A ARTE DOS ARTISTAS

Queria escrever o suficiente para poder explicar, passo a passo, um pensamento meu, mas eu não terei tempo, nem paciência, nem “vibe” (alguma duradoura, como a dos autores de romance) para fazê-lo, e aí vou escrever pouco, omitir muitas explicações, mas vou escrever. Também serve como uma volta à prosa, depois de alguns meses... Não mudei minha forma de discurso, acho; não consigo me encaixar inteiramente no pós-modernismo, ao menos porque, apesar de algumas coisas que venho descobrindo de “concreto” no “discurso contemporâneo”, também me parece que os que se dizem pós-estruturalistas/pós-modernos etc. adotam mais uma estética de discurso do que interiorizam alguma coisa de todo esse relativismo.

Falarei sobre arte. Um pouco sobre como vejo a estética na vida do ser humano e como a sociedade entra nessa coisa contribuindo para reduzir todo um potencial a uma única modalidade de sua expressão: a concepção tradicional de arte.

Não me interessa pesquisar e mostrar a raiz da palavra arte, só é proveitoso, para essa minha tese, que entendamos primeiro a concepção que digo ser “tradicional” de arte. Essa arte precisa do artista, daquele cara (ou grupo) que faz a arte e sua arte tem o reconhecimento de um corpo de pessoas – esse corpo pode ser a academia que o forma ou o estuda, a clientela que o compra, o público que o aclama. Assim (de uma forma ou outra, tão diversa, pela qual essa arte vem ao mundo) ela precisa se exteriorizada/exteriorizável, ou seja, ela precisa ser intersubjetiva (uma relação entre sujeitos) e, pois, avaliável. E o que na sociedade gira em torno da arte tende a estimular/trabalhar/lidar com essa arte exteriorizável, apreciável por alguém que não o próprio autor, gerando muito claramente as figuras do autor, da obra e do espectador.

Entende-se a arte como uma forma de expressão e, por exemplo, para crianças, ocorre o seguinte: a criança faz um desenho, ela não gosta desse desenho, o acha “feio”, não se sente satisfeita em fazê-lo, mas a recomendação é que os adultos digam “não, está bonito”. Se a criança, ouvindo isso sistematicamente, tende a ficar satisfeita com o resultado de seu trabalho apenas com o fato de que ele foi admirado por alguém (que não ele); me parece haver alguma coisa de errado, ou de tendencioso, e contraditório. Considerando, para ser breve, a sentença “desenhe” (da professora ao aluno) como um forçar saudável, não se leva em conta (e se tendencia em contrário) uma maneira de expressão estética, uma forma de arte diferente (talvez muito mais fundamental), dando (pelo contrário) um enfoque àquela forma exteriorizável, avaliável por outro na sociedade, tradicional.

Uma maneira de expressão artística diferente, só mais simples porque não há tanto glamour em torno dela (não há tanta gente para fazer balbúrdia, história de pensamentos, instituições, interpretações em seu entorno), é de um impulso estético. Uma ação ligada à sensações interessantes, mas que não é intersubjetiva, mas intra-subjetiva (se dá numa relação em que autor e “apreciador” são a a mesma pessoa). Não que necessariamente dispense um objeto, uma obra, mas que, se tiver, ele não se destina a ser exposto ou ao menos o que há de prazeroso (ou qualquer sensação desejável) para o autor não está no fato de essa coisa ser percebida, avaliada, quiçá positivamente.

Muito simplesmente, esta maneira de arte tem tantas formas de ser, que é impossível enumerar conjuntos que abarquem as expressões e consiga definir modalidades (até porque as modalidades são convenções feita por “outros”). Um grito, um gesto, algo que venha de uma vontade e lhe seja a própria realização e carregue em si o próprio deleite estético, que seja inconsciente ou especialmente consciente (que é quando fazemos algo que queremos mas não sabemos o porquê e ficamos satisfeitos, ou não, mas nos é de qualquer forma não racional). Muito ligada ao corpo é essa maneira fundamental de expressão, fazendo-se confundir muitas vezes com necessidades mais naturais ainda, o que é propriamente o sentido da palavra “estética”, ligada a “sentimento”, em sua raiz.

Ficar emitido um som tal, baixo o suficiente pra ninguém ouvir, mas pra sentir seu corpo vibrar em certa freqüência; desenhar com a mão esquerda, na sacada de um prédio; escolher as moedas mais novas da carteira para usar depois; desenhar enquanto se fala ao telefone; escolher as pedras mais redondas pra jogar em algo; arrancar um pedaço de mato cuidando para que ele saia inteiro. Tudo isso é expressão, num gesto, de toda a carga do “ser” que o faz, tudo aquilo que o forma biologicamente e ao longo de sua vida, tudo o que nisso pode ser encaixado como componente de sua individualidade, e no entanto não é algo intersubjetivo, não precisa do outro.

Talvez possamos definir arte, cercar-lhe o campo, dizendo que uma de suas balizas é justamente o fato de ser expressão de uma identidade, de uma formação tal que deu origem a sujeito tal, tanto na sua concepção quanto na sua avaliação. Quando a tradição ignora a maneira de arte que descrevi e estimula a arte em sua concepção tradicional, ela só legitima uma arte se essa arte expressar, portanto, uma estética coletiva; no sentido de que os interlocutores se reconhecerão/tocarão/envolverão com a obra. E daí que nasce o “artista”, que é nada mais nada menos que aquele que consegue expressar alguma estética coletiva em seu fazer artístico; ele é o DaVinci, a que os historiadores atribuem ser porta-voz da Itália renascentista, ele é aquele artista plástico admirado por seus clientes e críticos, ele é aquela criança que desenha e que seus coleguinhas gostam.

Andrié Silva
Enviado por Andrié Silva em 10/04/2011
Reeditado em 11/04/2011
Código do texto: T2901056