Consciência lúcida

A árvore da ciência do bem e do mal (a dos capítulos 2 e 3 do Gênesis) não pode ser a experiência do bem do mal, porque o homem já possuía em si, pela liberdade, a possibilidade de fazer o bem e de fazer o mal... Ela designa, penso, a possibilidade de determinar para si mesmo o seu bem e o seu mal, ou seja, tornar-se o princípio de sua própria consciência moral.

O ser humano sofre por não poder unificar duas escalas de valores. De um lado, encontram-se desejos que lhe fazem aparecer sob as formas de doce e de amargo, de apetitoso e de repugnante, um sem número de coisas. Esta escala, porém, não equivale totalmente à outra escala, que é a do bem-mal, alto-baixo, se assim posso me exprimir. As duas escalas não coincidem. O homem desejaria sem cassar poder fazer da escala de seus desejos sua escala de valores, e sofre continuamente por sentir que o bem possa lhe aparecer amargo e o mal possa lhe aparecer apetitoso. Há nisto uma espécie de paradoxo e existe uma tentação perpétua que habita o humano e o impele a dizer: “Pois bem! De agora em diante, vou decidir que o que para mim for doce, chamá-lo-ei o bem, e o que para mim for amargo, chamá-lo-ei o mal. Quero mais é ser feliz!”. Eis a tentação de Adão, e a interdição de Deus a ele era justamente de ultrapassar este limite, o de decidir o seu bem e o seu mal em função dos seus desejos e dos seus gostos. Eu imagino uma criança de quatro ou cinco anos que decidisse um belo dia que tudo aquilo que lhe parecesse apetitoso fosse o bem e tudo o que lhe parecesse amargo, fosse o mal, e que persistisse neste caminho com plena liberdade. Muitas etapas nunca seriam vencidas, muitas mudanças nunca se efetuariam nesta criança. A criança, com efeito, julga seus próprios valores de uma maneira unicamente instintiva. Ela não pode perceber nem julgar o que uma pessoa adulta que a ama, julga e percebe por experiência como sendo na verdade o seu bem e o seu mal. O homem do Gênesis, recém-criado, estava numa situação análoga.

Fazer o mal não é uma coisa dramática, conquanto que se conserve uma consciência desperta, pela qual se faça julgar. Conquanto que conserve lúcida em si a sua consciência, mesmo com uma dissonância gritante que faça sofrer no íntimo. No entanto, a partir do momento em que se está concorde consigo e com os outros, se amordaça a consciência... isto é o comer o fruto da árvore.

Eis, penso, qual era o caminho que Deus tinha proibido ao homem...: que ele não coma da árvore ao determinar para si mesmo o bem e o mal, e perca a consciência deste apelo divino que estabelece o seu bem e o seu mal, para além dos seus próprios desejos!