A Efemeridade Cultural do Trairi

Santa Cruz do Trairi não é cidade de cultura excepcional que se distingue das demais cidades potiguares. Mas, mesmo assim, em algum tempo, vez por outra aparecem e desaparecem manifestações artísticas, grupos poéticos e personalidades cultas. É uma cidade comum e especial. Não possui monumentos notáveis em suas praças. Os casarões antigos quase já não restam. Na festa de Independência do Brasil, quando se comemorava, em 1922, um pequeno e bonito obelisco de alvenaria (coreto) tinha sido construído para cerimônias públicas na praça ao largo da primeira Igreja de Santa Rita. A igrejinha antiga, única desde 1825, fora construída pelas famílias fundadoras da cidade: Rocha Freire e Lourenço Rodrigues. Imigrantes do Ceará, região do Crato. Famílias de simples criadores de gado, fugidas da seca cearense e atraídas pela esperança de alimento e água para o gado. Havia um lindo mercado público alpendrado com fartas colunas grossas, enormes cisternas, portas e janelas coloniais. Durou ainda 50 anos. Esses monumentos históricos e outros foram todos destruídos sem o aval do povo. Líderes autoritários e mesquinhos os desfizeram. Assim como muitos jornais locais, grupos de dança e música morreram à míngua no passado.

Em toda localidade, por mais simples que seja, sempre há figuras populares. Caricaturas de nossa sociedade. Várias figuras do mundo passaram por Santa Cruz, a homenagear duas: Francisca da Conceição, mais conhecida por Chiquinha, era pobre senhora aposentada, sozinha na vida. Mas que gostava de vestir-se bem, detestando roupas velhas. Continuamente procurava refeições nas residências familiares da cidade, rejeitando sobras de comida que lhe fosse dada. E o Cara Preta, homem idoso, negro e alto. Quando bêbado cantava canções ao alvorecer do dia e nas procissões dos Santos gostava de cantar hinos sacros. Morreu abandonado, na calçada de um armazém na rua do rio, onde era costume viver. Eles foram mendigos e reis.

Inúmeros boêmios, poetas e intelectuais também passaram por este chão. A lembrar do seresteiro, símbolo de uma época, Gastão Nunes. Do poeta Fabiano da Rocha, o Fabião das Queimadas, caboclo cantador de mão cheia, tinha versos que embalavam vaquejadas e quermesses. Era um símbolo do vaqueiro nordestino. Do querido professor, intelectual e poliglota, Francisco de Assis Dias Ribeiro, o Mestre Ribeiro.

Duas associações literárias surgiram aqui. Duas logo. ASPE (Associação Santacruzense de Poetas e Escritores) e APOESC (Associação de Poetas e Escritores de Santa Cruz), mais recente. Tendo a primeira lançado alguns livros. Já dois de seus membros são eternos e inesquecíveis, a citar: José Mathias da Costa, o Mathiinha, e o Seu Adonias Soares. Modestamente elas são tocadas por poucos associados: um pouco de funcionários públicos, de pretensos a cargo público e status. Os recursos financeiros são migalhas doadas por comerciantes e particulares. Rara e ínfima é a oferta da prefeitura. A maior fatia de então foi um recurso singelo do BNDES/BNB 2011 conseguido pela APOESC. “O dinheiro é meio fundamental para que as idéias se concretizem. Livros são feitos de papel, e papel custa caro” (Diego Rocha, secretário da entidade).

A cultura-turismo se manifesta mais por eventos religiosos, como a Festa de Santa Rita (padroeira) e o Alto de Santa Rita, de agora; ou por danças de quadrilhas juninas, por bandinhas de música. A destacar o trabalho da Associação Musical de Santa Cruz (Assomusc), cujo maestro é o ilustre Camilo Dantas.

Talentos artísticos não faltam nesta terra. Os nomes ultrapassam os limites desta folha. Porém, o que pesa negativamente é a falta de investimentos, de mais atenção por parte dos gestores públicos locais. A exemplificar: o Palácio do Inharé (ou Casa da Cultura) que agoniza hoje sem luz, sem água, sujo e deteriorado.

“Será difícil encontrar perspectivas e saídas para o progresso do nosso município, sem entendimento alicerçado em propostas claras, planos previamente estabelecidos, dentro de um projeto global que supere interesses mesquinhos, radicalismo, autopromoção. Para isso, devemos pensar mais na nossa terra, apontando caminhos e colaborando nas soluções. Afinal, estamos nos tempos de parcerias e de união, moedas fortes neste novo mundo globalizado” (Hermando J. de Amorim – em seu livro: Santa Cruz nos Caminhos do Desenvolvimento)

jan.2011