Ligações estranhas (publicado originalmente em 15/12/2015)

Pouca gente, creio, viu ‘Maggie: A Transformação’. Estreou em julho no Brasil e logo sumiu das salas dos cinemas. No elenco estão Abigail Breslin (a ‘Pequena Miss Sunshine’, hoje com 19 anos) como a protagonista, e Arnould Schwarzenegger, pai da moça. É incrível como o ‘Exterminador do Futuro’ tenta se passar por humano sentimental, mas as suas reações em cena se parecem mais com paredes, tamanha é a contagiante emoção diante das câmeras. O roteiro segue a linha das tramas de zumbis: a cidade está contaminada com um vírus potente e os infectados têm de se isolar, pois a enfermidade é contagiosa e etc e tal. Nada fora dos quadros, de incomum. O diretor é o novato Henry Hobson, que esteve nos bastidores de algumas festas do Oscar, no departamento de arte, e o roteirista também é estreante: John Scott. ‘Maggie’ chega a ser banal, mas a presença da dupla dá à fita ares duma falsa qualidade. Se você gosta deste tipo de aventura, delicie-se. Se não, passe longe e se dedique a livros.

Paralelamente à ‘Maggie’, indicado por um amigo, lia ‘A Metamorfose’, o classicão de Franz Kafka. E tudo na mesma semana. Encontrei semelhanças entre um e outro! Podem me chamar de biruta ou o inconsequente-mor, mas a realidade é essa. Tal qual Gregor Samsa, o personagem central da trama do escritor, transformado em bicho nojento ao acordar, Maggie ‘precisa’ ficar isolada do universo. Os parentes não a desejam por perto e ela pena para se comunicar com as pessoas em volta. Ninguém a ouve porque têm medo do que ela possa fazer. Samsa fala, mas a sua voz sai como grunhidos toscos e degradantes, como se o inseto berrasse por melhorias. A mãe e irmã dele se assustam e há passagens macabras nas páginas, nesta obra que considero a mais perturbadora de todos os tempos. A mutação de Maggie se dá aos poucos, ao contrário da de Gregor. Ele dormiu são e acordou metamorfoseado.

Porém, feridas ficam ali e os próximos sentem asco das situações. Maggie e Gregor ficam sem saída. Confesso: as ligações estranhas estas que faço. Ainda não cheguei a ver obras da sétima arte baseadas no mundo kafkiano. É desastroso pensar nesse ser. Há um média-metragem dirigido por Jan Nemec, de 50 minutos. Talvez seja a mais concentrada tradução pro cinema de ‘A Metamorfose’. Talvez. Os diretores precisam descobrir Kafka. Orson Welles foi um, com ‘O Processo’ (1962). ‘Maggie’ poderia ser uma versão. Exageros à parte, a figura de linguagem é marcante na produção de Hobson. Só ela.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 04/01/2016
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