CASTIGO DÁ PENA

Na língua portuguesa há três definições de pena. Pena de ave, como a de galinha, por exemplo. Esta ninguém questiona qual a origem. Inclusive na antiguidade era comum utilizarem-se travesseiros de penas. Depois tem-se a pena de escrita, instrumento obsoleto que utilizava-se para escrever, feito de uma pena de ave. Mais tarde esta pena foi transformada em um pequeno tubo cheio de tinta e com uma minúscula esfera na ponta. Então passou-se a chama-la caneta. Por fim, há a pena judicial, que é o castigo imposto por uma transgressão da lei. Dessa pena derivaram palavras como pênalti, por exemplo, que é a penalidade máxima do futebol, e expressões como: “vale a pena”, “tem que valer a pena”, “paga a pena”, “penando”, “tenho pena”, “que pena”, “penalizar”, etc., buscando sempre a razão entre o custo de algo e o benefício resultante.

De onde veio essa pena, porém? Qual a razão de avaliar-mos custo em comparação com pena? Seria essa pena por acaso pena de ave ou seria uma outra associação desconhecida? E por que costumamos dizer que sentimos pena de alguém, sendo que até se inventou o ditado de que “quem tem pena se despena”.

Por muito tempo me perguntei qual seria a relação entre a pena castigo e a pena de ave. Haveria relação entre uma coisa e outra? Porque o castigo estaria relacionado a pena? Penar seria sofrer um “depenamento”, como é o caso das galinhas? Talvez fosse uma comparação, buscando equivalência entre o estar depenado e a dor de ter as penas arrancadas, a dor do frio ou de nudez do caráter exposto.

Entretanto, não é nada disso. Depois de conhecer o Tribunal de Osíris, pelo qual, na imaginação egípcia, as almas passavam para o Juízo Final, vê-se que a pena castigo está mesmo relacionada com a pena de ave. Todavia, a relação entre uma coisa e outra não tem nada a ver com perder as penas, estar depenado, ter frio, vergonha, etc.. É que no Tribunal de Osíris o caráter da alma em juízo era avaliado em comparação com a pena branca da deusa Maat, a deusa da verdade na mitologia egípcia. Pondo-se o coração da alma sobre um dos pratos da balança e a pena da deusa Maat no outro julgava-se a sinceridade da alma em comparação com a verdade da pena. Se ao responder sobre seus crimes ou não o coração da alma usasse de sinceridade os pratos permaneceriam em igual nível e assim se saberia que a sinceridade daquela alma valera a pena. Entretanto, Se aquela alma não fosse sincera o prato da verdade pesaria mais e a alma seria condenada pela contradição da verdade da pena. Ou seja, a pena denunciaria sua culpa.

Portanto, um castigo é completar na balança do tribunal de Osíris a medida que falta para a alma ficar em equivalência com a pena, ou seja, com a verdade. Significa a alma e a verdade em perfeito acordo.

Por isto, de hoje em diante, sempre que nos depararmos com expressões como pênalti, “vale a pena”, “paga a pena” ou sentirmos pena de alguém e coisas assim, vamos lembrar que tal avaliação se faz em comparação com a verdade, averiguando-se a equivalência entre o custo de uma coisa e o valor que ela realmente tem. Isto, no Tribunal de Osíris, de onde se tirou a expressão pena para castigo, significa a relação entre as ações humanas e a lei.

Wilson do Amaral