‘Lincoln’ (publicado originalmente em 29/1/2013)

Tudo tenho a favor de ‘Lincoln’. Roteiro apurado, direção de arte bem organizada, figurino sóbrio e discreto, elenco magnífico. Filme sobre política e a políticos, afirmo. Na chave do enredo, as artimanhas de Abraham Lincoln – 16º presidente dos EUA – para aprovar a 13ª emenda, e abolir a escravidão. Com o pano de fundo, Steven Spielberg nos aponta o rumo e objetivo: desnudar pensamentos, sentimentos, ideias e atenções do político do século retrasado (a fita se passa em 1865, primeiro ano do segundo mandato dele, e o último de sua vida). Daniel Day Lewis encarna Lincoln. Serei repetitivo, mas vale: estamos diante dum baita ator. Porém, a sua aceitação foi difícil.

Em 1999, Spielberg comprou os direitos de ‘Team of Rivals’, a biografia de quase mil páginas escrita por Doris Kearns Goodwin, acerca do presidente republicano. De cara convidou Day Lewis ao papel principal, e o ator declinou. Anos mais tarde, a lábia do diretor de ‘A Lista de Schindler’ (1993) convenceu o protagonista de ‘Meu Pé Esquerdo’ (1989). Para tanto, dedicou um ano de estudo ao seu personagem. No começo, não queria maquiagens. Afrouxou a opinião novamente. Aprendeu sotaque, o jeitão de andar (Lincoln tinha 1.93 metro, Lewis mede 1.87 metro) e debruçou-se sobre os discursos e textos do presidente. Na filmagem, todos o chamavam se ‘mr. president’. O resultado é comovente.

Sally Field (‘Uma Babá Quase Perfeita’, 1994) e Tommy Lee Jones (‘Homens de Preto’, 1997) completam o triângulo. Ela é Mary Todd, esposa de Lincoln. Ele, Thaddeus Stevens, deputado a favor da abolição da escravatura. Ambos, semelhantes a Lewis, nos tocam com seus trabalhos. A atriz está particularmente elegante em cena. A companheira decidida, perturbada e atrevida deu a Field a sua indicação de coadjuvante no Oscar. Jones – também finalista como coadjuvante – é o de sempre, ou seja, reto, sem baques como os pinos do batimento do coração de um enfartado. Aliás, como Samuel L. Jackson, que citei semana passada, T. Jones funciona quando tem um bom diretor nos bastidores.

Nos meandros de ‘Lincoln’, vemos a astúcia do político. Por meio de ‘ofertas de emprego’, ele e correligionários tentam demover os contrários à libertação dos escravos. Durante o período está em curso a guerra civil, que aniquilou boa parte do país, além de dividi-lo entre Sul e Norte, nos Estados Confederados. A produção do longa foi esplêndida em reverter os horrores do confronto e ao mesmo tempo nos adoçar com as parábolas de Lincoln sobre vários assuntos, sem fazer disto um ponto fraco à sua liderança, a qual vinha recheada de humor e sagacidade. Spielberg quis mostrar esta parte final do governo e promover a ‘santidade Lincoln’ ao mundo. Talvez o cineasta tenha atingido o objetivo.

Outro destaque é Hal Holbrook como Preston Blair, fundador do Partido Republicano. Perto dos 88 anos (aniversaria em 17 de fevereiro), o ator é âncora certa da trama, pois Lincoln aconselha-se com ele. O mentor é mais experiente, possui espertezas diferentes e quer proteger o seu lado. No retrato da história, destinos distintos: Lincoln, o altar; Blair, as negociatas. O importante é terminar de ver o filme e pô-lo na prateleira dos clássicos. E Lewis definitivamente no rol dos grandes atores. É dada como certo o seu terceiro Oscar – levou pelo ‘Meu Pé Esquerdo’ e ‘Sangue Negro’ (2007). Irá igualar Jack Nicholson. Dos que vi, Abraham Lincoln é seu melhor trabalho em 42 anos de carreira.

Uma curiosidade este ano na festa do Oscar é a quantidade considerável de realizações sobre escravos e negros sofredores. Temos ‘Lincoln’, ‘Django Livre’, ‘Indomável Sonhadora’ e ‘A Feiticeira da Guerra’ (filme estrangeiro, do Canadá, estupendo, e aborda a guerrilha no Congo). ‘Lincoln’ é tudo o que é porque Spielberg ama este tema. Se não, seria mais um de estilo ‘Guerra dos Mundos’ (2005).

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 30/01/2013
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