Platão versus Aristóteles

O filósofo Heráclito dizia que o mundo está em um perpétuo estado de fluxo, um devir constante, “somos e depois já não somos”. Se a noção de ser em Heráclito está bastante fraca, o filósofo Parmênides ao contrário funda o conceito de ser: é ou não é; pois se algo é, então é. Platão analisa os dois filósofos: ele concorda com Heráclito sobre a questão de que o mundo visível, sensível, está sempre mudando. Por outro lado, ele concorda com Parmênides quando se examina determinados tipos de seres: a coragem, por exemplo, é um certo ser que jamais será não corajoso; se a coragem é, ela sempre é coragem. Platão reconhece que há dilemas nos conceitos formulados por estes dois grandes filósofos: na doutrina heraclitiana, não há mais ser, pois o ser seria algo em constante mutação, e nem haveria como dizer e definir o ser (pois como dizer algo que nesse instante é, mas já em seguida já não é?).

Contudo, o ser imutável de Parmênides, Platão extrai outras conseqüências: se há algo realmente imutável, é somente este que pode ser conhecido. Diante do quadro problemático que Platão se viu a resolver, ele elabora sua tese as Formas ou Ideias. Platão chega a conclusão de que se algo é belo, é porque participa de algo Belo em si. Há algo Belo em si, uma Forma ou uma Entidade que não é visível pelos sentidos, mas que se faz presente em cada das coisas belas. Estes seres em si, as Formas ou as Ideias, são a causa da existência das coisas visíveis. A Forma em si é eterna, não está sujeita ao perpétuo fluxo das coisas visíveis. Platão parece resolver a questão de Heráclito: as coisas belas podem deixar de ser belas; há até mesmo uma relatividade entre os conceitos de belo, já que algo pode ser belo para mim, e não para uma outra pessoa. Mas o Belo em si é eterno e imutável.

Porém, como conhecer as Formas? Somente através do pensamento, já que os órgãos de nossos sentidos são falíveis, e por tanto, fontes de erros. Platão afirma que devemos nos afastar do corpo, para que possamos contemplar a imutabilidade das Formas. Essa dualidade que Platão construiu entre “a alma e o corpo” marcará profundamente o pensamento ocidental, e influenciará várias religiões, principalmente o cristianismo. O corpo segundo Platão é inferior a alma, e é pela alma que se ascende às realidades superiores: “Nesta vida, o que faz com que cada um de nós seja o que é, nada mais é do que a alma, enquanto o corpo é para nós a imagem concomitante. Está certo quem diz que o corpo sem vida não é se não a imagem do morto, e que o eu real de cada um de nós, o qual chamamos de alma imortal, parte para prestar contas perante outros deuses, uma perspectiva a ser encarada com coragem pelos bons, mas com supremo terror pelos maus.”

Para Aristóteles, uma explicação deve ser simples, e objetiva. A teoria das Formas de Platão complica o conhecimento das causas. Para explicar “estes seres aqui”, Platão recorreu a entidades supra-sensíveis. Segundo Platão, as coisas deste mundo têm pouco ser, são inferiores na escala hierárquica do ser. Tudo seria cópias imperfeitas de Formas ou entidades perfeitas. Já para Aristóteles, o ser mais elevado encontra-se nas próprias coisas. Se as formas são a própria essência das coisas, como Platão então as colocou existindo separadas das coisas? Com a teoria das Formas de Platão, estaria suprimida toda possibilidade conhecimento das coisas sensíveis, pois o que poderia se conhecer não seria as coisas mesmas, mas as formas separadas, transcendentes a própria coisa.

Não é à toa, que Nietzsche, ao estudar profundamente a filosofia, ele faz uma inversão dos principais conceitos e definições criadas pelos grandes pensadores: o mundo aparente e o verdadeiro de Platão é reduzido só ao mundo aparente (“a superfície é a coisa mais profunda do ser”); “o cogito ergo sum” de Descartes é transformado em “Sum ergo cogito” (a essência precede a existência); a coisa-em-si kantiana é só uma ficção; deve-se suspeitar não só dos sentidos, mas da própria razão, e da consciência; o corpo é muito mais verdadeiro, sagrado e profundo do que a alma, que para Nietzsche tal vocábulo é um produto apenas metafórico e poético; entre outras dezenas de coisas que Nietzsche inverte para analisar as coisas, pois todos os filósofos buscaram conhecer a verdade, a certeza das coisas e dos fatos, e o que resultou dessa busca incessante? Apenas conjecturas, teorias complexas e confusas, e muitas convicções infundadas. Nietzsche opta por um novo método: buscar a incerteza, a mentira, pois quem sabe elas esclareciam muito mais coisas sobre a existência, do que aquele método que durante séculos e séculos foram utilizados pelos filósofos e pensadores, e que só resultou em dialéticas persuasivas, e ilusões conceituais.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 26/04/2010
Código do texto: T2220888
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