A religião em debate (publicado originalmente em 17/10/2020)

Muita gente afirma ser feminista o filme 'Agnus Dei' (2016, disponível na Netflix). Discordo. Há na trama a clara referência às mulheres corajosas e fortes, sobretudo a médica, em plena Polônia da década de 1940, estraçalhada no pós-guerra.

Porém, o longa-metragem vai além de formalismos e categorias, pois se encaixa em várias. O roteiro mostra Mathilde, profissional da Cruz Vermelha francesa que descobre que dezenas de freiras beneditinas moradoras de um convento foram estupradas por soldados, estão grávidas e prestas a dar à luz.

A jovem, ateia e antes escalada para amparar apenas dos compatriotas feridos em campos alemães, começa, de modo secreto, até um tanto relutante, a ajudar as religiosas.

Passa por situações em que lida com o julgamento das próprias madres, que se sentem culpadas por terem 'violado' o voto de castidade. Algumas sequências são fortes, como a de um aborto. A diretora Anne Fontaine tem pulso firme e prende a atenção do espectador com tamanho drama, sem precedentes.

Apesar de às vezes cair nas resoluções modestas do roteiro, a fita é capaz de se sustentar porque tem empatia e resiliência, palavras que hoje em dia estão tão gastas que as escrevo com o pé atrás. Fontaine demonstra a serenidade do cotidiano do convento.

Não tem pressa nos cortes e a edição trabalha bem. A fotografia é outro ponto positivo. Paisagens brancas e cinzas, cobertas pela neve excessiva do inverno europeu ('Agnus Dei' se passa em fins de 1945), dão o tom sombrio e simultaneamente arrebatador da história de fé e superação.

Na medida em que Mathilde visita o convento, à sua racionalidade médica são acrescentadas pitadas de condolência e comiseração. E as freiras incorporam às suas devoções doses cavalares de afinidade, compreensão e sintonia com o trabalho da médica.

Esse 'conviver' nada passivo é o ponto chave para engatar a simpatia do público com o filme. Cada lado - as religiosas e a moça da saúde - cede em alguns quesitos e o desfecho, apesar de resvalar no piegas, não compromete.

É daquelas obras que quase caem na mesmice, mas a um passo do abismo consegue a redenção e todos se cumprimentam, como se fossem ser felizes para sempre. Duração: 115 minutos. Cotação: bom.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 21/10/2020
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