NOS RASTROS DA POÉTICA DO “PERCURSO DO OLHAR” DE LUIZ BRAGA

E lá estavam, logo ali. Era possível se ver, daquela janela, os que esperavam o barco: um homem sentado sobre o toco de amarrar embarcações, de calção branco e camisa da mesma cor amarrada na cabeça. Os braços estavam cruzados sobre o peito nu. No rosto de perfil, os olhos cabisbaixos, detinham a expressão de cansaço. A mulher, encostada em uma coluna de madeira, revestia com seu corpo o filho que trazia no ventre enquanto era revestida por um vestido estampado de fundo claro e com motivos escassos salpicados no mesmo. Nas mãos, um papel que não se poderia saber do que se tratava: pelo tamanho, seria um jornal, um cartaz, coisas desse tipo. Debaixo do braço esquerdo, a humilde carteira, talvez quase vazia. Seu olhar percorria como que o vazio, tamanha desesperança traduzia. Ela esperava o barco, esperava o filho, esperava a esperança em seus dias tardios... Tudo isso naquela janela dentre mais cinqüenta outras espalhadas naquele salão branco de piso de madeira do século XVIII. E o mais incrível: cada janela mostrava um lugar diferente. Projetavam lugares passados, no tempo presente. Pareciam espécies de portais que nos fazem viajar no espaço e no tempo. E ainda há uma curiosidade nesse fato: as cinqüenta janelas ficam dentro do salão superior da Casa das Onze Janelas. Não é surpreendente!

Falo, prezado leitor, da exposição do fotógrafo e arquiteto Luiz Braga, conhecido no Brasil e em diversos países do mundo onde realizou exposições individuais e coletivas, tendo muitas de suas obras em pinacotecas localizadas em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto (Portugal), Boston e Miami (EUA), dentre outras. A obra descrita acima “Esperando o barco”, pertence ao portfólio “À margem do olhar” de 1987/88. A coleção é a primeira em uma instituição museológica da região norte e que marca pontualmente o caminho traçado pelo olhar do fotografo. Das cinqüenta fotografias, parte são inéditas e fazem parte da série intitulada “Verde noite, 11 raios na estrada nova,fotografia, nigthvision”, que recebeu o Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça, promovido pela Funarte/2009. As demais são doações, feitas pelo autor, para o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas.

As fotografias são verdadeiras janelas para se debruçar o olhar e viajar: ora em lugares de um colorido forte e marcante, ora em horizontes negros e brancos, ora em uma tonalidade que se aproxima do tom de sépia, cores que realçam o foco do objeto de seu olhar no tempo, pois até 1981 sua escolha fora por trabalhos nos dois últimos tons citados. Nestas, as figuras ribeirinhas da Amazônia se destacam no preto e no branco: seria para expressar que para eles (os ribeirinho) sempre é passado, visto que o progresso nunca lhes chega pelas mãos dos governantes, que deveriam ser comprometidos com as periferias e cidades longínquas e não apenas com obras faraônicas ou pelo centro das grandes cidades? Seria para denunciar este estado de abandono a que estão submetidas essas pessoas, esses seres que também são humanos e merecem por direito constitucional ter uma vida digna, apesar de simples? De que olhar estão à margem? Dos donos do poder, dos de uma sociedade capitalista e egoísta, dos falsos religiosos que pregam o que não fazem, ou de cada um de nós que nega fazer o pouco que pode por esses cidadãos? São indagações que emanam, ou que por vezes gritam na superfície de cada fotografia e que são ouvidas por nossos olhos, tradutores angustiados de tal mensagem.

Já na fase colorida percebe-se que algumas se expressam quase numa tonalidade única, como a fotografia “Vendedor de amendoim” de 1990 (70x100), que juntamente com “Rosa no arraial”(1990), “Lona azul” (1991), e "Babá patchouli”(1986), fazem parte do portfólio Anos luz, de 1992. Nela, em primeiro plano, está um menino, de aproximadamente dez ou onze anos de idade, descalço, sobre um chão cinza escuro, vestido como um short verde musgo, sem camisa e com um fino cordão de bijuteria envolvendo seu pescoço. Ao seu lado o pequeno fogareiro que mantém o amendoim quentinho. Ao fundo nuvens cinzas num céu azul pálido, sobre um horizonte igualmente cinza. O menino moreno está numa espécie de ponte ou passarela, cujas bordas possuem estilo antigo, como se fossem miniaturas de colunas gregas, num tom branco, retocado aqui e ali por musgos, o que pressupõe umidade, provocadas por chuvas naquele lugar. Há uma sensação de desalento, frio, desproteção e abandono transmitida pelo menino, seu olhar , o cenário e as cores. Tudo parece frio. A única coisa que passa uma sensação de calor é o pequeno fogareiro que parece nunca deixar de queimar e aquecer. Uma denuncia talvez contra o trabalho infantil, o descaso de muitos pais quanto a seus filhos, ou a “necessidade” de se por os filhos para trabalhar para aumentar, um pouco, a mísera renda familiar: são idéias que divagam no ar do salão branco.

Nas demais, de colorido e luz, a percepção do belo no considerado feio e desapropriado: as moradias ribeirinha em que, na escassez de tinta, as tábuas pintadas em cores diversas, tornam em tela viva a realidade desse humilde, mas criativo povo. Alguns exemplos, são as obras “Camburões coloridos” (1984), “Papagaios na porta azul” (1983), “Porta com cadeado”, “Carrinho de raspa-raspa”(1987), e “Bilharito”(1982), todas pertencentes ao portfólio intitulado pelo fotografo de “No olho da rua”. Nas que materializam a luz se configuram as obras “Rosa no arraial” (1990) e “Roleta do jogo do bicho” (1987), ambas da série “Anos luz” já citada aqui. As cores, fortes e contrastantes, transmitem alegria, entusiasmo e beleza no rústico. As imagens parecem sorrir e animar alguns cenários que poderiam (ou o são) desolador. Algumas vezes, quando o foco é a parte de um todo, a fotografia assemelhasse a uma pintura expressionista abstrata como a obra “A casa de madeira e lata” da série “Olho da rua”. Tal obra foca parte da parede de uma palafita, tecida de madeiras irregulares, uma mistura de ripas e tábuas de várias larguras. Nela há vários remendos de tábuas e latas cortadas em quadrados e, uma pequena janela. A cor azul destas contrasta com a cor da madeira crua e dos quadrados (uns vermelhos, outros prata), mas nada regular: existem manchas avermelhadas como se pintadas a tinta spray que invadem o azul da janela e as cores na madeira envelhecida. E dessa forma seguem as janelas que convidam nosso olhar não somente para ver, mas também ler e enxergar. Ficou curioso (a)? Então vá o mais rápido possível ver essa excelente exposição deste incrível profissional paraense, cujo talento já é reconhecido numa trajetória de trinta anos. Trajetória iniciada quando o arquiteto tinha onze anos de idade. A exposição começou em 19 de agosto e seguirá até 03 de outubro. O que materializei em palavras ainda é muito pouco para tudo que essa exposição expressa. Siga então a trilha, e palmilhe com os olhos os rastros da poética do “Percurso do olhar” de Luiz Braga.

REFERENCIAS

http://www.portalcultura.com.br/?site=2&pag=conteudo&mtxt=19637&cabeca=O olhar de Luiz Braga em exposição

http://xumucuis.wordpress.com/2010/08/12/exposicao-o-percurso-do-olhar-de-luiz-braga-museu-de-arte-contemporanea-casa-das-onze-janelas/

http://holofotevirtual.blogspot.com/2010/08/o-percurso-do-olhar-de-luiz-braga-no.html

http://www.diariodopara.com.br/N-12777-EXPOSICAO+DO+PREMIO+PORTO+SEGURO+ABRE+HOJE+COM+TRABALHOS+DE+ALBERTO+BITAR+E+LUIZ+BRAGA.html

http://www.luizbraga.fot.br/

http://www.diariodopara.com.br/N-106258-A+ESSENCIA+DO+OLHAR+DO+FOTOGRAFO+LUIZ+BRAGA.html