Nos Fecundos Anos da Década de 60
No dia 06/04/2011 o Cineclube Barbacena exibiu o filme “Persona” de Ingmar Bergman.
A uma primeira vista e com uma leitura rasa feita somente nas linhas em que o filme é ‘escrito’ parece um drama, cujas personagens são representadas por três atrizes Liv Ullmann, Bibi Anderson e Margaretta Krook.
As falas são reduzidas e os diálogos são mínimos. A peça é quase toda montada em cima das reações da enfermeira chamada Irmã Alma.
Entretanto, se nos posicionarmos como um arqueólogo de leituras implícitas descobriremos achados fantásticos como subjetividades, simbolismos e ensaios psicanalíticos. Devemos, então, ler nas entrelinhas do enredo, pois não é uma obra cinematográfica simplista e nem direta.
Devemos agir sim como um descobridor de preciosidades, até porque é um filme de 1966 e ele retrata não só comportamentos daquela década. O filme reproduz atitudes daqueles tempos de libertação de valores, origens de novos termos e atitudes assumidas por aquela geração, como novas posturas femininas, origem do chamado “amor livre” e outras coisas mais. Seria uma obra “psicodélica”? Este termo, ao assistir à produção, veio muito em minha mente (resgate desta palavra que não se usa mais, mas que marcou os anos 60 e 70 do Século 20). Ele ainda é ilustrado com cenas de fundo da Guerra do Vietnã (1959-75).
O filme traz ainda um subtítulo ‘Quando Duas Mulheres Pecam’. Seríamos, então, com este outro nome, levados a indagar: “Qual seria este pecado? Pecados individualizados, cada uma cometendo alguma atrocidade? Ou teriam pecados juntas?”. A trama esclarece.
Além da Irmã Alma, que quase monopoliza as falas, as outras duas personagens são: a doutora, coadjuvante e a atriz Elisabet Vogler. Esta estava encenando e interpretando Electra, quando teve um surto de silêncio, nada mais falando. Foi levada para uma clínica de repouso e entregue aos cuidados da jovem enfermeira. Temos então três elementos importantes para entendermos a proposta da película:
Primeiramente o nome principal do filme, quer seja, ‘Persona’. O dicionário informal da internet (www.dicionárioinformal.com.br) diz sobre este vocábulo que é de origem latina e significa pessoa, traços, identidade particular. Positivamente para nós tal instrumento exemplifica o uso da palavra com a seguinte frase: “Aquele ator de fato consegue ter a persona de seu personagem”.
Depois temos o nome da personagem que Elizabet Vogle estava interpretando no momento de seu surto silente: Electra. Como sabemos Electra foi uma personagem da Mitologia Clássica que Freud usava para explicar o “Complexo de Édipo”. Vamos lembrar que nos ano 60 a proposta freudiana era usada e abusada em toda a psicanálise e era “Cult” saber e ler sobre esta ciência.
Finalmente temos o nome da jovem enfermeira, que por si só é muito sugestivo, Irmã Alma. Nosso dicionário Aurélio traz o significado deste substantivo (alma), entre outros: “Conjunto das faculdades psíquicas, intelectuais e morais de um indivíduo” e “Sede dos afetos, sentimentos e paixões”.
Como recurso terapêutico a doutora recomenda que a paciente passe uns dias à beira-mar acompanhada pela enfermeira.
As duas mulheres isoladas viverão uma experiência, como se tivessem em um laboratório, de grande interação. A atriz, em profundo silêncio, passa a ser ouvinte da enfermeira, que passa então a expor seus conflitos internos.
Ocorre então uma intersecção de personalidade, psíquica, entre as duas mulheres. Por instantes é como se as duas tornassem uma só pessoa. Como se as duas ‘personas’ se apaixonassem.
Mas não foi este o pecado de Alma e de Elizabet.
O suposto pecado de ambas teria sido o aborto que Alma vivenciou devido a uma experiência sexual com um garoto no passado e a falta de cuidados maternos de Elizabet pelo seu filho, que sentia sua ausência, por amar mais a sua carreira de atriz.
O filme compensa por ser uma obra que exige nossa atenção redobrada e nos relembrarmos de conceitos culturais vividos no final do Século 20 e trazer à tona valores e afetividades do gênero humano.
Leonardo Lisbôa.
Barbacena, 11/04/2011.
TEXTO 07 - CADERNO: VOLTANDO PARA CASA