material impresso produzido nos anos 60, assinala a data de 29 de junho, ao passo que fontes mais recentes consideram 19 de junho, Dia do Cinema Brasileiro. Detalhe esse que não fará a menor diferença na vida passada do italiano Alfonso Segreto que, recém chegado da Europa com uma câmera nova em folha, capturou uma cerimônia cívica nas ruas do Rio de Janeiro. Desse modo, obtemos um marco inicial do nosso cinema.

Os próximos 15 anos podem ser encarados como algo além de uma complexa série de circunstâncias. Se de um lado a alavanca da moviola foi constituída de surtos regionais com suas manifestações restritas aos locais de produção, de outro o termo “pioneirismo teimoso” atinge o âmbito geral conseguindo colocar no mercado cerca de 100 produtos anuais, entre 1909 e 1910. A palavra de ordem para dezenas de nomes apagados da memória equivale a esforço e o mesmo deve ser definido como intrépido.

Antonio Leal e Francesco Marzulo, Labanca, Francisco Serrador, Willian Auler, Paolo Benedetti, e mais uma lista de nomes se destaca no período que circunda a Primeira Guerra Mundial, tempo este em que o cinema se tornou indústria e nossos pioneiros, através de dedicação exemplar, conseguiram nos deixar um legado para constar nos autos.

Vejamos alguns títulos do período 1909 – 1915, que por si só já são indicadores de “n” percepções: A Moreninha (1915), Mil Adultérios (1910), A Cabana do Pai Tomás (1909), Pega na Chaleira (1909),
Os Milagres de Santo Antônio (1909), Um Drama na Tijuca (1909), Noivado de Sangue (1909). Esse último, para quem pensa que o ancestral de programas televisivos do gênero “espreme que sangra”, tais como “Cidade Alerta”&Etc. foram os tablóides das décadas de 60 e 70, se engana e a história ensina que sempre existe um ponto anterior.

No Rio de Janeiro dos anos 10 já fazia furor nas telas as reconstituições de crimes explorados pela imprensa.

A lista de filmes acima é um 3x4 do currículo de Antonio Leal, que chegou no Brasil em 1898, com 21 anos de idade e já formado em Magistério Primário, em Braga. Neste nosso solo verde-amarelo Leal se sagrou cineasta, diretor de fotografia, produtor de cinema e ator luso-brasileiro.


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A vida carioca da segunda metade do século XIX foi presença constante nos romances, contos e crônicas do escritor Machado de Assis. Um de seus célebres personagens toca piano num sarau, na rua do Areal, outros personagens dobram a esquina da rua Formosa e, não muito longe dali, e muito além da imaginação de qualquer autor de todos os séculos para trás, teve lugar a primeira exibição de cinema no Brasil - 8 de julho de 1896, rua do Ouvidor, Rio de Janeiro. No ano seguinte um italiano denominado Paschoal Segreto inaugura o "Salão de Novidades Paris", primeira sala fixa de cinema. (Paschoal era irmão de Alfonso, aquele a quem se atribui o primeiro filme nacional).

Em 1908 o Rio contava com 20 salas de cinema, sendo talvez um dos maiores coadjuvantes desse marco o fornecimento de energia elétrica mais confiável, graças a inauguração da usina de Ribeirão das Lajes. Usinas e luz elétrica de um lado. De outro, o Brasil em números não ficaria tão preciso quanto as descrições abaixo:

“Dos dois lados da mesa estavam de pé uns moleques, armados com compridas varas de bambu em cujas pontas havia uma bandeirinha vermelha. Da outras pendiam longas tiras recortadas do Jornal do Comércio, com o quais eram enxotados os mosquitos e as moscas”.

Ou:

“A iluminação era fornecida por lampiões de querosene, os apreciados lampiões belgas que, suspensos do teto e encimados por abajurs de porcelana fina ou de opalina, forneciam luz esplêndida”.

Ambos os relatos foram feitos em fins do segundo quartel do século XX e tratam da vida rural paulista.

Estamos em meados dos anos 10, e enquanto o imaginário dos afortunados que leram Machado e que tiveram suas opiniões formadas sobre a polca “Não bula comigo, Nhonhô”, faziam filas nas salas de exibição, o cineasta Antonio Leal fotografava para a revista O Malho, lançada em 1902, uma das muitas publicações de combate político, críticas e caricaturas, e as companhias estrangeiras batiam à nossa porta com filmes de ficção e documentário.

Também nesse período chega ao Brasil, oriundo de Nova Iorque, o engenheiro Hugh L. Cooper, encarregado de escolher o local da Usina de Parnaíba. São Paulo era mais uma localidade carente de energia elétrica. Talvez nalguma gaveta escondida nos escritórios da melancólica The São Paulo Tramway, Light and Power Company Ltda. estivesse a previsão de que as companhias de cinema americanas Edison, Vitagraph e Biograph teriam bons lucros com as platéias de cá. Como em toda parte e em todos os mercados tudo é movimento, já era sabido que as francesas Pathé e Gaumont, a dinamarquesa Nordisk e a italiana Cines estavam com os dois pés fincados tanto no Rio quanto em Sampa.

Verdade seja dita, havia público para todos e outro pioneiro entra em cena - Paulo Benedetti nasceu na Itália em 1863, fincou bandeira em São Paulo com uma sala de exibição na virada do século, além de montar o primeiro laboratório de revelação de filmes da cidade e depois se reinventou como exibidor ambulante, percorrendo a região sul de Minas Gerais. No ano de 1915 Benedetti dirigiu “Uma Transformista Original”, na cidade de Barbacena. O filme era cantado e boa parte dele sincronizado com um fonógrafo e uma orquestra.

Qualquer pesquisa básica acerca dos primórdios do nosso cinema irá mencionar os filmes cantados e os filmes "posados" (isto é, de ficção). Os “posados”, em geral, retratavam o mundo cão, sendo as principais referências "Os Estranguladores", de Francisco Marzullo (1906), "O Crime da mala", de Francisco Serrador (1908) e o já citado "Noivado de Sangue", de Antonio Leal (1909).


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"A Scena Muda" foi lançada em 31 de março de 1921 e trazia na capa Bebé Daniels (atriz, cantora, dançarina, escritora e produtora estadunidense), na contra capa um anúncio de 1/4 de página dos chocolates Bhering, encimando outro anúncio de 1/2 página das cervejas Hanseatica (fabricadas com água da Tijuca) e o sumário (vizinho dos chocolates), trazia 24 tópicos sobre os filmes do momento. Nenhum nacional.

Seja qual for a circunstancia, a repetição dos comportamentos sempre causa algum espanto.

A década de 10 se inicia com a visita de empresários norte-americanos ao Rio de Janeiro, queriam checar ao vivo e em cores o potencial do mercado cinematográfico brasileiro, e de cara inauguram o Cinema Avenida.

Pouco depois chega em São Paulo o ator italiano Vittorio Capellaro, que se associa ao cinegrafista Antônio Campos e juntos filmam o longa "Inocência" (1915). No sul, (Pelotas), Francisco Santos realiza "O Crime dos banhados" (1914), considerado o primeiro longa brasileiro. E, com essa dinâmica de discurso, seria possível encher parágrafos e parágrafos com nomes e datas. Todos com sua relativa importância no grande esquema que ganhava contornos no país inteiro.

No ano de 2011 a indústria norte-americana de cinema se utilizou de dois pesos pesados para divulgar a novidade Blu-Ray - Martin Scorsese e Clint Eastwood. Ambos falam para as câmeras e para os públicos consumidores sobre as qualidades desta nova mídia, e assinalam, na condição de cineastas, que ao fazer um filme, nunca se sabe quem será inspirado.

Ora essa, eis aí um gancho.

Em 1928 Lamartine Babo e Ary Barroso, criaram a marchinha de carnaval "Cachorro-Quente". De onde eles tiraram essa idéia? De um cineasta que fez fortuna como um fã de cineastas.

Com uma mão na frente e outra atrás, no final do século XIX, Francisco Serrador Carbonell desembarcou no Brasil e antes do seu passamento, em 1941, atingiu o status de “empresário espanhol do ramo do entretenimento, proprietário de hotéis, cassinos, teatros e cinemas em várias cidades brasileiras, principalmente Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba”.

Antes do término dos anos 10 Serrador instalou a primeira grande rede de exibição nacional, com salas em São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói, Belo Horizonte e Juiz de Fora. Ele também se celebrizou por ser um dos primeiros a introduzir o hábito de comer cachorro-quente no Brasil, basicamente através da venda em seus cinemas. Com isso, pode-se dizer que Lamartine e Ary estavam atentos as transformações.

"A Scena Muda", primeira revista de cinema do Brasil, encerrou suas atividades em 1955. Foi a revista de cinema com maior longevidade, tendo conseguido atravessar mais de três décadas.



(Imagem:  Oscarito e Grande Otelo no filme Matar ou Correr)







(Fim)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 17/01/2012
Reeditado em 05/08/2021
Código do texto: T3446068
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