BATUQUE: UM NOME PARA VÁRIOS RITMOS

UM NOME PARA VÁRIOS RITMOS

Ernani Maller

Na cultura negra há uma constante utilização dos instrumentos de percussão, seja nas festas profanas, seja para comunicação de mensagens à distância, nas invocações ou nos cultos aos orixás, às vezes há nessas manifestações diferenças muito sutis, mas podendo ser bastante especificas como, por exemplo, o toque dos tambores para chamar determinado orixá, cada orixá tem um toque pessoal, o que é uma das difíceis atribuições dos ogãns8, saber de cor cada um desses chamados.

A música também é parte da identidade de cada orixá, além das cores, comidas colares de conta, ferramentas e outros objetos. O ritmo da música de iansã, deusa dos ventos, só pode ser o espalhafato da tempestade que se aproxima, o Xangô nos dá a idéia da fúria dos trovões, o ritmo de Iemanjá, a senhora do mar, traduz o vai-e-vem ininterrupto das ondas do mar, o de Ogum, orixá das guerras, deve reproduzir o mesmo arrepio provocado pelo avanço dos exércitos, o de Oxum, divindade da beleza, do amor e da vaidade, só pode transmitir sensualidade e as sensações, da sedução, e assim por diante. (PRANDI, 2005, p.180).

“Os ritmos tocados em uma cerimônia chegam a vinte modalidades, cada um dedicado a uma divindade ou a uma situação ritual específica. Para se invocar os deuses e os agradar é preciso, antes de mais nada conhecer seus ritmos próprios”. (PRANDI, 2005, p.180).

As manifestações populares e os inúmeros ritmos podem ser confundidos, por observadores leigos, como algo totalmente sem sentido e sem lógica, mas também a arrogância do branco europeu, que via nessas atividades algo de bárbaro, o deixa distante de uma compreensão, como diz Lody:

Tudo enfim era batuque. Havia reunião, percussão e dança, conceituava-se como batuque. Genericamente indiferente às especificidades de cada expressão, motivo, característica, o achatamento do conceito retifica preconceito étnicos: congos maracatus, afoxés e tantos outros, tudo incluído e entendido como batuque ou batucada. (2006, p.232)

Para Albuquerque, havia muito medo das classes dominantes no fim do século XIX, sempre que percebiam grandes acúmulos de negros em torno dos “batuques”. A imprensa criticava esses aglomerados de negros alegando ser essas atividades um tanto antiestéticas, incompatíveis com a tradição carnavalesca francesa e era comum lamentar a falta de um controle mais rígido sobre esses grupos considerados “inferiores na hierarquia social”, como pode –se perceber no comentário preconceituoso da época:

Já não havia senhores a lançar mão de sanções e castigos e a polícia, sempre sob suspeição, estava longe de ser eficiente na demarcação de limites. Os batuques tidos como perigosos, difíceis de serem controlados, eram africanismos a pôr em risco a ordem e o sossego. (p. 3)

Havia na Bahia, no século XIX, dois grandes clubes carnavalescos formados por negros, um era a “Embaixada Africana” e o outro “Pândegos d`África’. Essas organizações gozavam de um certo prestígio, pois o fato de serem organizadas pareciam não levar tanto perigo à comunidade, possivelmente essa impressão que levou ao comentário de Piter Fly ao comparar esses clubes aos batuques independentes:

Os primeiros eram “negros de alma branca”, já os outros parecem simbolizar o negro que está mais preocupado com os valores brancos da classe dominante, ou para os quais esses valores não fazem sentido. (apud, ALBUQUERQUE, p.3)

No que tange à cultura negra, sempre houve muita resistência, uma grande dificuldade de aceitação por parte da elite de cultura unicamente ocidental, esta, sempre teve em mente uma noção de hierarquia social onde seus valores eram incontestavelmente superior, frutos de uma “cultura superior” que já havia passado a muito pelo estágio de barbárie em que viviam os afro descendentes.

“É inegável que a assimilação subversiva do carnaval que estes clubes empreenderam foi um empecilho aos devaneios racistas em circulação na época e, portanto, representaram uma barreira aos esquemas hierárquicos herdados da escravidão”. (ALBUQURQUE, (ALBURQUERQUE, p.3)

No entanto, a música negra, como vimos, estava sempre presente, seja no egbé, no batuque dos cantos das ruas ou nos clubes carnavalescos organizados dos afro-descendentes. Foi essa onipresença, que a fez a manifestação cultural mais importante legada pelos africanos.