A Criação e o sexo

Lendo as escrituras cristãs descobrimos que aquilo a quem chamaram “Deus”, depois de nos ter moldado à Suas imagens e semelhanças – já que homem e mulher nos criou – nos pediu para que crescêssemos e nos multiplicássemos.

Depois da Queda, depois que nossos primeiros pai e mãe comeram o que não deviam, como a querer dizer aos seus primeiros filhos recém conscientes o que era o mal, Deus parece ter considerado a nudez e, consequentemente, a exposição dos sexos e sua utilização indiscriminada como um grande pecado, devendo ser evitada mais tarde por monges e monjas que, como profissão de fé, descartaram usufruto das coisas e renegaram as idéias que fundamentam os "valores do mundo", sendo o sexo um dos mais importantes itens da lista daquilo que devem evitar.

O caso de monges medievais, que sequer podiam ficar nus diante de si mesmos durante o banho, é expressão do tratamento que, segundo certos religiosos, devemos conferir “a carne” que, malgrado manifeste o Espírito (que Se doou a nossa presença viva, envelhecendo dia a dia e morrendo sempre conosco a dar lugar a ressurreição de outros de Si mesmo, transportando-Se organicamente pelos séculos, extensão temporal de Sua existência sem fim), as exigências da carne tem sido nosso maior fardo.

Ainda hoje, em meio a questões sobre uso ou não uso de camisinhas, há proibição do casamento entre padres ou freiras.

Mas eis que entro em meu provedor de e-mail e vejo a notícia de que certa exposição herética causou polêmica na Suíça.

Lendo a matéria, fiquei sabendo que “As imagens que causaram mais furor, entretanto, são as de conteúdos controversos. Um dos exemplos é a fotografia de uma freira beijando um padre, de autoria de Oliviero Toscani, usada em um anúncio da empresa italiana Benetton. Ainda com a temática religiosa, a mostra “Controvérsia” traz a fotografia “Piss Christ”, de Andrés Serrano, que mostra um crucifixo imerso em um copo com a urina do artista”.

A considerar algumas culturas, que crêem que se deve beber a própria urina pra melhorar a saúde, merecerá nossa urina colocada num copo tal emblemática presença do Deus cristão a maior geração da sacralidade da uréia e aumento de seu poder vital curativo?

Aos interessados, há também o anúncio: “Saiba como receber em sua casa uma estampa do Sagrado Coração”. E esclarece: “Já benta”.

Conheci alguns seminaristas e padres na infância que freqüentavam a casa da minha avó, então adventista do sétimo dia, e as casas de suas vizinhas católicas, tendo uma delas nos causado desconfianças de que era “namorada de um padre”.

Um amigo de infância, seu sobrinho, foi coroinha, mas, no âmbito da Igreja, não passou disso, embora anos depois tenha sido assíduo freqüentador do movimento Folcolare, enquanto eu fui conhecer outras culturas que representavam isso a que chamamos “Deus” de outras formas.

Entre as dissidências cristãs, às vezes sentia vontade de freqüentar um mosteiro franciscano, tendo eu muitos anos depois decidido passar três dias num reduto dos devotos de Krishna; mas nunca me decidi a ser definitivamente um padre, um pastor ou aquele discípulo de Deus representado como descontraído tocador de flauta de pele azul.

Lendo a Bíblia, entre outras obras de filósofos cristãos, entretanto, aprendi que ser padre não é a meta final daqueles que desejam a plena evolução espiritual entre católicos. É um caminho, mas, quedando-nos como tal, não nos garantimos a conquista, ainda neste mundo, daquelas sensações e conhecimentos que nos podem tornar espiritualmente convictos de sermos os genuínos “filhos de Deus”.

Assim, ainda sonhador adolescente, decidi pretensamente ir pelo caminho mais difícil: o dos santos, ou aqueles reconhecidamente “mais chegados ao Pai”, tendo eu, seguindo conselho do velho Gandhi, testado a possibilidade de praticar a santidade no dia a dia, ou, dito de outro modo, fazer como fazem instintivamente as mães: “padecer no Paraíso. Ou, ainda, por outro lado, gozar as delícias daquilo que, interiormente conquistado, crentes cristãos referendam como “O Reino dos Céus”, e mesmo em meio a pequenos infernos cotidianos.

Meti as mães no meio dessa discussão não apenas para usar uma metáfora, mas porque, segundo a história natural – e mesmo na história contada na Bíblia – elas tem papel preponderante nos processos fisiológicos de perpetuação material de criação dessa força viva chamada “Vida”, que, em Seus fundamentos, elegemos a categoria de “Espírito”.

“Crescei e multiplicai-vos”, aprendemos que ordenou o Criador no início dos tempos, e aí começaram os problemas. Não apenas o problema da super população do mundo, mas os problemas relacionados a interpretações sobre o quê, de fato, quis dizer o Criador com tal ordem engendradora de vidas, já que muitos têm nos advertido contra “o valor pecaminoso” do ato sexual. Porque, para os santos, o desejo por relações sexuais, entre outros, que nada têm a ver com os interesses daqueles que dizem viver na “dimensão do Espírito”, tem mais em comum com os animais, que se entregam às “forças do mal” (leia-se "dos instintos") ou, dito do modo simbólico cristão, se entregam aos “domínios de Satanás” do que propriamente com aqueles que desejam o Céu acima (e dentro) de tudo.

Enquanto não nos chega a velhice e, com ela, impotências e outros interesses - como passar o dia listando o nome das muitas doenças que nos afligirão ou, se católicos, fazendo a revisão e o arrependimento dos pecados por nós cometidos na juventude à nossa admissão no reino celestial - a dúvida sobre se nós, homens (sic), devemos realizar vasectomias, usar camisinhas ou se, como nos sugeriu o apóstolo Paulo, definitivamente não deveremos mais usar nossos pênis a acentuação de nossa concupiscência, a multiplicação de doenças sexualmente transmissíveis ou à promoção do crescimento do já acentuado número dos órfãos e de crianças abandonadas no mundo, com toda super valorização conferida à vida material, em detrimento do valor que cristãos de todas as dissidências digam dar ao Reino de Deus, tais dúvidas continuarão ainda por muito tempo.