Cate e mais 10 (publicado originalmente em 18/2/2014)

Woody Allen às vezes acerta, às vezes acerta também, mas menos. Com ‘Blue Jasmine’ (2013) é a segunda alternativa a correta. O filme conquistou três indicações ao Oscar de 2 de março: roteiro, claro, a Allen, e às atrizes Cate Blanchett e Sally Hawkins, respectivamente nas categorias principal e coadjuvante. Do trio, em nenhum concorrente, se eu votasse, deixaria a minha simpatia. Mas vamos aos fatos e estatuetas ficam de lado. Cate está impecável no papel-título. Jasmine é uma ex-dondoca. O marido, Hall (Alec Baldwin) era empresário e roubou muita gente. Foi descoberto, preso e acabou cometendo suicídio. Sem rumo, a ex-rica pede ajuda à irmã, Ginger (Sally). Esta mora no subúrbio, é destemperada, tem o relacionamento nervoso com um ‘perdedor’, como diz Jasmine, mas recebe sua mana para uma temporada. A Jasmine, a condição se mostra totalmente desfavorável. Ela de modo algum se acostuma com a casa minúscula, a sujeira no chão, ao comportamento do casal. Além disso, Jasmine desenvolveu um cotidiano perturbador e fala sozinha, como se todos quisessem saber sobre a tragédia familiar. E quando encontra o novo milionário disposto a namorá-la, a protagonista mente e enfia os pés pelas mãos. Círculo vicioso à parte, ‘Blue Jasmine’ roda, roda, e... fica no mesmo lugar.

Woody Allen é especialista em ‘neuras’ e ‘Blue Jasmine’ seria a mistura mal acabada de duas obras-primas do diretor e roteirista: ‘Interiores’ (1978) e ‘Setembro’ (1987). Se para você, leitor, isso soou como exagero, me perdoe. Evidentemente, esses filmes antigos são referência aos cinéfilos e as contribuições à sétima arte, grandiosas – Woody Allen homenageou a técnica de filmagem de Ingmar Bergman, seu ídolo. ‘Blue Jasmine’ pega a crise estadunidense de alguns anos atrás e recheia-a com o drama de uma mulher submissa aos dólares e que se vê desamparada e desorientada. A loucura bate à porta, porém, suavemente, com o auxílio da irmã. O ‘nojo’ que o personagem de Cate sente quando pisa na casa de Ginger é espantoso e igualmente discreto, porque ela, Jasmine, precisa rapidamente se acostumar com seu novo estilo de vida. Aliás, é bom detalhar: este ‘Blue Jasmine’ é Cate Blanchett e mais dez, como se diz no futebol. Apesar de não considerá-la a melhor dentre as finalistas ao Oscar (o prêmio deveria ser de Sandra Bullock, por ‘Gravidade’ – Cate é a favorita das bolsas de apostas), o longa-metragem não funcionaria se contasse com outra atriz neste papel. Cate repete, para melhor, a retumbante atuação dos dois ‘Elizabeth’ (98 /2007). Ela domina a película e sai dela totalmente ilesa.

O roteiro de ‘Blue Jasmine’ foi sugerido pela esposa de Woody Allen, Soon-Yi Previn, após ela conhecer uma mulher com os problemas idênticos aos de Jasmine. E outro ingrediente é a cidade de Nova Iorque. O retorno da musa inspiradora do cineasta se deu depois de quatro anos perambulando pela Europa, onde ele rodou ‘Você Vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos’ (2010), ‘Meia-Noite em Paris’ (2011), ‘Para Roma com Amor’ (2012). ‘Tudo Vai Dar Certo’ (2009) havia sido o derradeiro nas calçadas novaiorquinas e não foi grande coisa. Se fizermos um exercício e pegarmos o período 2003–2013 do diretor, notaremos três filmes classificáveis com o ‘padrão Allen’: ‘Match Point: Ponto Final’ (2005), ‘Vicky Cristina Barcelona’ (2008), ‘Meia-Noite em Paris’ (2011). Se recuarmos mais, entre os anos de 92 e 2002 (talvez os piores na carreira dele), temos como destaques ‘Poderosa Afrodite’ (95) e, vá lá, ‘Tiros na Broadway’ (94). Antes, no espaço entre 1980-91, todos os longas-metragens tinham os seus detalhes mimosos, delicados e sinceros. Lembremos, por exemplo, de ‘Zelig’ (1983), ‘Hannah e suas Irmãs’ (86) e ‘Crimes e Pecados’ (1989). A primeira parte, 1966 a 1979, as fitas são ‘clássicas’: ‘Noivo Neurótico, Noiva Nervosa’ (77), ‘Manhattan’ (79) e ‘A Última Noite de Boris Grushenko’ (75).

‘Blue Jasmine’ é um arremedo. Mas é Woody Allen. Ele sabe como tratar bem as personagens femininas. São fortes, poderosas, igualmente frágeis, impotentes. Cate Blanchett está surpreendente.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 18/02/2014
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