A tradução e seu viés
 
Esta é uma breve reflexão originária de um trabalho monográfico, acerca do processo de tradução, em especial, a literária. Ela é considerada, por muitos, uma tarefa árdua, em decorrência das dificuldades com que se deparam os tradutores, no ato de verter um texto para outra língua.

A tradução do texto literário se distancia do texto técnico, no momento em que este último não envolve em seu contexto aspectos culturais de um povo ou nação. Ramos (1999) diz que o homem na qualidade de produtor e produto de cultura deve ver a probabilidade de entender o "diferente" como sendo outra forma de pensar o mundo, apreciando e tendo consciência do que há de diferente e semelhante entre a cultura do outro e a sua própria.

Isso nos leva a crer que, no decorrer do processo tradutório, o ponto onde as tensões se acumulam reside nas diferenças culturais: entre a língua de origem e a da tradução. A exemplo, vejamos uma das obras do baiano Jorge Amado, considerado entre os escritores brasileiros, aquele que mais se preocupou em revelar a cultura do seu povo, através da literatura.

O autor emprega termos específicos da cultura baiana que, certamente, interpõem dificuldades nas suas traduções. Ao ler a sua obra "A Morte e a morte de Quincas Berro D'Água”, é praticamente impossível o leitor não dialogar com a cultura baiana. No trecho: "uma negra, vendedora de mingau, acarajé, abará e outras comilanças [...]" , os itens especificados, por si, já traduzem a cultura desse povo.

No tocante ao ACARAJÉ, esta iguaria afro-baiana, tem sido ao longo dos anos o cartão postal da Bahia. O hábito de comer acarajé, principalmente às tardinhas, é antiquíssimo e cada vez mais se fortalece na cultura baiana, especialmente na cidade do Salvador, onde se dá o desfecho da obra citada.

Pois bem, verifica-se que na versão do português para o inglês americano, os itens da cultura baiana, representados pelas palavras acarajé e abará, pág.22 (texto original), foram substituídos por beancakes (bolinhos de feijão), pág. 8 (texto em inglês), tornando ambos uma ÚNICA COISA. Jamais, acarajé e abará, podem ter o mesmo significado. Ademais, o baiano não se reconhece comendo um “bolinho de feijão", e sim um ACARAJÉ ou um ABARÁ, que são coisas distintas.

É sabido que, a após a Segunda Guerra Mundial, com a preocupação de instaurar a paz entre os povos, os estudos concernentes à tradução se expandiram bastante. Ultimamente, impulsionados pelo advento da globalização, têm se intensificado mais ainda, sem levar em conta que essa atividade é uma das mais antigas que se tem conhecimento.

E, para explicar a sua origem, vamos tomar como base o mito da Torre de Babel, que, conforme o Antigo Testamento, havia diversas pessoas envolvidas na construção de uma torre bastante alta, a qual as levaria até o céu. No entanto, esse projeto não pôde ser executado porque o Senhor dos Exércitos resolveu intervir, fazendo com que a comunicação entre elas se tornasse tão ruidosa, a ponto de não entenderem umas às outras e abandonassem o seu objetivo principal, considerado por Deus, muito audacioso.

Para alguns estudiosos, o material mais significativo traduzido na Antiguidade é o Pedra de Rosetta, encontrado no Antigo Egito, em 1739, durante um período de escavações realizadas em uma região banhada por um braço ocidental do rio Nilo. O nome atribuído à pedra, deveu-se à região chamar-se Rosetta. Tratava-se de uma pedra de basalto, cujo texto grafado se apresentava de três formas distintas: em hieróglifos da escrita sagrada do Antigo Egito, em caracteres da língua popular egípcia da época; e por último, em caracteres gregos. Diz-se que foi a partir das análises desse material que o francês Jean-François Champollion deu início aos estudos para decifrar os hieróglifos do Antigo Egito.

A Pedra de Rosetta, apesar de datar do séc. II a.C, sabe-se que havia um imperador da Assíria, três séculos antes da era cristã, que já gozava do prazer de ter seus feitos divulgados por todas as línguas faladas no seu vasto Império. Há quem afirme que a primeira determinação legal de tradução ocorreu no ano de 146, em Roma, quando o seu senado mandou que fosse traduzido o Tratado de Agricultura do cartaginês Magão. O romano Cícero, também, refere-se a uma tradução feita por ele no séc. I a.C. Trata-se dos Discursos do grego Demóstenes, cuja discussão sempre esbarra na questão da fidelidade, ou não, ao texto original.

Vera Trindade



FERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AMADO, Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro D`Água. 63ª ed. Rio de Janeiro: Record ,1991;

BARBOSA, Heloisa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução. São Paulo: Pontes, 1990;

LYONS, John. Linguagem e lingüística: uma introdução. Tradução:Marilda W. Averbug. Rio de Janeiro:LTC, 1987;

POMPILII, Pe.Mario. BÍBLIA SAGRADA: Antigo testamento. Trad. Pe. Matos Soares. 4ª ed. Porto, 1933;

PAES, José Paulo. Tradução a ponte necessária. São Paulo: Ática, 1990;

RAMOS, Elizabeth. História de bichos em outras terras: a transculturação na tradução de Graciliano Ramos: Dissertação de mestrado. Salvador: UFBA,1999.
Vera Verá
Enviado por Vera Verá em 17/04/2011
Reeditado em 07/08/2018
Código do texto: T2914293
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