Culturalismo é mais sensato

Tenho andado pelo mundo e não vejo nada igual ao Rio Grande do Sul, tanto positiva quanto negativamente. Somos realmente diferentes ou nos fazemos diferenciar?

Por vezes lamento que somos assim tão ingênuos e outras, tão vorazes. Ingênuos quando confundimos entretenimento, diversão com cultura. Vorazes quando queremos que as pessoas se divirtam seguindo normas rígidas. Inocentes, quando pensamos em turismo cultural, mas damos mais valor ao regulamento do que ao turista.

Temos um movimento cultural impressionante e ao mesmo tempo tão preso dentro de si. Não consegue romper o invólucro que o reprime.

O mal do movimento cultural do Rio Grande do Sul talvez seja o de ser administrado por pessoas não intelectualizadas, na maioria dos casos. É o único lugar do mundo em que as autoridades culturais são eleitas. E quem faz concurso para sê-lo subordina-se aos eleitos. Gente que nunca escreveu um livro, não toca um instrumento sequer, não canta, não compõe e não produz dita o que é certo ou errado. Considera que a cultura seja algo estático, acabado e imutável. O que não compreende ataca, proíbe e boicota. Por outro lado, por não discernir entre a cultural ou a pseudo-cultura compra uma pela outra. Insere-se na rede da indústria cultural sem saber. Acaba vendendo para seu público imagem equivocada, por simples necessidade, talvez, de gerar lucro.

Se pensarmos que só a invasão moura no sul da Europa durou 800 anos e que nós temos 300, podemos dizer que somos mais mouros do que gaúchos. Não é por acaso que nossa forma de cantar tenha esta acentuação meio moura, quase cigana. Que recitamos com esta impostação, que improvisamos como os trovadores medievais e que dançamos como dançamos.

Conhecer a Europa é defrontar-se com dados culturais milenares e uma estrutura psíquica diferenciada perante os verdadeiros bens culturais de um povo. O respeito para com o ser humano está acima da censura em culturas bem estruturadas. Noto que em algumas regiões do planeta, observar o povo parece ser mais aconselhável do que querer doutriná-lo.

Nossa consciência cultural nativista não surge com o movimento tradicionalista organizado como podem pensar os menos avisados. Ela está presente no Parthenon Literário, nos Grêmios Gaúchos de Cezimbra Jacques, na Sociedade Rio-grandense, no lirismo farroupilha... Ganha oficialidade com o surgimento do 35 CTG, em 1947 e depois com o MTG. Mesmo assim engatinhamos culturalmente diante da humanidade.

Falamos que temos uma cultura forte, no entanto somos totalmente dependentes de leis de incentivo, apoios governamentais e de estruturas enferrujadas que nos dão com uma mão e nos tiram com a outra. Se realmente fosse forte o nosso imaginário popular não necessitaria de tantos reguladores. Quando é preciso regulamentar a cultura é por que ela é tão frágil que alguém precisa dizer como operacionalizá-la.

Quando a cultura é legítima ela permanece no ideário popular. Temos um exemplo claro no Estado. A pajada sobreviveu por quase cinco décadas sem ser reconhecida pelo tradicionalismo. Está regulamentada no tradicionalismo a partir de 2002 e aceita dentro dos ditames oficiais do movimento. Todavia está presente no gosto popular desde que Braun resgatou essa forma tão ou mais tradicional que a trova, em 1958. Não conheço ninguém que não goste de pajada no Rio Grande do Sul. Sei que há gente que desconhece esta arte, mas quem priva dela, gosta. Porém isso é apenas um exemplo. A cultura gaúcha é mais do que isso ou do que a indumentária, o baile, os esportes culturais, os festivais, as gravações...

Segundo o dicionário da língua portuguesa, cultura é o conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade. Cultura é também a produção e transmissão de conhecimentos e a criação artística de uma coletividade. Ou ainda, o sujeito social da história forjado pela atividade concreta, tanto material quanto espiritual. É o processo de desenvolvimento social de um grupo, povo, região ou nação, que resulta no aprimoramento de seus valores, instituições e criações.

Enquanto defensor da cultura, me coloco na condição de culturalista. Penso que a cultura deva ser um processo autônomo como na maior parte do mundo. Ela é de natureza coletiva e realidade objetiva. Não deve estar sob o controle de indivíduos. Enquanto nosso estado fragmenta o movimento cultural em tradicionalismo, nativismo, regionalismo, gauchismo e outros “ismos” como dizia Barbosa Lessa, prefiro analisar no contexto geral. Jogo mais um “ismo” até então não citado neste meio: prefiro o culturalismo. É a melhor forma de compreender seus elementos.

Para entender o processo cultural de um povo não podemos menosprezar o poder da indústria cultural tão estudada na Escola de Frankfurt. A produção gerada pela indústria cultural não é cultura e sim um produto com características culturais.

Teodor Adorno é anunciador de que não se deve combater o mal com o mal. Segundo ele, a antítese para o processo de alienação é a arte. Ele julga que o trabalho verdadeiramente artístico pode colocar o ser humano novamente em sua autonomia psíquica.

Então, enquanto o tradicionalismo der mais importância para o baile do que para a biblioteca, enquanto não possuir uma discoteca, um acervo fotográfico, corre o risco de se auto punir com verdadeiras aberrações.

Penso que ao invés de dividir, contestar, boicotar, punir e obrigar a seguir regulamentos, o movimento cultural deve valorizar o que realmente tenha teor artístico, sem se contentar com o aplauso fácil, muito menos com a pobreza de criação dos que estão mais próximos.

Tenho andado por esse mundão de Deus e quando volto pra casa chego a conclusão que ainda não vi tudo.

(Publicado no Jornal do Nativismo)

PAULO DE FREITAS MENDONÇA
Enviado por PAULO DE FREITAS MENDONÇA em 17/04/2011
Reeditado em 23/07/2011
Código do texto: T2913871